Ícones | Biombo / pingfeng (屏風)

No seu romance histórico City of Broken Promises, Austin Coates convida o leitor a espreitar pelas frinchas do biombo para conhecer os segredos da intrincada sociedade da Macau dos séculos XVIII e XIX. O escritor britânico não utiliza em vão esta peça do imaginário oriental. Afinal, nessa altura já o Ocidente se tinha apaixonado pelo biombo. Foi um namoro que Macau ajudou a concretizar. Mas essa história começa no Japão…

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Texto Patrícia Lemos

 

Os primeiros biombos de que há notícia na Europa e na América eram japoneses e tinham sido levados pela mão dos portugueses através do comércio entre Macau e Nagasaki, entre a segunda metade do século XVI e a primeira metade do século XVII. Curiosamente, foi nessas peças que os japoneses pintaram cenas alusivas ao intercâmbio com os portugueses que chegavam a Nagasaki para comerciar. Ficaram conhecidas como biombos Namban e podem ser apreciadas em alguns museus da capital portuguesa. A palavra japonesa deriva de Namban-jin, ou bárbaros do Sul, que designava tanto portugueses como espanhóis. Não é de estranhar por isso que biombo tenha na sua raiz o equivalente nipónico byōbu.

Apesar de terem mais qualidade e funcionalidade, os biombos japoneses perderiam terreno para os chineses que começaram a produzir peças mais resistentes, baratas e diversificadas, acabando por dominar o mercado no final do século XVIII. Nessa altura, Cantão torna-se mesmo o seu grande porto de exportação para a Europa e América, continentes que também viriam a produzir biombos à luz dos seus gostos e tradições.

No Velho Continente o mais apreciado era sem dúvida o biombo Coromandel. Esta peça chinesa deixou os europeus do século XVII de queixo caído, sobretudo os franceses. Criados no final da Dinastia Ming (1368-1644), estes separadores eram os favoritos das classes mais abastadas por serem sofisticados e terem múltiplas funções. O seu visual requintado resultava da aplicação de uma laca escura que depois era escavada e decorada, muitas vezes, com folha de ouro e motivos variados como pássaros, flores, árvores, pavilhões e figuras humanas, naquela que era uma composição pictórica de elementos chineses.

Os biombos Coromandel inspiraram mais tarde os designers do movimento Art Déco, que convidaram para o seu estilo inovador a versatilidade, o exotismo e o requinte desta peça de mobiliário oriental que, por contraponto, é bem antiga. Coco Chanel era uma das suas mais acérrimas fãs.

 

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De assinatura chinesa

A memória mais antiga do biombo data da Dinastia Han (202 a.C – 220 d.C), altura em que salta dos palácios, onde era símbolo de poder, para animar as casas das famílias abastadas, logo se afirmando como uma peça essencial do mobiliário chinês.

Criado para decorar as salas, este móvel também serve para dividir espaços amplos, dar privacidade ou tão simplesmente para proteger das aragens. E, segundo o feng shui (風水), tem a qualidade de não deixar escapar a sorte das casas que ornamenta. Talvez por ter tanta utilidade e por a China ser tão venerada no Oriente no século VIII não tardou a cruzar a fronteira em direcção à Coreia e ao Japão, onde conheceu grande popularidade.

Como no Japão, na China Antiga os biombos também tinham uma função documental, exibindo imagens de homens ou mulheres que se tinham destacado na sociedade, dizeres importantes ou cenas do palácio imperial. Os poetas da Dinastia Tang (618–907) faziam magníficas descrições destas peças nobres do mobiliário chinês. Os pintores e os calígrafos depositavam nas faces do biombo as marcas da sua inspiração, respectivamente no huaping (畫屏) e no shuping (書屏). Muitos não pintavam directamente na madeira, antes preferindo o papel ou seda que depois eram aplicados nos painéis. Essa montagem exigia uma técnica que já era refinada nesse tempo.

Os separadores deste período eram normalmente mais baixos, sendo colocados sob plataformas e camas ou nas salas, já que nessa época as pessoas sentavam-se no chão. Só mais tarde, quando os chineses optaram por um nível mais elevado, é que os biombos ganharam altura.

As paisagens pintadas que fluíam de um painel para o outro, atingiram o seu auge artístico durante a Dinastia Song (960–1279), graças à multiplicação das faces do separador que enchiam de esplendor as salas dos palácios e os templos budistas. Muitas dessas paisagens aludiam às quatro estações e eram exibidas conforme a época. Mas nem sempre em consonância. Havia quem preferisse “refrescar-se” com uma imagem de Inverno nos dias quentes de Verão.

Durante as dinastias Ming e Qing (1636–1912) muitos biombos deixaram de ostentar o talento dos pintores, ganhando as madeiras dos painéis maior protagonismo. O pau-preto e o pau-rosa eram alguns dos materiais favoritos. Estava na moda a simetria dos entalhes, das esculturas e da ornamentação dos rebordos dos painéis com elementos que simbolizam sorte, longevidade ou riqueza. Depois dessa tendência, muitas outras abraçaram o biombo que se foi desdobrando para as acolher. Apesar de menos essencial do que a mesa ou a cadeira, o certo é que vingou até aos nossos dias sem perder modernidade e a capacidade de agradar a gregos e a troianos.

 

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Laca e leque

Kimono camélia

Perfeição esmero

E o sabor de tempero

Trecho do poema Os Biombos Namban,

de Sophia de Mello Breyner

 

 

ping (屏 separador; bloqueio) e feng (風 aragem, vento)