Urbanismo | Tap Seac (塔石)

Ficava para lá dos limites de Macau, esquecido de tudo e de todos durante séculos. No Tap Seac, o principal vale da região, viviam alguns camponeses chineses muito pobres. Conviviam com a doença e os insectos que rasavam as águas fétidas daquelas terras pantanosas. Destoava o colorido de algumas flores, o chilrear dos pássaros e a beleza natural de três grandes rochedos sobrepostos numa pequena colina, por detrás do local onde hoje se encontra o edifício do Instituto Cultural. Lembravam um pagode e os chineses chamavam-lhe Tap Seac, torre de pedra. O nome vingou no baptismo daquela terra inóspita

 

 

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Texto Patrícia Lemos | Infografia Rodrigo de Matos | Fotografias Gonçalo Lobo Pinheiro

 

Não eram mais de cinco vielas, um sítio imundo e lodoso. Porém, a miséria que grassava no Tap Seac passava ao lado das famílias mais abastadas de Macau, como os Lou que ali ergueram uma mansão na década de 70 do século XIX, lançando em seguida as primeiras sementes do popular Jardim Lou Lim Ieoc. Para os governantes, o Tap Seac era o foco das enfermidades que assolavam Macau. Foi exactamente depois de uma epidemia mais forte, de peste negra, ter ceifado a vida de centenas de pessoas, em 1895, que o Governo de Macau decidiu sanear toda aquela zona. Os planos integravam a política de urbanismo estratégico e higienista do virar do século e abrangeram Sá Kong e Mong-Há.

Dirigidas pelo engenheiro Abreu Nunes, o director das Obras Públicas ao tempo do Governador Horta e Costa (1894-97), as obras eram vistas como um caso de vida ou de morte. Todas as condições para concretizar a “limpeza” e a consequente expansão da cidade estavam reunidas. Para além da necessidade premente de conter o foco das doenças, havia dinheiro e que não perder de vista o comboio do progresso de Hong Kong. Também se impunha acabar com a erosão dos solos das encostas dando continuidade à política de arborização adoptada em Macau desde 1883.

Aterrado e urbanizado no início do século XX, o Tap Seac mudou completamente de figura. Onde um dia se demoravam as águas do pântano passaram a borbulhar as mentes de jovens intelectuais, que se reuniam junto a um poço em tertúlias literárias, nas proximidades do edifício da Caixa Escolar, inaugurado em 1925. Anos antes já os órfãos do Asilo da Santa Casa da Misericórdia, aí instalado desde 1903, tinham aproveitado bem os novos ares daquele amplo campo para lançar os seus papagaios. E há quem se refira a companhias de circo ali acampadas para gáudio da população.

 

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Quando o campo se tornou desportivo, o hóquei em campo era uma das maiores atracções e foram muitos os jogos a que algumas famílias macaenses de renome assistiram das varandas das suas casas, edifícios neoclássicos de toque mourisco que foram construídos nas primeiras décadas do século XX na Avenida do Conselheiro Ferreira de Almeida. Esse conjunto de casas, que é hoje Património da UNESCO e tanto ofusca com a calçada portuguesa da Praça do Tap Seac, acolheu depois várias instituições públicas, como a Biblioteca Central e a Galeria Tap Seac. Foram presenças que afirmaram aquela zona como polo educativo e cultural, depois de no século passado se ter justificadamente destacado na área da saúde, dando tecto aos Serviços de Saúde de Macau e ao Dispensário Anti-Tuberculoso. Dessa memória resta apenas o Centro de Saúde do Tap Seac, que até valeu alguns prémios a Carlos Marreiros, o arquitecto que o remodelou nos anos 1980.

Do outro lado do Tap Seac a airosa Alameda Vasco da Gama, que integrava o Jardim Novo, e tinha sido rasgada no final do século XIX para ser passeio público, foi desaparecendo. A lei do progresso ditou a construção a partir de meados dos anos 1930 de novos arruamentos e vários edifícios. Foi o caso da Escola Municipal, em 1939, da Piscina Municipal, nos anos 50, do Comando de Segurança Pública e o grande Hotel Estoril, inaugurados nos anos 60. Dessa velha alameda apenas resta o verde dos jardins Vasco da Gama e Vitória e algumas árvores de São José centenárias.

 

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  1. Antigo Liceu de Macau

A Santa Casa da Misericórdia ali criou o Asilo dos Órfãos no despontar do século XX, fechando-o em 1918. O edifício acolheu depois o Liceu de Macau durante 34 anos. Para além da Repartição Provincial dos Serviços de Saúde, neste espaço esteve ainda uma Delegacia da Saúde e a sede dos Serviços de Saúde de Macau, já em 1980. Depois de obras no final do século XX, o novo edifício recebeu de modo definitivo o Instituto Cultural, em 2005.

 

  1. Centro de Saúde do Tap Seac

Inaugurado em 1934, o Gimnasio do Liceu de Macau foi palco não só de actividades desportivas mas também de festas. Sem os alunos para animar aquele espaço a partir de 1958, o local foi ocupado pelo Dispensário Anti-Tuberculoso e Posto Oftalmológico. Novas obras ali decorreram nos anos 1980 para criar o Centro de Saúde Macau Oriental ou do Tap Seac, como é hoje conhecido.

 

  1. Moradias da Conselheiro Ferreira de Almeida

Construído entre os anos 1920 e 1930, este grupo de moradias acolheu várias famílias abastadas de Macau. Muitas destas casas construídas pela Santa Casa da Misericórdia foram sendo recuperadas a partir de 1976 e ocupadas por serviços de interesse público. Essas obras foram distinguidas com o primeiro prémio da PATA em 1982. Mais intervenções foram ali decorrendo nos anos 1990. Em 2008 o Governo da RAEM adquiriu à então proprietária Fundação Oriente este conjunto arquitectónico, que compreendia os edifícios dos números 89A ao 95G.

 

  1. Biblioteca Central

Tem as suas origens na Biblioteca Macaense criada em 1873. Depois de passar por várias instalações, a instituição encontrou endereço definitivo neste edifício em 1983. Foi remodelada no início de 2007.

 

  1. Arquivo Histórico

Criado em 1952, o Arquivo Geral de Macau começou por estar instalado na Biblioteca Sir Robert Ho Tung. Como a Biblioteca Nacional, esta instituição foi integrada no Instituto Cultural em 1986, estando instalada neste edifício desde 1982, que foi em tempos palco da actividade da Rádio Vilaverde, fundada por Pedro José Lobo em 1951.

 

  1. Galeria Tap Seac

Depois de ser residência de família abastada, aqui estiveram instalados serviços da administração. Em 1995 passou a albergar o mítico Centro de Arte Contemporânea da Fundação Oriente (C.A.CO.M), incluindo ainda um estúdio de rádio no primeiro andar. Já a Galeria Tap Seac, essa só inauguraria em 2003.

 

  1. Orquestra de Macau

Fundada em 1983 na Academia de Música S. Pio X e integrada no Instituto Cultural desde 1984, a Orquestra de Macau mudou-se para estas instalações nos finais de 2006 ou inícios de 2007. Antes disso, aí estava sediada a agência Lusa em Macau.

 

  1. Casas dos bolseiros da Fundação Oriente

À semelhança de outras casas deste conjunto arquitectónico, estes edifícios foram recuperadas entre 1995 e 1998, Neste caso com o intuito de acolher bolseiros da Fundação Oriente.

 

  1. Instituto Ricci

Como nas casas vizinhas, esta foi residência de famílias portuguesas, ao caso a de Abílio Basto, que aí nasceu. Esta instituição abriu as portas em 1999 e a Biblioteca Tomás Pereira, que lhe é anexa, inaugurou dois anos depois.

 

  1. Mansão da família Lou

A família Lou comprou os terrenos em 1870, construindo uma mansão e um belo jardim. Após a morte do patriarca Lou, o jardim foi alugado, em 1938, à Escola Pui Cheng, que ocuparia também o casarão. O governo adquiriu a propriedade e restaurou o espaço, abrindo-o ao público em 1974 na sua forma original, ao estilo de Suzhou. A mansão foi remodelada em 2005 e é hoje a Casa Cultural de Chá de Macau.

 

  1. Edifício da Caixa Escolar

Criada em 1919 para dar apoio aos alunos mais carenciados das escolas municipais de Macau, a Caixa Escolar só foi dissolvida em 1973. Construída em 1925, a sede administrativa da Associação da Caixa Escolar é um edifício classificado e destaca-se pelos traços neoclássicos e art deco.

 

  1. Campo da Caixa Escolar

Neste amplo espaço existiu, a partir da década de 1920, o Campo de Educação Física da Caixa Escolar (também conhecido por Campo do Tap Seac), tendo sido substituído, em 2007, pela actual Praça do Tap Seac.

 

  1. Hotel Estoril

Inaugurado em 1963, o hotel destaca-se pela pintura em azulejo de Oseo Aconcci na fachada. Ligada ao hotel sobretudo nos anos 1980, a comunidade de tailandeses que nasceu nas proximidades criou raízes, enquanto o hotel acabou por fechar as portas nos anos 1990.

 

  1. Piscina Municipal

Foi inaugurada em 1952 perante mais de 5000 pessoas e remodelada com a construção do vizinho Hotel Estoril.

 

  1. Escola Secundária Luso-Chinesa de Luís Gonzaga Gomes

A primeira inquilina deste edifício foi a Escola Primária Municipal em 1939. No ano lectivo 1974/75 passa a chamar-se Escola Primária Oficial Pedro Nolasco da Silva ou Escola Central. Em 1994, o mesmo edifício acolhe a Escola Secundária Luso-Chinesa de Luís Gonzaga Gomes, criada em 1986 com ensino preparatório.

 

  1. Escola Primária Oficial Luso-Chinesa Sir Robert Ho Tung

Construído com a doação de Robert Ho Tung, este edifício é mais um exemplo do movimento modernista naquela zona da cidade. Abriu as portas em 1951 para albergar as duas escolas chinesas (secções feminina e masculina), que no ano lectivo 1975/76 são agrupadas, passando a existir um único órgão directivo.