No tempo do bambu: Identidade e ambivalência entre macaenses

Marisa Gaspar
Instituto do Oriente, ISCSP, Universidade de Lisboa, 2017


Hoje os macaenses afirmam-se portadores de uma "identidade própria" e "cultura mista", defende a antropóloga portuguesa Marisa Gaspar

 

Texto Catarina Domingues

 

Marisa Gaspar passou longas tardes à conversa com o escritor e advogado macaense Henrique de Senna Fernandes – lembra-se que “era um exímio contador de histórias” – estudou e contactou ao longo de vários anos com a comunidade macaense, com quem foi estabelecendo laços afectivos. Mas é preciso recuar mais de dez anos para entender a relação desta investigadora portuguesa com esta comunidade e com Macau. Terminado o curso de Antropologia, a então recém-licenciada foi fazer um estágio profissional para o Centro Científico e Cultural de Macau, em Lisboa. Da cidade que ficava a milhares de quilómetros do escritório onde trabalhava, pouco ou nada sabia. “A partir daí comecei a ficar fascinada com este universo”, diz à MACAU, revelando que foi esse o ponto que a levou a avançar para um projecto maior.

No tempo do bambu: Identidade e ambivalência entre macaenses, obra lançada este ano na Casa de Macau em Portugal, é uma adaptação para livro da tese de doutoramento que concluiu em 2013. No projecto, a autora explora a forma como as mudanças sociais, económicas e culturais em Macau no período pós-transição se reproduziram em termos de alterações identitárias na comunidade macaense. Para a investigação, Marisa Gaspar estabeleceu contacto com macaenses radicados em Portugal, macaenses da diáspora e associações da região.

A antropóloga fala de uma mudança de paradigma: se durante a administração portuguesa, os macaenses se assumiam como portugueses, hoje assumem-se “como um produto de várias misturas”. Neste estudo de caso, que reforça a ideia de que “não há uma identidade fixa com a qual se nasce e com a qual se morre”, a autora conclui: “O macaense afirma-se como alguém com uma identidade própria, uma cultura própria, que é deles, nem é portuguesa, nem é chinesa, é uma cultura mista”. Esta ambivalência é definida pela investigadora como “estratégica”, por permitir à comunidade “tirar proveito de poder estar nos dois universos ao mesmo tempo, tendendo mais para um ou outro quando é necessário”.

Foi esta flexibilidade e facilidade de adaptação da comunidade que levou a antropóloga a optar pelo termo “bambu” no título. “Acho que todas essas mudanças [que ocorreram em Macau depois de 1999] podem ser simbolizadas por esse bambu, que tem de vergar para se conseguir, no certo tempo, reerguer e voltar a estar pujante. E mesmo a própria flexibilidade que ele tem, anda de um lado para o outro, mas não quebra e acho que a comunidade macaense é muito assim: tem de ser muito flexível, tem de se adaptar, e adapta, muda, mas consegue sempre prevalecer”.

O livro, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia do Governo português, não vai ser comercializado, mas encontra-se disponível em várias bibliotecas nas universidades de Macau. A obra pode, além disso, ser descarregada gratuitamente no website do Instituto do Oriente do Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa.

 

 

No tempo do bambu: Identidade e ambivalência entre macaenses

Instituto do Oriente, ISCSP, Universidade de Lisboa, 2017

Marisa Gaspar