Uma ponte entre Portugal e a China

Paramos à frente do número 227 da Avenida da Liberdade, em Lisboa, olhamos à volta e lá está o símbolo vermelho, debruado a branco, que assinala que estamos no sítio certo. É ele, desta vez estampado no vidro, que nos recebe, quando a porta se abre no 3.º andar, a sede da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa (CCILC).

 

 

 

Texto Ana Marques Gonçalves | Fotos Paulo Cordeiro, em Portugal

 

“A Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa é uma instituição com quase 40 anos. Foi talvez a primeira associação privada europeia a nascer com o objectivo de promover negócios com a China. Ela decorre daquilo que era o envolvimento de Portugal com a China, exclusivamente baseado em Macau, e nasce também como catalisador do restabelecimento das relações diplomáticas. Nasce um ano antes do restabelecimento de relações diplomáticas e foi uma forma também do sector privado pressionar a classe política a acelerar o processo de restabelecimento de relações diplomáticas.” O bilhete de identidade da associação está traçado. E quem o faz é Sérgio Martins Alves.

Secretário-geral da CCILC desde 2012, o antigo jornalista e assessor diplomático conta numa penada a evolução de uma entidade que, durante grande parte da sua existência, esteve focada naquilo que era a relação de Portugal com a China: Macau e a transferência de administração. Restabelecidas as relações entre os dois países, houve a necessidade de criar infraestruturas em Macau. “O grosso das empresas públicas portuguesas que estavam a operacionalizar ali fez com que esta Câmara tivesse na sua origem um corpo forte de associados. Refiro-me à TAP na Air Macau, à ANA no aeroporto de Macau, à EDP que ainda está na Companhia de Electricidade de Macau [CEM], à PT na companhia de telecomunicações de Macau [CTM], ao BNU com o banco emissor em Macau. E depois havia muita engenharia e consultadoria a ir. Há a matriz jurídica portuguesa, o que fez com que o universo de juristas e escritórios de advogados com representação em Macau tivessem também uma ligação forte a esta Câmara”, enumera.

 

 

Como tantas outras associações, a CCILC viu o seu caminho alterar-se com o estabelecimento da Região Administrativa Especial. “Nos últimos cinco anos, operou-se aqui uma transição muito interessante, porque finalmente o paradigma da relação com a China mudou. Macau é da China. Agora, grande parte das empresas que eu referi saiu de Macau e não simultaneamente, mas uns anos depois – mais de uma década depois – começámos finalmente a ter investimento directo da China na aquisição de capital público de empresas portuguesas, no caso da EDP, da REN, mais tarde da Fidelidade.”

A inversão do fluxo económico conduziu a uma mudança estratégica na associação: todas as empresas foram convidadas, não só a ser associadas, mas stakeholders e decisoras. “Alterámos os estatutos por forma a alargar os órgãos sociais para receber e para transformar a CCILC verdadeiramente numa plataforma bilateral representativa de empresas dos dois países”, explica-nos.

 

 

Mais plataforma de fomento, menos centro decisor

É a esta declaração que nos faz questionar Sérgio Martins Alves: a entidade se considera mais plataforma ou eixo central do fomento das relações entre Portugal e China? O secretário-geral não hesita ao responder que a CCILC é uma plataforma de fomento, como também não vacila na convicção de que, com um quadro legal diferente, poderia ser um verdadeiro centro de influência e decisão. “Em Portugal e nos países mediterrâneos em geral, as Câmaras de Comércio, sobretudo as bilaterais, não são centros de poder e influência como poderiam ser. Mas as Câmaras de Comércio são, no limite, aquilo que os seus associados querem e conseguem que elas sejam.”

Com mais de 5000 empresas a fazer negócio bilateral, a associação tem um posicionamento influente em muitos processos, é ouvida na sociedade civil e pelas partes interessadas desta relação económica.

 

 

O Estado tem sido o maior beneficiário da vaga de investimento chinês em Portugal. Para o antigo assessor diplomático, que assumiu funções num momento complicado da associação, há claramente um antes e um depois na CCILC (e, consequentemente, nas relações bilaterais), que se prende com o investimento da China Three Gorges na EDP, em 2012. “O que foi feito foi uma alteração de paradigma: olhar para a China inteiramente e não apenas para Macau ou através de Macau.” Apesar do investimento chinês ter sido “muito importante, muito bem-vindo”, numa altura em que as empresas estavam descapitalizadas, não conduziu a investimento produtivo.

Sérgio Martins Alves aponta o dedo à ausência de estratégia para captar mais investimento chinês. “A China está numa nova fase, já não é só uma economia manufactureira, não é a fábrica do mundo. A China é uma adquirente de know how e é uma economia que começa a desenvolver-se mais pelo consumo interno do que pela manufactura”, salienta. Por isso, o manancial de áreas a explorar em solo luso é quase inesgotável.

 

 

“Acredito que a área do turismo e da portuária e logística [são as que mais potencialidades oferecem]. Gostava muito que a China viesse para Portugal investir em infraestruturas portuárias e ferroviárias. Devíamos apostar em projectos concretos para apresentar aos nossos investidores estrangeiros”, aconselha. Para o secretário-geral da CCILC, Portugal apresenta três elementos únicos, capazes de captar a atenção dos investidores chineses: a competitividade – tem activos baratos face aos seus competidores europeus, que são também mais competitivos pelo posicionamento mais global e o capital de conhecimento e experiência em Angola e Moçambique –, a segurança de pertencer ao espaço comunitário e a possibilidade de obter um visto dourado.

Cabe, em grande medida, à associação que dirige informar os potenciais investidores oriundos da China para esta realidade, uma missão que Sérgio Martins Alves abraça com gosto, embora, muitas vezes, o seu esforço e o da Câmara esbarrem na excessiva burocracia. “Tentamos fazer o melhor que podemos. Muitas vezes vamos com as empresas reforçar esta mensagem às instituições. Mas não conseguimos fazer tudo. Achamos que, de facto, era importante que o país tivesse uma estratégia de captação de investimento directo estrangeiro, porque não tem”. Para já, além das intervenções públicas nesse sentido, a CCILC pretende desenvolver um grupo de trabalho com algumas empresas já em Portugal no sentido de convidar o governo a reflectir sobre a questão.

 

 

Uma bilateralidade quase unilateral

Tão ou mais importante do que facilitar o processo burocrático de investimento em Portugal será, a longo prazo, aproximar uma balança tendencialmente desequilibrada. “Neste momento, Portugal não tem capital para investir nem na China, nem quase em lado nenhum. Portugal está muito descapitalizado. Os apontamentos mais recentes que temos é o da Sodecia e o da Salvador Caetano, o que está a uma distância significativa do que tínhamos há uns anos”, admite.

O secretário-geral da CCILC acredita, no entanto, na nova vaga de empreendedorismo e de que daí possam advir empresas que possam ser um elemento determinante numa nova fase de internacionalização da economia portuguesa. Embora o investimento directo fique aquém do desejado, no comercial, “as empresas começaram a perceber que a China é um mercado inevitável e com um valor importantíssimo e todas estão a investir”.

 

 

“O nosso objectivo agora é conseguirmos ser tão eficientes na China para as empresas portuguesas como somos em Portugal para as empresas chinesas. Nesse sentido, era importante que as empresas portuguesas e os associados desta Câmara fizessem um esforço para nos ajudar a conseguir abrir uma delegação no Interior da China”, propõe.

Ideias não faltam a Sérgio Martins Alves, nem à CCILC, que sob a sua batuta passou a desenvolver um conjunto de serviços e ir buscar massa crítica aos seus associados. “Fazemos consultadoria jurídica, fiscal, traduções, organização de eventos, etc. Tudo isso com uma força maior do que tínhamos há uns anos, simplesmente porque temos mais associados – cerca de 300 empresas –, temos uma delegação em Macau já com quase 20 anos, somos uma instituição que foi também fundadora e é representante nas intuições comunitárias de natureza privada que se relacionam com a China: a European Union China Business Association [Associação Comercial União Europeia-China], a European Union Chamber of Commerce in China [Câmara do Comércio da União Europeia na China]. Isto é a nossa Câmara, uma plataforma de promoção e intermediação de negócio, sobretudo nas áreas de investimento e comercial, mas também de prestação de serviços aos seus associados com um denominador comum: mitigar os custos e melhorar o acesso a serviços”, conclui.

 

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Macau: protagonista ou actor secundário?

De acordo com Sérgio Martins Alves, Macau continua a ser um elemento bastante positivo na ponte entre Portugal e a República Popular da China. “Claro que as relações bilaterais têm agora muito mais vida para lá de Macau, mas Macau continua a ser essencial. Acreditamos perfeitamente que é uma porta mais confortável para a entrada de alguns produtos e serviços na China. É mais fácil, por exemplo, a um português jurista entrar por Macau ou um produto agroalimentar, porque simplesmente há um maior capital de experiência sobre o nosso país, quem somos e o que fazemos”, reconhece.

O secretário-geral Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa (CCILC) defende, no entanto, que Macau poderia desempenhar outras (e mais significativas) funções. “Deveríamos aproveitar mesmo aquilo que é uma grande mais-valia, que é Macau ter o capital de conhecimento sobre nós e sobre o que somos e também nosso sobre aquela região da China, que às vezes não aproveitamos bem. Temos de usar melhor as nossas redes na zona de Macau e Hong Kong. Nós notamos, muitas vezes, que as empresas têm melhorado e encurtado o seu processo de entrada na China porque sabem usar a plataforma Macau, sabem usar as suas redes de contactos ali.”

Independentemente da relevância que Macau sempre terá nas relações bilaterais, Sérgio Martins Alves deixa um conselho sobre o caminho a seguir: “Era interessante termos em Macau a nossa própria visão sobre o que queremos que Macau seja nessa nossa nova relação com a China”.

 

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Estreita colaboração com a AICEP

Falar de entidades que fomentem as relações comerciais entre a China e Portugal implica, necessariamente, mencionar a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP). “Temos uma colaboração muito próxima com a AICEP”, referiu, no decurso da entrevista, o secretário-geral da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa, Sérgio Martins Alves. A entidade pública de natureza empresarial tem como objectivo criar um ambiente de negócios competitivo que contribua para a globalização da economia portuguesa. Para além de uma representação na RAEM, a agência está presente também em Pequim e Xangai, actuando, sobretudo, em pontos como prospecção do mercado chinês, levantamento de oportunidades de negócio para empresas portuguesas, organização de actividades específicas de promoção de Portugal e a identificação de parceiros de negócio locais para empresas portuguesas.