À procura de uma comunidade

O realizador português Carlos Fraga tem em marcha um documentário sobre os portugueses em Macau e procura, através de várias entrevistas a residentes, captar o sentido de comunidade que aqui se vive. Autor de um trabalho similar que retratou a vida dos macaenses radicados em Lisboa, desta vez são os portugueses que vieram para tão longe os protagonistas

 

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Texto Sandra Lobo Pimentel | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

 

O documentário de Carlos Fraga Portugueses em Macau ainda está a aquecer os motores, mas numa primeira visita à RAEM para começar a captar imagens, o realizador falou com a MACAU sobre o projecto. A história deste trabalho começa com outros dois. Primeiro, Nós os chineses, documentário filmado em Portugal com ajuda de uma antropóloga sobre residentes de etnia chinesa que se mudaram para tão longe. Carlos Fraga conta que, nessa altura, quando foi feita a projecção numa universidade, muitos académicos lançaram o desafio acerca dos macaenses radicados também em Portugal. O trabalho foi filmado na capital portuguesa, mas a equipa esteve em Macau para fazer filmagens, altura em que surgiu a ideia de fazer o outro lado da história: como vivem os portugueses em Macau.

Carlos Fraga é natural de Lisboa e começou a sua carreira na área da publicidade. Foi de um departamento de audiovisual nesse sector que acabou por descobrir o gosto pela realização. Passou para o cinema, trabalhou com várias produtoras até fundar a sua própria, a Livre Meio, há nove anos.

Lançado a mais um desafio, o realizador começou a pensar como partir para esse retrato, dividindo os entrevistados em três grupos: os que estavam em Macau antes de 1999, os que só chegaram após essa data e os que regressaram antes da transferência e depois voltaram a Macau. Sabe que os entrevistados “têm motivações e objectivos diferentes”, mas espera que, também por essa diversidade, consiga captar o que sentem os portugueses que cá vivem.

O realizador diz que prefere não criar expectativas sobre o tipo de informação que vai recolher e a escolha das pessoas ainda não é definitiva, “mas foi condição que não fossem pessoas que representassem uma opinião institucional, que fossem pessoas normais, do dia-a-dia”.

Quanto aos apoios no território chegam da Fundação Oriente e da Casa de Portugal, “mais em termos logísticos”, explica o realizador, como por exemplo, em termos de materiais e restante equipa de filmagem que necessita sem ter que deslocar meios e pessoas. “Mas também, numa espécie de assessoria, de chegar às pessoas que queremos.”

A equipa esteve em Macau no decorrer da Festa da Lusofonia, em Outubro. “O objectivo era filmar a festa, o ambiente. Foi fácil eleger o que me interessava. Mas a preparação real começa agora, já que regressamos em Janeiro para fazer as entrevistas”, explicou.

Carlos Fraga gostou da equipa com que trabalhou em Macau, diz que estão “em sintonia” e, pelo material que já levou de volta a Portugal, neste primeiro passo do documentário, diz-se “bastante satisfeito”.

 

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Experiências diferentes

O realizador pensou em entrevistar 18 pessoas, mas reconhece que “a tendência é aumentar” esse leque, ainda que seja preciso limitar para começar a desenhar o mapa de filmagens para Janeiro. “Mais do que as tais 18 começa a ser complicado. O documentário terá 50 minutos que é, digamos, o formato televisivo, e o que não gosto e não faço nunca é entrevistar pessoas que se disponibilizam e depois não tenho possibilidade de as incluir no trabalho.”

Desta experiência inicial em Macau, Carlos Fraga já registou primeiras impressões, em especial, do que seja a Festa da Lusofonia e do que representa para os portugueses em Macau. Considera que “cumpre uma função” para as comunidades, “tendo em conta que estamos fora de Portugal, trazer Portugal com essa fórmula, parece interessante”.

O realizador quer mostrar as pessoas que vão fazer parte do documentário em actividades quotidianas, e também a festa das Casas Museu da Taipa conseguiu captar como as pessoas se relacionam com a restante comunidade. “Um dos entrevistados disse-me logo que não ia à festa porque não era dessas coisas”, conta. “Também tem piada, temos que respeitar. Mas é um dado a ter em conta. A maioria manifestou-se pró-festa, digamos assim.”

O documentário sobre a comunidade macaense foi transmitido pelo Canal Macau da TDM no mês de Outubro, e a expectativa do realizador é que o próximo trabalho também possa vir a ter as mesmas honras, mas as negociações ainda estão a decorrer. Já em Portugal, ainda não foi emitido e o realizador diz que vai encetar conversações para que, tanto esse, como o documentário sobre os portugueses deste lado do mundo, tenham espaço na televisão portuguesa. “Até agora, praticamente todos os documentários que fiz passaram na RTP”, assegura.

 

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Documentar à descoberta

Tendo em conta que trabalha sem qualquer tipo de narrativa nos seus trabalhos, Carlos Fraga depende inteiramente das estórias que os protagonistas dos seus documentários relatam para construir os trabalhos. Acaba por ser uma descoberta, também para o realizador, que não gosta de conduzir os documentários para um objectivo predefinido. “Não é intencional. Se é uma temática que já conheço um pouco, tenho sempre algumas ideias, mas em princípio é uma descoberta. A fórmula que uso para este tipo de temas é sem voz-off, não há comentários, nem adiciono nenhuma informação. A informação é toda fornecida pelas pessoas que entrevistamos.”

Ainda assim, reconhece que a única manipulação, se assim puder ser chamada, reside na escolha das perguntas e dos entrevistados, ficando à mercê do que os intervenientes vão dando. É, por isso, na expectativa do que os entrevistados terão para dizer, que Carlos Fraga se lança para o trabalho. E neste em particular, que acredita que seja “muito contemporâneo”, há temas que espera que sejam abordados, como o fenómeno de emigração que decorreu em Portugal nos últimos anos e que trouxe muitos novos portugueses a Macau. “Espero que me falem disso. No Macau de hoje, na realidade de hoje, penso que esse tema venha a ser abordado. Não sei o impacto que a emigração teve na comunidade”, confessa.

Sobre o grande objectivo do trabalho, perceber o sentido de comunidade que existe, ou não, faz o contraponto com o primeiro documentário. “Em relação aos macaenses em Lisboa, não fica muito claro se existe comunidade. Muitos deles, manifestam que estão integrados na comunidade portuguesa, e, de alguma maneira, com essa atitude, estão a anular esse sentido de comunidade macaense.”

O realizador denota também que se reúnem em torno da comida, “mas isso é um pretexto, por isso, há núcleos, pequenos grupos, alguns elementos transitam de uns para outros, ou seja, não são grupos completamente herméticos, mas no dia-a-dia não se identificam como comunidade. Vivem completamente integrados na sociedade portuguesa e fazem, até, questão disso.”

Ainda em fase embrionária, a preparação deste novo documentário já permitiu ao realizador captar algumas impressões, mas prefere ser cauteloso. “Não quero correr o risco de criar preconceitos, porque não os tenho. O que sinto é que, faltando contactar com alguns grupos sociais, alguns estratos, falta-me informação, mas parecem-me unidos. Acho que se pode falar que exista aqui uma comunidade portuguesa.”

Para as entrevistas que se avizinham, Carlos Fraga confessa que uma das muitas curiosidades que quer ver esclarecida é se os portugueses que aqui vivem, há mais ou menos anos, pensam voltar para Portugal ou pretendem ficar por aqui.

As filmagens terminam no final de Fevereiro, e, em Abril, o documentário estará pronto, diz o realizador.