Relações Brasil-China | União de gigantes

Num único dia, o Brasil e a China assinaram 35 acordos bilaterais que ultrapassam os 53 mil milhões de dólares. A lista é grande e se desenrola por todas as áreas, de infraestruturas ao desporto, e eleva para 89 o número de acordos firmados entre os dois países em menos de um ano. Um casamento estratégico de interesses que tem tudo para durar, apontam analistas

 

 

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Texto Vanessa Amaro

 

Primeiro Xi Jinping, que em Julho do ano passado levou uma comitiva de ministros e de mais de 200 empresários ao Brasil, visita da qual resultou a assinatura de 54 acordos bilaterais. A visita em Maio de Li Keqiang, primeiro-ministro chinês, e um grupo de 120 empresários veio reforçar ainda mais a união entre estes dois gigantes: governos e investidores privados firmaram outros 35 acordos, que envolvem no total 53 mil milhões de dólares. As autoridades chinesas entregaram ainda para análise do Ministério do Planejamento brasileiro uma lista detalhada com 52 obras de infra-estruturas que Pequim tem interesse em construir no Brasil.

Em menos de uma década, a China tornou-se o principal parceiro comercial do Brasil, com o fluxo a saltar de 9000 milhões em 2004 para 80.000 milhões em 2014. Ainda assim, 90 por cento da exportação brasileira está concentrada em matérias-primas – soja (41 por cento), minério de ferro (30 por cento) e petróleo bruto (9 por cento). Enquanto isso, máquinas e equipamentos compõem a quase totalidade das exportações chinesas para o Brasil, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Já no sector privado, estatísticas do Conselho Empresarial Brasil-China indicam que os investimentos chineses no Brasil entre 2012 e 2013 traduziram-se em 31 projectos que totalizaram 8400 milhões de dólares.

O principal – e mais ambicioso – investimento anunciado por Li Keqiang é a construção da Ferrovia Transcontinental, que vai ligar o oceano Atlântico ao Pacífico, atravessando o Brasil e o Peru. A obra facilitaria o escoamento de produtos brasileiros para a China, hoje feito a partir de portos no Atlântico, mais distantes da Ásia. Já acordo firmado entre a Caixa Económica e o Banco Industrial e Comercial da China criará um fundo de 50 mil milhões de dólares para financiar projectos de infra-estrutura no Brasil. Ficou ainda decidido o fim ao embargo da carne brasileira e a venda de 22 aviões da Embraer para a Tianjin Airlines. Uma grande parte dos memorandos de entendimento diz respeito à implementação de parcerias privadas, como, por exemplo, a instalação da primeira fábrica de painéis solares fotovoltaicos pelo Grupo BYD em Campinas, no interior de São Paulo, num investimento de 50 milhões de dólares.

No seu discurso, a presidente Dilma Rousseff comemorou a assinatura do acordo para investimentos chineses em infraestrutura, e revelou “enorme satisfação” com a proposta de outro fundo de 20 mil milhões de dólares para vitalizar a capacidade produtiva brasileira. As ofertas de recursos mostram o apetite chinês por obras de infra-estrutura, e aguçam a vontade do Brasil de manter a China como o seu principal destino de exportações. De acordo com o primeiro-ministro, a China tem recursos e tecnologia para exportar – com reservas financeiras recordes, o país procura investimentos no mundo todo e, depois de consolidar a sua posição em África, volta-se agora para a América Latina.

 

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Casamento auspicioso

Para Augusto Castro, delegado do Brasil no Fórum Macau, a assinatura do Plano de Acção Conjunta 2015-2021 demonstra um compromisso a longo prazo entre os dois países, ao indicar claramente linhas de acção para a cooperação bilateral e estabelecer objectivos a longo prazo. “É um documento bastante importante. A primeira versão englobava os anos de 2010 e 2014 e muito foi feito nesses quatros anos. Com o novo plano, há a perspectiva de um aumento substancial do investimento chinês e das exportações brasileiras”, refere à MACAU.

O facto do Brasil ter recebido duas visitas do mais elevado nível do Governo Central tão próximas uma da outra reflecte uma “grande intensidade na relação diplomática”, que é para já, segundo Augusto Castro, concretizada através de quase uma centena de acordos. Também para Marcos Cordeiro Pires, professor de Economia Política Internacional na Universidade Estadual de São Paulo (UNESP-Marília), o actual nível de entendimento “é um guanxi muito bem sucedido” e, a seu ver, o Programa Sino-Brasileiro de Satélites de Recursos Terrestres (CBERS) é a prova de uma mudança qualitativa para o nível dessa relação. “Os acordos que viabilizam investimentos e favorecem o comércio bilateral poderiam ser firmados com qualquer outro país. Mas o desenvolvimento de novas tecnologias, sejam elas aeroespaciais ou energias renováveis, conferem um grau de equidade que outros acordos não conseguem oferecer”, aponta o docente.

Apesar do número elevado de acordos e intenções e das desconfianças de que não saiam do papel, tanto Augusto Castro como Marco Cordeiro Pires acreditam que grande parte seja viável e vai além de uma mera vontade política. “É uma fase muito auspiciosa, porque a China quer instalar empresas no Brasil que podem levar a um aumento muito significativo das exportações brasileiras”, aponta o delegado do Fórum Macau. O docente da UNESP sublinha que a estrutura institucional chinesa é bastante favorável à concretização de todas as ideias, mas que há entraves do lado brasileiro a ultrapassar. “Enquanto que na China o Conselho de Estado define um projecto e os demais entes tendem a seguir a directriz central, no Brasil há muitos contrapesos a uma decisão do Governo Federal. De um lado, Estados e Municípios se equivalem à União em termo de direitos. Se um deles não se envolver no projecto, este simplesmente fica bloqueado”, explica, acrescentando ainda possíveis interferências do Ministério Público, de órgãos de fiscalização, da própria sociedade civil e de organizações não governamentais estrangeiras (no caso, por exemplo, do impacto ambiental de grandes estruturas).

Numa altura de estagnação económica no Brasil – o Produto Interno Bruto (PIB) não cresceu para além do 0,1 por cento em 2014 –, o apoio da China é considerado uma ‘tábua de salvação’ para colmatar a falta de investimento em infra-estruturas básicas e impulsionar o sector secundário. O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Armando Monteiro, sublinha que as intenções chinesas dão “um sinal importante para a economia brasileira” e que a complementação produtiva é um ponto fundamental: “Abre-se um horizonte em que a China pode passar a produzir bens manufacturados no Brasil, tanto para venda no nosso vigoroso mercado interno como para exportação regional”. Ou seja, uma cooperação Sul-Sul sem precedentes na história.

 

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Histórico de boa relação

As relações comerciais entre Brasil e China foram estabelecidas em 1979 e, desde então, têm evoluído ano após ano. Desde 2009, o país asiático é o maior parceiro comercial brasileiro. A cooperação com a China constitui uma das principais fontes de investimento directos no Brasil, com especial destaque para os sectores de energia e mineração, siderurgia e agronegócio.

O bom relacionamento tomou novos contornos em 1988, através do Programa Sino-Brasileiro de Satélites de Recursos Terrestres (CBERS), o primeiro entre países em desenvolvimento no campo da alta tecnologia. Em 1993 foi estabelecida pela primeira vez uma parceria estratégica com a China. Os dois países são ainda parceiros no BRICS, no BASIC e no G-20; criaram em conjunto o Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS, o Arranjo Contingente de Reservas e, mais recentemente, o Banco Asiático de Investimento e Infra-estrutura (este último ainda em fase de desenvolvimento, com 57 países-membros fundadores).

Em 2004, foi criada a Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban), o principal mecanismo institucional das relações dos dois países. Por meio de subcomissões e Grupos de Trabalho, a Cosban tem um papel fundamental na avaliação, no planeamento e na implementação da ampla agenda de cooperação. A terceira e mais recente reunião ocorreu em Cantão, no último semestre de 2013.

 

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Principais acordos de 2015

RELAÇÕES EXTERIORES

  • Plano de acção conjunta entre os dois governos para 2015-2021
  • Memorando de entendimento para implementação de projectos para promoção de investimento e oportunidades de negócios entre os dois países

 

COMUNICAÇÕES

  • Memorando de entendimento sobre sensoriamento remoto, telecomunicações e tecnologia da informação
  • Financiamento para o projecto Free WiFi 4G
  • Acordo sobre centro conjunto de inovação na área da telefonia móvel
  • Memorando de cooperação estratégica em soluções fixas e móveis

 

TRANSPORTES

  • Memorando de entendimento sobre estudos de viabilidade do Projecto Ferroviário Transcontinental
  • Acordo-quadro de financiamento para a compra de 40 aeronaves da Embraer
  • Contrato de financiamento leasing operacional para a Azul Linhas Aéreas

 

CIÊNCIA E TECNOLOGIA

  • Protocolo para pesquisa e produção conjunta do satélite de recursos terrestres China-Brasil (Cbers) 04a
  • Acordo de cooperação científica
  • Memorando de entendimento sobre oferta de formação em tecnologia da informação a bolseiros do programa Ciências sem Fronteiras

 

AGROPECUÁRIA

  • Protocolo de requisito de saúde e quarentena sobre a exportação da carne bovina do Brasil à China
  • Acordo de cooperação sobre saúde e quarentena animal
  • Acordo-quadro de cooperação trilateral entre o governo do Estado do Mato Grosso do Sul, o Banco de Desenvolvimento da China e o grupo China BBCA sobre processamento de milho e soja

 

DESPORTO

  • Memorando de entendimento para cooperação desportiva nas modalidades de ténis de mesa e badminton

 

ENERGIA

  • Memorando de entendimento sobre cooperação na área da tecnologia nuclear
  • Acordo para transferência de acções da EDPR para o Grupo Three Gorges sobre projecto de energia eólica
  • Memorando de entendimento sobre cooperação em promoção de comércio e investimentos para construção de painéis solares fotovoltaicos
  • Acordo-quadro de cooperação para financiamento de projectos da Petrobrás no valor de US$ 5000 milhões

 

INFRAESTRUTURAS

  • Acordo para instalação de complexo siderúrgico no Maranhão
  • Memorando para a criação do Polo Automotivo de Jacareí
  • Memorando de financiamento sobre projecto de compra de 24 navios de minério de ferro de 800 mil toneladas no total
  • Memorando de entendimento para aquisição de quatro navios da Class carregadores de minério de grande porte

 

MEIO AMBIENTE

  • Memorando de entendimento para parceria privada com vistas à elaboração de projecto no âmbito do programa de integração da Amazónia Legal para renovar e ampliar o actual Sistema de Protecção da Amazónia (Sipam)