Ícones | Massa chinesa (麵條/Min Tiu)

Se vive em Macau e nunca matou a fome com um prato de min numa loja de sopa de fitas, deve repensar a sua vivência da terra. Podem não ter a categoria de restaurante, mas a tradição destas lojas ainda é o que era, e se não for pelo fabrico artesanal das massas que seja pela sua popularidade.

Massas chinesas

 

Texto Patrícia Lemos

 

As massas chinesas são tão apreciadas que há muito entraram na gastronomia macaense – como na natalícia Sopa de Lacassá. Conquistaram até designação local – loja de sopa de fitas, numa clara referência às tiras de massa fresca Hor Fun (沙河粉) de Cantão. E são em cada vez maior número na cidade: em 2014, estavam registadas 815 lojas de sopa de fitas e casas de chá em Macau.

Mas a massa nem sempre teve esse recorte longo. Foi só na Dinastia Tang (618-907) que começou a ter saída na forma de fios e fitas. Até então era cortada em pedaços que eram depois lançados num wok com água a ferver. Daí emergia o pão de sopa, ou tong beng (湯餅), muito apreciado nos dias frios de Inverno no palácio imperial. A partir de Julho, a massa era outra. De nome leng tou (冷陶), esta era servida fria, mantendo-se fresca por mais tempo do que os outros alimentos cozinhados.

Na Dinastia Song (960-1279) os fios de massa foram baptizados de min (麵) e já tinham saído das cortes para a rua. Eram o pão nosso de cada dia em cidade antigas como Xi’an, onde havia lojas de sopa de fitas a formigar a noite inteira. O aumento das migrações e do comércio inscreveu-os nas ementas das outras gastronomias asiáticas.

Para além de ser nutritiva e fácil de preparar, a massa ganharia mais atributos logo a partir da Dinastia Tang, como o da durabilidade, com a aplicação de um processo de secagem que a levaria ainda mais longe. Na Dinastia Qing (1644-1912) o min já era consumido em toda a China, coleccionando sabores regionais. Nos anos 1840 mergulhava num caldo picante com molho de soja em Sichuan, servido com alguns pickles, ficando conhecido como dan dan min (擔擔麵), porque era de pau de bambu (dan/ 擔) ao ombro que eram vendidos nas ruas. Mas já antes disso a massa era preparada com técnicas tão eficazes que perdurariam até aos nossos dias.

Ainda na Dinastia Ming (1368-1644) eram cozinhados os primeiros fios dos populares lamian (拉麵), de Lanzhou, conhecidos por serem esticados à mão. Uma técnica ancestral que hoje encanta turistas, mesmo em alguns restaurantes requintados de Macau, onde a tradição até era outra. Por cá, amassava-se a massa com um largo pau de bambu, sobre o qual um homem se baloiçava vezes sem conta, pressionando a massa até esta obter a consistência desejada. Ainda existem algumas casas que seguem essa velha fórmula do zuk seng min (竹昇麵), como é o caso do Estabelecimento de Comidas Lok Kei, na Travessa da Saudade.

 

Massas chinesas

 

O império dos noodles

Podem ser finas como cabelos ou grossas como os pauzinhos, cortadas em suculentas fitas, pedaços e folhas. As massas chinesas são fáceis de comprar e cozinhar, em todas as suas versões. Mergulhadas numa sopa ou salteadas num wok, apresentadas com molho e outros acompanhamentos, como wantons, vegetais, carne, etc. A maioria demora menos de cinco minutos até ficar al dente. Tudo depende do tipo de massa que cai na panela: de farinha de trigo (min), arroz (fun/ 粉) ou à base de amido (dim fun/ 澱粉).

O min é o mais popular na China, embora a massa de arroz tenha muitos adeptos no sul do país, onde os ovos e a farinha são ingredientes favoritos. No norte prima a farinha de trigo com bicarbonato de sódio que amarelece a massa, tornando-a mais suave e maleável que a do sul. Para os nortenhos o min tem de encher a barriga, por isso é bom que seja farto. Nada se desperdiça, nem mesmo o caldo da massa, que pode servir para lavar a loiça. Espantado? Fique sabendo que o bicarbonato de sódio entra na composição de muitos detergentes ecológicos.

Não deve existir alimento mais multicultural do que o min, internacionalmente conhecido como noodles, uma palavra de origem alemã (nudel) que entrou na língua inglesa no final do século XVIII. São populares na sua versão japonesa ramen, que anda nas modas hipsters ocidentais, ou como chau min, a massa frita afamada pela diáspora chinesa. E apesar de serem indispensáveis nos banquetes asiáticos mais luxuosos, são também a fastfood chinesa por excelência, sobretudo desde que os japoneses inventaram os noodles instantâneos em 1958.

Mas ainda há quem duvide da nacionalidade dos saborosos fios de massa. Chineses, italianos e árabes, todos disputam a autoria da velha iguaria. Porém, os chineses levam vantagem na história desde que há cerca de dez anos uma malga de barro com alguns fios de massa foi desenterrada no sítio arqueológico de Lajia, junto ao Rio Amarelo, no norte da China. Contava 4000 anos e é, até à data, o vestígio mais antigo de min. Quando a descrições, o mais velho registo consta dum livro da Dinastia Han Oriental (25-220), com quase 2000 anos.

É verdade que ninguém sabe muito bem como é que a massa chinesa chegou à Europa, mas teorias não faltam. Há quem acredite que viajou pela Rota da Seda, outros juram que foram os árabes que a levaram para Itália. Já ninguém acredita na estória do Marco Polo, que teria supostamente trazido o min da sua expedição na China no século XIII. Afinal, já se escrevia sobre a massa em Itália antes de Polo ter sequer nascido.