A Macau do futuro 

O Governo de Macau e o Alibaba, o maior grupo a nível mundial de comércio online, assinaram um acordo para uma parceria estratégica para que em cinco anos a RAEM passe a ser uma das primeiras cidades inteligentes do mundo. Depois de uma experiência bem-sucedida na cidade chinesa de Hangzhou, o grupo quer fazer ainda mais em Macau.

 

 

Texto Sin Iok I 

 

Num território de 30,5 quilómetros quadrados onde há mais de 250 mil veículos registados, a questão do trânsito está sempre no topo das preocupações. Até 2021, e segundo um acordo assinado entre o Executivo da RAEM e o gigante de tecnologia chinês Alibaba, o tráfego irá fluir melhor graças à aplicação de inteligência artificial, que vai controlar a sinalização luminosa e enviar recomendações de novos trajectos aos utilizadores das vias. A gestão inteligente do trânsito de Macau é uma das áreas de acção do Alibaba na região, no âmbito de um acordo-quadro com o Governo local que conta com um orçamento preliminar de 900 milhões de patacas – 500 milhões para infraestruturas da tecnologia – com vista à generalização de processos automáticos apoiados por inteligência artificial em vários campos da administração pública. 

O acordo com o grupo de Jack Ma foi assinado a 4 de agosto e prevê a instalação em Macau de servidores e de um sistema de computação em nuvem geridos pela subsidiária Alibaba Cloud, com aplicações na administração pública que serão implementadas ao longo dos próximos cinco anos. Para tal, vai ser adoptada a tecnologia e algoritmos desenvolvidos pelo grupo chinês. Nomeadamente, o sistema de computação Apsara, que incorpora inteligência artificial e aprendizagem automática, o programa ET, aplicado à automação de processos industriais, e tecnologias analíticas para gestão de grandes quantidades de dados. 

“Depois de definir o objetivo de transformar Macau numa cidade inteligente, o Executivo da RAEM estudou a experiência de outras cidades nesta área e colaborar com o Grupo Alibaba para promover o desenvolvimento da computação em nuvem e as grandes tecnologias de dados. Ao alavancar o poder dessas tecnologias e conectar recursos de diferentes departamentos governamentais, o projeto deverá melhorar o modelo de operação socioeconómica da região, agilizando a transformação da cidade para uma cidade inteligente”, explicou O Lam, chefe do Gabinete do Chefe do Executivo, aquando da assinatura do acordo.  

 

 

Tanto residentes como turistas irão tirar partido deste acordo de cooperação, já que o Grupo Alibaba promete utilizar a sua tecnologia de ponta e a sua experiência em “cidades inteligentes” para fazer com que o futuro chegue mais depressa ao presente. Depois de uma experiência bem-sucedida em Hangzhou (ver caixa) a empresa tem também trabalhado em várias cidades chinesas – Cantão, Suzhou e Guizhou são alguns exemplos – em áreas variadas, que vão desde inteligência artificial para gerir o tráfego urbano, até a simplificação de procedimentos alfandegários que venham a facilitar o comércio electrónico. 

Numa primeira fase, entre 2018 e 2019, está prevista a implementação de um centro de computação em nuvem, que irá permitir o desenvolvimento de aplicativos de inteligência artificial para controlar o trânsito, aumentar a eficiência do sistema de saúde, intensificar a interligação entre os vários departamentos da Administração Pública e ajudar na promoção de produtos e serviços turísticos. Numa segunda fase, que se desenrolará entre 2019 e 2021, a utilização da inteligência artificial passará a ser aplicada em assuntos ligados à protecção ambiental, aos procedimentos alfandegários e a previsões económicas.  

 

Inspiração internacional 

Para além das experiências da China, Macau também está a olhar para cidades europeias como fonte de inspiração. Segundo Lei Ka Hang, presidente da Associação para a Construção e a Conservação da Energia Verde na China (Macau), Barcelona é um bom exemplo a seguir, já que nos últimos anos tem liderado os rankings mundiais de ‘Smart Cities’. Uma equipa de investigadores locais está já a recolher dados qualitativos, que incluem entrevistas a vários sectores da sociedade de Barcelona, com vista a avançar para um estudo científico que possa servir de base para Macau. A associação liderada por Lei Ka Hang foi selecionada pelo Fundo para o Desenvolvimento das Ciências e da Tecnologia (FDCT) para desenvolver uma investigação a fundo que aponte estratégias e tácticas a serem seguidas na RAEM com base em vários modelos europeus.  

Na cidade espanhola são implementadas sobretudo práticas ligadas à sustentabilidade ambiental, como iluminação pública de auto-regulação, sensores de medição da qualidade do ar e ruído, estacionamento inteligente, aplicativos para descobrir eventos em tempo real, paragens de autocarros inteligentes e hotspots Wi-Fi públicos. Grande parte dos serviços e recursos da cidade revela-se agora facilmente administráveis através de aplicações inovadoras, novas tecnologias, dados abertos e conectividade sem fio.  

 

 

“Ainda estamos num estágio inicial da investigação, mas uma conclusão podemos retirar: todas as pessoas, não apenas o governo, não estão à espera de verem a cidade evoluir, transformar-se em cidade inteligente. Todos estão a trabalhar juntos e a aproveitar muitas oportunidades geradas por esse impulso. Essa pode já ser uma boa lição para Macau”, aponta o estudioso. 

Outra lição que chega de Barcelona é a maneira como os vários departamentos da Administração Pública devem trabalhar para a implementação de medidas inteligentes. Em vez de cada um criar as suas próprias estratégias, aponta Lei Ka Hang, é necessário que haja um fio condutor “para que diferentes departamentos não estejam a perder tempo a fazer o mesmo e para que possam integrar, com a ajuda de um grupo intersectorial, medidas realmente eficazes na prática”. 

Outro ponto importante a considerar, segundo o representante da Associação para a Construção e a Conservação da Energia Verde na China (Macau), é a promoção contínua dos benefícios para toda a população da implementação de estratégias inteligentes – “não se trata apenas de termos mais acessos gratuitos de Internet sem fios”, ressalta. “Se as pessoas conseguirem perceber o impacto positivo nas suas vidas, é mais fácil vermos nascer talentos nesta área. Temos de mostrar como toda a gente só tem a ganhar.” 

Alguns exemplos de como Macau está, pouco a pouco, a dar passos rumo ao perfil de “cidade inteligente”, incluem vários aplicativos móveis, como o da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT) que presta informações em tempo real sobre o trânsito, os autocarros e os auto-silos, ou o dos Serviços de Saúde, que monitora as filas de espera nas salas de urgências dos hospitais locais e dá informações sobre farmácias de plantão.  

 

 

 

Dados pessoais protegidos 

A Alibaba reforça as garantias já dadas pelo Governo local sobre a privacidade e segurança dos dados que serão geridos a partir dos servidores do grupo, e que serão propriedade da Administração da região. “A Alibaba obedece estritamente à regulamentação de Macau e é sempre a nossa prioridade garantir a segurança da ‘cloud’ aos nossos clientes”, afirma. 

O Governo emitiu um comunicado no qual reafirma que toda a tecnologia instalada e dados serão propriedade local, com a Alibaba a garantir o seu tratamento “sem, no entanto, ter acesso aos dados da RAEM”.  

A Alibaba Cloud, estabelecida em 2009, ou seja, dez anos depois da fundação do grupo, conta actualmente com mais de 2,3 milhões de clientes em todo o mundo. No último exercício fiscal, terminado em Março deste ano, as receitas da Alibaba Cloud mais do que duplicaram em termos anuais homólogos, alcançando 6,66 mil milhões de renminbi. 

 

 

 

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Áreas de actuação 

 

Computação em nuvem 

Desenvolvimento de uma plataforma dedicada à tecnologia inteligente, com o objectivo principal de promover sistemas de computação em nuvem 

 

Transporte inteligente 

Uso de tecnologia de ponte para optimizar a rede de transportes públicos e o tráfego urbano. Também estão previstas medidas que aumentem a eficácia da rede de abastecimento de água e do controlo aéreo 

 

Turismo inteligente 

Análise de dados objectivos de visitantes de forma a fornecer ao Governo de Macau informação para ser utilizada em campanhas de marketing. Para os turistas que entram em Macau, será possível terem acesso a visitas guiadas através de sistemas inteligentes, bem como o uso alargado do pagamento móvel, promoções online personalizadas e informação actualizada de pontos turísticos e promoções de restaurantes. 

 

Cuidados de saúde inteligentes 

Reforço do sistema médico electrónico e da assistência à tomada de decisões no domínio da saúde através do uso de informação médica online. 

 

Governação inteligente  

Desenvolvimento de uma plataforma centralizada baseada na nuvem que conecta diferentes departamentos governamentais para aumentar a eficiência da governação e reduzir barreiras burocráticas. 

 

Desenvolvimento de talentos 

Lançamento dos programas “Alibaba Cloud IT Certificate” e “B2B para comércio electrónico” em parceria com instituições do ensino superior de Macau, de forma a apoiar o desenvolvimento de profissionais em computação em nuvem e comércio electrónico, bem como para identificar e nutrir startups promissoras e empresários talentosos.  

 

 

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Hangzhoucaso de sucesso 

Desde 2016, Hangzhou, capital da província de Zhejiang e cidade onde está localizada a sede do Grupo Alibaba, tem sido considerada a cidade mais inteligente da China.  

Foi em 2015 que o primeiro-ministro Li Keqiang abordou pela primeira vez os temas da “Internet plus” e os planos de acção ligados ao “Big Data”. Desde então, várias cidades chinesas começaram a pôr em acção medidas que aumentassem a eficiência e a qualidade dos serviços públicos.  

O paradigma do “Internet plus” é simples: digitalizar a China. Em outras palavras, a ideia é integrar Internet móvel, computação em nuvem, “big data” e Internet das Coisas (IoT) com a indústria de manufactura actual, usando as tecnologias como motores para o crescimento do comércio electrónico, redes industriais, banca. Por parte do Governo Central, tem havido uma série de medidas de apoio para criar novos modelos industriais integrados com a Internet e incentivar o crescimento do empreendedorismo e inovação nas áreas de manufactura, energia, finanças, serviços públicos, logística, comércio electrónico, tráfego, biologia e inteligência artificial. 

Foi nesse contexto que Hangzhou agarrou a oportunidade e lidera hoje o ranking das cidades inteligentes chinesas. Foi desenvolvido um plano de acção intitulado “Cérebro da Cidade”, que usa inteligência artificial em áreas-chave da gestão pública. A mais famosa delas deu resultados muito práticos no tráfego urbano – através do simples controlo da sinalização foi possível em poucas semanas aumentar a velocidade do tráfego de veículos em mais de dez por cento.  

 

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Exemplos mundiais 

Assim como Barcelona, Viena tem sido reconhecida uma das cidades mais inteligentes do mundo. Ambas as cidades europeias estabelecem metas de cidades inteligentes ousadas e rastreiam constantemente o seu progresso para alcançá-las.” Mas não só cidades grandes estão a chamar a atenção do mundo para as suas práticas. Songdo, na Coreia do Sul, foi construída de raiz num aterro a 65 quilómetros de Seul e está projectada para ser uma cidade 100 por cento inteligente, com aplicações de tecnologia de ponta em todas as áreas. Há, por exemplo, um sistema pneumático central de eliminação de resíduos que acaba com a colecta de lixo. A certificação LEED é praticamente universal, 40 por cento do espaço é ocupado por árvores e plantas nativas e todos os procedimentos administrativos do governo local são feitos à distância de um clique.