Ícones | Ta pin lou, o fondue chinês

Quando o frio aperta é tempo de tirar a panela do fondue chinês do armário. Os macaenses celebram com jantaradas a chegada da época natalícia e os chineses marcam encontros à volta da mesa para aquecer o corpo ressentido dos dias de Inverno com carnes e mariscos suculentos. É a época do ta pin lou

 

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Texto Patrícia Lemos

 

Cada qual leva a sua comida à fervura e os alimentos cozem em três tempos na panela, o vó ou guō (锅), como também lhe chamam os chineses. Os ingredientes são tão saudáveis quanto reconfortantes. Vegetais, carnes e marisco são servidos em travessas decoradas na companhia de saborosos molhos e guarnições para tornar ainda mais apetecível a iguaria. No final até há quem adicione fitas e os mais gulosos não se levantam sem tragar o caldo.
Está para os chineses como a churrascada para os portugueses ou o barbecue para os australianos. O ta pin lou ou fo-vó, como é conhecido o fondue em Macau, é tão decorativo como funcional. Este prato é o que de mais conciliador existe em gastronomia, sendo capaz de juntar à mesma mesa pessoas de diferentes palatos, por isso é ideal para ocasiões festivas. Nem os fãs de picante se privam do seu sabor de eleição, nem os vegetarianos passam fome. É que há panelas bi-compartimentadas como as do conhecido hotpot Yuanyang, descendente do vó do imperador Cao Pi do Reino Wei, do Período dos Três Reinos (220 – 280 d.C.), que primeiro exigiu tal divisão.
Apesar de forrar o estômago há mais de mil anos, o ta pin lou ainda goza de grande popularidade na China e na Ásia. Porém, está longe de ser o que era. Não são só as novas receitas que tomaram conta da ementa dos restaurantes – até há hotpot seco e gelado. As panelas em formato de bóia já não são aquecidas a carvão como antes. O alumínio do vó substituiu o metal, o barro ou o popular bronze. Ainda há quem faça questão na presença da original panela de cobre com tampa e chaminé ao centro, que se diz prima do samovar, mas há muito tempo que deu lugar à comum tampa de vidro. Verdade seja dita: assim ninguém perde o rasto à sua pescaria.
O ta pin lou não terá sido inventado mas recriado pelos chineses que o terão herdado do original shuanyangrou da Mongólia. Cada região da China deu o seu gosto especial adicionando ingredientes ou condimentos locais. Como é comum nas zonas costeiras sínicas, em Macau o ta pin lou favorito leva marisco, o que é típico da gastronomia cantonesa. Os apreciadores encontram-no por toda a RAEM, mas especial é comê-lo nas ruas do antigo Grande Bazar. Se a versão sulista deste prato é mais doce e suave ao paladar, o mesmo não se poderá dizer da do Norte, onde reina o fondue de Chongqing (má lá 麻辣), na Província de Sichuan. É tão popular que há pouco mais de um ano ali foi inaugurado o primeiro museu do mundo em seu nome.
Criado pelos pescadores pobres do maior rio asiático, o Yangtze, a quem alguns autores arriscam atribuir a autoria do fondue chinês, o má lá caracteriza-se pelo sabor intenso do seu caldo picante. Nessa panela podem ferver até as tripas de ganso. O ta pin lou de Hubei também inclui pimenta de Sichuan e, mais a sul, o de Yunnan distingue-se pelos suculentos cogumelos, que também entram nos hotpots de Pequim, onde se destacam os camarões secos. Na capital imperava o vó de cobre vermelho, que tem alimentado os protagonistas de alguns importantes momentos da história da China. Foi popular nas casas de jantar da família real e até juntou o antigo presidente chinês Deng Xiaoping e o secretário de Estado dos Estados Unidos Henry Kissinger à mesma mesa.

 

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Ingredientes principais
Tofu, espinafres, couve chinesa, cenoura, alface, abóbora, agrião, inhame, mexilhões, vieiras, camarões, lagosta, lula, carne de vaca e carneiro.

Molhos
Soja, sésamo, hoisin (molho agridoce), manteiga de sésamo, vinagre, óleo picante, vinagre de vinho de arroz, mostarda picante, molho de camarão. Versão cantonesa: ovo cru e molho de soja

Guarnições
Pickles, coentros, cebolinho, salsa, alho, gengibre, malaguetas chalota.

Caldo
Picante ou não, com caldo de carne e/ou ervas. Versão cantonesa: com vinho de arroz e raiz de gengibre ou com mingau de arroz

Memória gastronómica
• Reza a lenda que durante a guerra, quando Kublai Khan, líder mongol fundador da dinastia Yuan (1271-1368) na China, esperava pela confecção de uma sopa de carneiro foi avisado da proximidade do inimigo. O cozinheiro só teve tempo de fatiar finamente a carne que lançou de imediato na água a ferver. Kublai devorou a carne e cavalgou para o campo de batalha, onde se saiu vitorioso.
• O ta pin lou terá conquistado os chineses durante a dinastia Tang (618-907 D.C.). Foi introduzido pelos mongóis na China na dinastia Yuan. O ingrediente principal era a carne de carneiro de pequenas ovelhas criadas na Mongólia Interior.
• Durante a dinastia Qing (1644-1912) o fondue já era popular em toda a China.
• No início do século XVIII, durante o reinado de Kangxi e Qianlong, o fondue entrava na ementa da cozinha real. Estes dois imperadores até organizaram um jantar para milhares de octogenários. Foi um grande banquete cheio de fondue chinês para celebrar a longevidade do seu reinado no Palácio da Cidade Proibida.
• Em 1854 abriu o Zhengyang, em Pequim, o primeiro restaurante Han a servir o ta pin lou. Ganhou fama pelas fatias de carne de carneiro, que eram finas como seda.
• O líder do Kuomintang, Chiang Kai-shek, convidou Mao Zedong para comer um hotpot picante durante a sua visita histórica a Chongqing, em 1945.
• O conhecido restaurante de Pequim Donglaishun abriu no início do século XX mas só ganhou fama no final dos anos 1970 por causa dum jantar de ta pin lou dois líderes mundiais: Deng Xiaoping e Henry Kissinger. Um dos pratos favoritos do pai da China moderna era o fondue Yuanyang (鴛鴦鍋).

 

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Ta 打 (bater)
Pin 邊 (lado)
Lou 爐 (panela)