Dicionário Cronológico da Imprensa Periódica de Macau do Século XIX

Daniel Pires
Instituto Cultural de Macau, 2016


A obra que analisa jornais locais em língua portuguesa e inglesa publicados entre 1822 e 1900.

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O investigador português Daniel Pires esteve em Macau para o lançamento do Dicionário Cronológico da Imprensa Periódica de Macau do Século XIX. A obra, que analisa jornais locais em língua portuguesa e inglesa publicados entre 1822 e 1900, revela uma imprensa “riquíssima”, mas com curta esperança média de vida. O trabalho dos jornalistas, frequentemente expostos a agressões e ameaças, entrava frequentemente em colisão com os interesses governativos

 

Texto Catarina Domingues | Foto Gonçalo Lobo Pinheiro

 

Tudo começou na década de 1990, quando o investigador português Daniel Pires lançou em Lisboa o Dicionário de Imprensa Periódica Portuguesa. “Este bichinho ficou aqui no sangue”, conta Daniel Pires, que, quando chegou à cidade, onde trabalhou três anos como leitor de português, começou uma investigação que o viria a acompanhar ao longo de 15 anos – a análise da imprensa “riquíssima” em língua portuguesa e inglesa do século XIX na região. O estudo resultou no livro Dicionário Cronológico da Imprensa Periódica de Macau do Século XIX (1822-1900), lançado este ano na RAEM.

Sendo Macau um importante entreposto comercial, os jornais publicados ao longo desse século, na maioria semanários em língua portuguesa, faziam chegar aos habitantes informações sobre o comércio da época, como o preço da seda, do sândalo, da porcelana ou mesmo o valor da moeda. Também a relação entre portugueses e chineses, a primeira Guerra do Ópio e o tráfico de cules foram temas que ganharam espaço nas páginas dos jornais.

Mas, durante esse período, as publicações tinham uma esperança média de vida baixa. Vários jornais em língua portuguesa, lançados ao longo do século em Macau, nasceram e morreram no mesmo ano: O Correio, O Invariável e O Jornal Único são apenas alguns exemplos. Acontecimentos como a segunda Guerra do Ópio (1856-1860) ou mesmo o assassinato do Governador Ferreira do Amaral (1849) não ficaram registados na imprensa de Macau. Ao longo desse século houve vários períodos da história em branco no jornalismo local. “Dependia do Governador”, nota o investigador à MACAU.

“Jornais dirigidos por pessoas mais progressistas e com sentido cívico entravam em colisão com o poder, e o poder, muito simplesmente, bania-os”, vinca o autor que, com este trabalho, quis perceber por que razão “os jornais apareciam e desapareciam abruptamente”.

Para dar forma ao projecto, Daniel Pires visitou o Arquivo Histórico Ultramarino, em Lisboa, onde teve acesso aos processos judiciais que ditaram o fim de muitos destes periódicos. “Na maior parte das vezes [as acusações] nem eram pertinentes, não havia ali nenhum abuso de liberdade de imprensa.”

Os jornais, marcadamente políticos, dividiam-se muitas vezes entre o apoio ao Governo e à oposição, apesar da forte censura que sofriam na época. Até aos finais da década de 1830, refere o especialista, a imprensa reflectia “a luta pelo poder e repartição da riqueza entre o Leal Senado – que representava uma burguesia liberal e empreendedora – e o governador e o ouvidor”.

O Independente foi um exemplo “flagrante” no que diz respeito à censura, conta Daniel Pires. José da Silva, advogado fundador do jornal “foi espancado e preso sem culpa formada”. Logo um ano depois de abrir, o jornal foi encerrado pelo governo de António Sérgio de Sousa. José da Silva acabou por mudar-se para Hong Kong, onde retomou a publicação e, quando António Sérgio de Sousa foi substituído pelo governador Januário Correia de Almeida, o jornal voltou a ter sede em Macau.

Outros casos semelhantes são abordados nesta obra. A chantagem, a agressão e o degredo ameaçavam a liberdade de imprensa, nota Daniel Pires: “Quantos jornalistas receberam recados em casa: ‘cuidado, se continuas a escrever isto, o teu filho já não tem trabalho’”.

O investigador português realça ainda a importância da análise feita à imprensa inglesa publicada alternadamente em Macau e Cantão. “Não estavam descritos até ao momento e foi um grande desafio.”

 

 

DICIONÁRIO

DICIONÁRIO CRONOLÓGICO DA IMPRENSA PERIÓDICA DE MACAU DO SÉCULO XIX (1822-1900)

DANIEL PIRES

INSTITUTO CULTURAL DE MACAU, 2016