Cultura | Poesia une chineses e lusófonos

O III Encontro de Poetas Chineses e Lusófonos aconteceu, pela primeira vez, em Lisboa, no Centro Nacional de Cultura. Durante cinco dias ouviu-se falar de Fernando Pessoa, Sophia de Mello Breyner, entre outros, mostrando que a poesia é uma língua universal

 

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Texto Mónica Menezes | Fotos Paulo Cordeiro, em Portugal

 

Na sala Sophia de Mello Breyner/ Francisco Sousa Tavares, no Centro Nacional de Cultura, em Lisboa, as boas-vindas aos poetas foram dadas pelo presidente da direcção, Guilherme de Oliveira Martins. No seu discurso agradeceu a Yao Feng, pseudónimo de Yao Jingming, poeta e docente da Universidade de Macau, que “tem sido um grande entusiasta desta iniciativa e sem ele não teria sido possível chegarmos a esta III edição” e assegurou que, mesmo na abertura do encontro, já há uma conclusão tirada: “o IV encontro irá naturalmente acontecer!”. Entusiasmado com esta promessa e com o sol com que Lisboa recebeu os poetas chineses, Yao Feng realçou que Portugal tem uma poesia muito rica e muito peculiar e que, apesar da barreira linguística, “acredita na força da palavra e na força da poesia”.

E, na verdade, não houve barreira que não tenha sido ultrapassada. Susanna Un, poetisa e escritora nascida em Macau, embora não saiba português sente com a mesma profundidade de um lusófono as palavras de, por exemplo, Fernando Pessoa. “Ele tem muitos heterónimos e isso é fantástico. Tento fazer isso mesmo nos meus poemas, mas é difícil. O Livro do Desassossego mostra isso mesmo, é o meu preferido.” Para Susanna, Pessoa tem toda a essência que um poeta deve ter. Conhecedora da poesia portuguesa, também realça o trabalho de Camões, Eugénio de Andrade e Camilo Pessanha. Para si, encontros como o que aconteceu em Lisboa, no início de Junho, são “inspiradores, extremamente interessantes e a melhor forma de conhecer mais poesia”.

É, aliás, este o grande objectivo de Fernando Pinto do Amaral e de Yao Feng, dinamizadores do encontro, organizado em conjunto pelo Centro Nacional de Cultura, pela Fundação Jorge Álvares e pelo Instituto Internacional de Macau com o apoio do Instituto Cultural da RAEM. Para o português, juntar os poetas lusófonos e chineses é nada mais do que mostrar que “a poesia não tem fronteiras, todos somos seres humanos e todos podemos partilhar”. Visivelmente satisfeito pelo rumo que o encontrou tomou, Pinto do Amaral realçou a importância de se conhecer os poetas contemporâneos chineses, pois só assim se pode começar a gostar do que se faz actualmente num país tão longínquo. “A China é vítima de um certo cliché e é preciso desconstruir esse mito, essas ideias relacionadas com um certo estado zen, com as flores de lótus e um infindável número de imagens e símbolos que temos na nossa cabeça. Este encontro é um enorme privilégio para nós.”

 

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Yao Feng também concorda na utilização da palavra “privilégio” associada a este encontro. Conta mesmo que, por exemplo, o poeta Huang Lihai, um apaixonado por Eugénio de Andrade, tinha o sonho de um dia conhecer Portugal e esse sonho realizou-se agora. “Estes encontros servem para despertar ainda mais o interesse que os poetas chineses têm pela poesia portuguesa e para conhecerem novos poetas”, conta. E revela: “Foi depois de ter aprendido espanhol e depois de ir viver para Macau que me apaixonei pela língua portuguesa. O primeiro livro que li foi do Eugénio de Andrade e fiquei apaixonado. A partir daí comecei a ler mais e mais e mais e comecei a traduzir obras portuguesas. Para mim, a poesia é o melhor da literatura portuguesa. Portugal deve exportar mais poesia.”

Fascinadas com este encontro ficaram Inês Fonseca Santos e Filipa Leal, as representantes portuguesas da nova poesia nacional. “É muito interessante para nós divulgar o nosso trabalho e muito interessante conhecer a poesia deles. É engraçado perceber como não estamos assim tão distantes. Do ponto de vista da linguagem poética, a poesia é como um país à parte e somos todos como uma nação”, explica Filipa. E acrescenta: “Há um lugar aqui para além de todas as diferentes culturas”. Já Inês destaca o quão fascinante é perceber que duas línguas tão distantes quando toca à poesia estão cheias de lugares comuns. “Tal como nós, eles também escrevem sobre a fuga da realidade, sobre o mistério, o acesso às essências. As preocupações são as mesmas.”

O entusiasmo e a vontade de repetir, seja em que ponto do globo for, estes encontros estava bem patente no rosto de todos. A língua portuguesa e o mandarim, embora pareçam pontos opostos na altura de se comunicar, por estes dias em Lisboa quebraram barreiras e mostraram que a poesia é uma língua universal.

 

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Os rostos do III Encontro de Poetas Chineses e Lusófonos

Fernando Pinto do Amaral

O coordenador português deste encontro nasceu em Lisboa em 1960. É licenciado em Línguas e Literaturas Modernas e concluiu o Mestrado em Literatura Portuguesa. Desde 2009 que exerce as funções de comissário do Plano Nacional de Leitura. Tem vários livros publicados, entre os quais quatro de poesia.

 

Yao Feng

Yao Feng, o pseudónimo de Yao Jingming, é o coordenador chinês deste evento. Nascido em Pequim em 1958, o professor associado da Universidade de Macau dedica-se à tradução literária, escreve poemas e crónicas e já publicou, em chinês e em português, oito obras de poesia.

 

Huang Lihai

Este poeta chinês nasceu em Xuwen e vive agora em Cantão. Os seus poemas estão espalhados por mais de uma centena de antologias poéticas, tendo também já publicado vários livros em nome próprio. Vencedor de diversos prémios tanto nacionais como internacionais.

 

Wang Jiaxin

Poeta, ensaísta, crítico e tradutor nasceu na Província de Hubei em 1957. Estudou Literatura Chinesa, trabalhou como editor no jornal Poetry e desde 2006 é professor de Escrita Criativa na Universidade Renmin, na China. Já escreveu 16 livros de poesia e é considerado um dos mais importantes poetas da China contemporânea. Recebeu já vários prémios literários.

 

José Luiz Tavares

Nasceu no dia de Portugal em 1967, na Ilha de Santiago, Cabo Verde. Estudou Literatura e Filosofia. Tem seis livros publicados e conta já com vários prémios no currículo. Os seus trabalhos estão traduzidos para várias línguas como russo, italiano e espanhol.

 

António Graça de Abreu

É um escritor e historiador português, nascido em 1947. É licenciado em Filologia Germânica e mestre em História dos Descobrimentos e Expansão Portuguesa. Em Pequim foi professor de Língua e Cultura Portuguesa, assim como tradutor das Edições de Pequim. A presença portuguesa na China e em Macau, tal como a cultura chinesa têm sido o mote para a sua actividade de investigador. Traduziu vários livros e é autor de seis obras de poesia.

 

Inês Fonseca Santos

Nascida em Lisboa em 1979, esta jornalista e escritora é licenciada em Direito e mestre em Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea. Trabalha em televisão, já escreveu para revistas, tem textos seus publicados em várias antologias e diversos livros publicados, não só de poesia, mas também ensaios.

 

Ling Gu

Em chinês é Ling Gu, no resto do mundo é Terence Hun. Nasceu em na Província de Guangdong em 1976 e foi viver para Macau 12 anos depois. É fundador do Único Grupo de Poesia em Macau e um dos seus trabalhos foi considerado, em 2003, como um dos melhores poemas chineses. Já publicou dois livros, ganhou prémios e é o curador de Poetic Photography Exhibition for the Pen of Macao, o mais influente grupo de escritores em Macau.

 

Filipa Leal

Formada em Jornalismo na Universidade de Westminster, em Londres, e mestre em Literatura, Filipa nasceu no Porto em 1979. Estreou-se a escrever um livro de poesia em 2004 e desde aí nunca mais parou, tendo já publicado cinco. Já escreveu peças de teatro e guiões para o cinema. Trabalha também para a televisão portuguesa, onde integra a equipa do programa semanal Literatura Agora.

 

Yan Li

Poeta, pintor e escritor de ficção, é assim que Yan Li, nascido em 1954, em Pequim, é conhecido. É membro de um grupo de artistas conhecido como The Stars, já participou em várias exposições e escreveu diversos livros. Os seus poemas estão traduzidos para línguas tão distintas como coreano, sueco ou italiano. Viveu vários anos nos Estados Unidos e fundou o jornal Yi-Hang que dá a conhecer o trabalho dos poetas chineses contemporâneos, tal como apresenta traduções de poemas americanos.

 

Susanna Un

Un Sio San, ou Susanna Un, é uma poetisa e escritora nascida em Macau. Já ganhou vários prémios de literatura e é constantemente convidada para participar em diversos festivais literários nos Estados Unidos, na Malásia, China, Taiwan e Hong Kong. É colunista em vários jornais e já publicou também diversos livros.

 

Goldman Lam Kong-Chuen

Arquitecto, escritor e poeta foi o inventor da palavra poetrachitism, um novo conceito que mistura poesia com arquitectura. Publicou diversos livros de diversos estilos literários, entre os quais poesia e prosa. Durante este encontro, inaugurou a exposição de desenhos O Pára-quedista do Sonho onde demonstra a sua paixão por Fernando Pessoa, entre outros poetas portugueses.

 

Olinda Beja

Professora, escritora, contadora de histórias e dinamizadora culrural, Olinda Beja nasceu em São Tomé e Príncipe, mas estudou em Portugal. Publicou várias obras entre contos, poemas e romances. Percorre o mundo para dar a conhecer o país onde nasceu bem como a grandiosidade do mundo lusófono.