O Mapa Esquivo

Fernanda Dias
Livros do Oriente, 2016


Fernanda Dias deambula por uma cidade em “mutação vertiginosa”, onde a natureza sobrevive nas palavras.

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Texto Catarina Domingues

 

O Mapa Esquivo é um livro de poemas sobre a memória. E é em Macau onde tudo se passa. “Esquivas são as fronteiras topográficas de uma cidade em mutação constante. Onde ontem havia um beco, amanhã há um arranha-céus. Intramuros e extramuros a cidade esquiva-se a fronteiras, limites, arrabaldes”, nota a poetisa Fernanda Dias à MACAU.

É possível pegar neste livro com 84 poemas e lê-lo como se de um único e longo poema se tratasse. A cidade em profunda transformação percorre as linhas d’O Mapa Esquivo. Fernanda Dias diz que são “anotações de deambulações – por vezes peregrinações, se atentarmos nos poemas que falam de lugares de recolhimento”.

Ao longo desta peregrinação de 115 páginas, a autora regressa a uma “cidade delapidada, em erosão, rasgada por obras constantes que lhe dão uma vibração infernal”, analisa Vera Borges, autora do prefácio da obra.

“Assim como estas ruas e praças/ da cidade tristíssima e soberba/ prenhe de memórias desprezadas/ a rebentar pelas costuras delidas/ como uma velha cabaia de renda/ no corpo da matrona nova-rica”, diz um dos poemas.

 

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Mas não é com agonia que escreve, nota a poetisa. É sim com nostalgia. Porque não é possível escrever sobre a passagem do tempo sem olhar para a erosão da cidade, as mudanças de ritmos, costumes e atmosferas, refere Fernanda Dias. “Ignorar ou negar a nostalgia do que se perde numa cidade em mutação vertiginosa seria vilipendiar a memória”, diz.

O Mapa Esquivo, dividido em quatro capítulos – Crónicas de um Diminuto Pedaço de Chão, Ofícios, Ao Canto da Lua Lesta e Caderno da Flora Urbana – é também um hino à sobrevivência e resistência da natureza nesta cidade de néones, de bate-estacas.

No prefácio, Vera Borges realça a “celebração da vida vegetal em vários espécimes, com o registo da degradação da cidade que com ela se confunde”. E exemplifica com estas linhas de Fernanda Dias: “Ainda resta um painel de selva/ com unhas e dentes agarrado/ à antiga muralha. Estertor de flora/agrilhoada sob a malha urbana/ três palmos de tenaz volúpia/sugando vertical pedra e o cimento”.

O Mapa Esquivo, lançado pela Livros do Oriente, foi apresentado em Junho na Feira do Livro de Lisboa. A obra conta com fotografias de Gonçalo Magalhães.

Fernanda Dias mudou-se para Macau em 1986, regressou a Portugal em 2005, dividindo-se actualmente entre os dois lados. Autora de poesia e ficção, é também co-autora de vários trabalhos de tradução. Encontra-se neste momento a fazer o mestrado em Comunicação, Cultura e Artes na Universidade do Algarve.

 

“Morre o nardo crepuscular e o crisântemo

sim, havia jardins, sim, havia palmares

as cidades já foram florestas densas

as ruas rios, os largos foram prados outrora

 

Na cidade antiga havia nesta praça

trinta e seis arequeiras sobre azáleas

hoje no beco perdura um perfume vago

nas cinzas frias do sândalo queimado”

 

 

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O Mapa Esquivo

Fernanda Dias

Livros do Oriente, 2016