Uma força de que (quase) não há memória 

A passagem do Hato por Macau, o tufão mais forte em mais de meio século, deixou um rasto de destruição que fez a RAEM repensar nas suas estratégias de como lidar com calamidades e desastres. Para impedir novas inundações, o Governo da RAEM vai avançar para a construção de comportas nas zonas ribeirinhas. Tudo para que o dia 23 de Agosto não se volte a repetir na história da cidade.

 

 

Uma força de que (quase) não há memória  

 

Quando amanheceu poucos imaginariam que 23 de Agosto de 2017 ficaria para a história de Macau. O tufão Hato foi o mais forte que a região, atingida habitualmente por cinco a seis tempestades tropicais por ano, viveu em 53 anos, apenas ultrapassado pelo Ruby (1964), cujos ventos atingiram 211 quilómetros por hora, um recorde que foi, com efeito, ‘batido’ numa das estações (a da Taipa Grande), onde a rajada máxima atingiu 217,4 quilómetros por hora, segundo um relatório publicado pelos Serviços Meteorológicos e Geofísicos (SMG). 

A mudança para o sinal 10 – o máximo da escala – só aconteceu pela última vez em 1999, nas vésperas do estabelecimento da Região Administrativa Especial. Depois do cancelamento de ligações aéreas e marítimas, as pontes foram fechadas ao trânsito e até as fronteiras terrestres encerradas temporariamente. O fornecimento de energia esteve interrompido devido a uma falha no cabo que faz a ligação Zhuhai-Macau, levando à activação dos geradores. O abastecimento de água também foi afectado devido a inundações na estação da Ilha Verde, o que levou o Governo a estabelecer pontos temporários de abastecimento (inicialmente cinco e depois oito) que o Governo estabeleceu, complementados pela distribuição itinerante de água assegurada por dois camiões-tanque. 

 

 

Voluntários e ajuda extra  

O Porto Interior, embora habituado a sofrer com as intempéries, foi particularmente fustigado – estima-se que a água tenha alcançado 5,5 metros de altura naquela zona ribeirinha. O pequeno comércio na zona dedicou dias à fio a limpezas, a correr contra o tempo, enquanto Macau se preparava para o impacto de um segundo tufão. O Pakhar, que chegou quatro dias depois, a 27 de Agosto, embora mais brando, trouxe intensas chuvas que encharcaram o que começara antes a enxugar. 

Milhares de voluntários saíram às ruas, num movimento sem precedentes, invadiram as zonas mais afectadas pelo tufão Hato, recolhendo lixo ou distribuindo comida e água. 

Devido aos impactos causados por esta catástrofe e para acelerar a retomada da ordem social, o Chefe do Executivo, de acordo com a Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau e a Lei do Estacionamento de Tropas na Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China, pediu a autorização do Governo Central para o auxílio da Guarnição em Macau nas acções de socorro, tendo o pedido sido atempadamente autorizado. A 25 de Agosto, ou seja, dois dias após a passagem do tufão Hato, saiu à rua a Guarnição em Macau do Exército de Libertação do Povo Chinês, num feito inédito desde 1999. “A partir de hoje [dia 25], a Guarnição em Macau, em conjugação de esforços com o Governo e a população, prestará apoio nos diversos trabalhos construtivos e de socorro”, anunciou o Gabinete do Porta-voz do Governo em comunicado. Mil soldados participaram nos trabalhos de socorro e de construção, regressando ao quartel ao fim de três dias, a 28. 

Face às inundações, as acções de desinfestação e a fumigação nas zonas mais atingidas foram outras das prioridades que mobilizaram tanto autoridades como voluntários no esforço de evitar a propagação de doenças transmitidas por mosquitos, como a dengue. 

Em paralelo, Macau também suspendeu a recepção de grupos turísticos entre 25 de Agosto e 1 de Setembro, período durante o qual foi, aliás, atingida pelo Pakhar, para “concentrar recursos nas operações de resgate e trabalhos de reposição depois da calamidade”, conforme explicou o Executivo. 

O património de Macau, incluindo o classificado pela UNESCO, não sofreu danos graves, com o Governo a garantir que os prejuízos foram mínimos, não obstante a força do Hato que até derrubou o mastro utilizado para içar os próprios sinais de tempestade tropical no Farol da Guia.  

 

 

Uma história de tufões 

Macau é atingida anualmente por tufões de diferentes graus, com o período de Julho a Setembro a figurar como mais susceptível à ocorrência daquele que constitui o “mais comum desastre natural que ameaça Macau”. 

O tufão mais “catastrófico” da História de Macau remonta ao século XIX. “Da noite de 22 à madrugada de 23 de setembro de 1874, um tufão violento atravessou a Foz do Rio das Pérolas causando grandíssimas perdas, designado na História por Calamidade do Tufão de 1874”, diz o catálogo de uma exposição realizada em 2014 pelo Arquivo Histórico. 

“Os ventos violentos, as ondas enormes e os incêndios danificaram um número incalculável de prédios e de infraestruturas, duas mil embarcações de pesca e mercantis naufragaram”, de acordo com a mesma descrição. 

O tufão de 1874 “deixou Macau com os prejuízos mais graves e maior número de vítimas”: foram aproximadamente 5000 pessoas: 3600 na península, 1000 na Taipa e 400 em Coloane. 

 

 

Perdas materiais ascendem a pelo menos MOP 11,4 mil milhões 

Os prejuízos deixados pelo tufão Hato ainda estão por apurar em definitivo, mas estimativas preliminares, avançadas pelo próprio Chefe do Executivo de Macau, Chui Sai On, apontam para perdas na ordem dos 11,4 mil milhões de patacas, um valor que inclui 8,3 e 3,16 mil milhões em prejuízos directos e indirectos, respectivamente. 

Muitos antes de se começar a fazer contas aos estragos, o Governo reagiu, desde logo, com anúncios de apoios para fazer face ao rasto deixado pelo pior tufão dos últimos 50 anos. Um dos primeiros apoios divulgados foi o da atribuição de 1350 milhões de patacas às vítimas, incluindo 300 mil patacas aos familiares de cada vítima mortal e um subsídio de assistência médica até 30 mil patacas aos que ficaram feridos. Um máximo de 30 mil patacas foi também estabelecido para apoiar as famílias que sofreram estragos em casa. 

Para ajudar as pequenas e médias empresas afectadas foi criada uma linha de crédito sem juros até ao montante máximo de 600 mil patacas. Além disso, foram estabelecidas “medidas de abono” para “responderem às situações emergentes”, com um limite inicial de 30 mil patacas elevado depois para 50 mil patacas. 

Os cortes de água e luz não ficaram de fora dos apoios, prevendo-se que as compensações comecem este mês de Outubro. Conforme anunciado pela Fundação Macau, a factura da electricidade vai contar com uma subvenção de 1500 patacas, enquanto a da água referente aos meses de Outubro e Novembro, terá uma redução de 500 patacas. 

Após aprovação pela Assembleia Legislativa, esse pacote dos apoios financeiros deverá ser estendido aos proprietários de veículos particulares destruídos pelo Hato, prevendo-se reduções e isenções fiscais na compra de novas viaturas.  

 

 

Medidas Futuras 

O Executivo de Macau promete estar melhor preparado para lidar com futuras calamidades e, por isso mesmo, vai avançar para a criação de uma nova direcção, sob a tutela do secretário para a Segurança, que vai ter como nome provisório a designação de Direcção de Protecção Civil e de Coordenação de Contingência (DPCCC). O futuro organismo terá carácter permanente e ficará responsável pelo actual Centro de Operações de Protecção Civil, accionado em situações de emergência. “Essa Direcção irá desempenhar funções independentes de prevenção especializada, de resposta e trabalhos de acompanhamento após catástrofes naturais ou incidentes de segurança”, afirmou Wong Sio Chak, secretário para a Segurança, durante uma conferência de imprensa, em Setembro, da Comissão para a Revisão do Mecanismo de Resposta a Grandes Catástrofes. 

O secretário para a Segurança anunciou ainda que os meios de salvamento vão ser reforçados, através da aquisição de barcos de borracha e motas de água. As equipas de mergulhadores passarão a receber mais formação. Outra medida prevista é a criação de um mecanismo de comunicação, através de altifalantes, no Porto Interior e em espaços públicos, como os terminais marítimos de passageiros e o aeroporto. O Governo defende também que os serviços de informação, que em caso de tufão são garantidos de forma regular pela TDM – Teledifusão de Macau, possam ser assegurados por outros meios. Também vai ser reforçada a educação cívica nas escolas a longo prazo, com o objectivo de reforçar a noção dos riscos e de salvamento nos diversos serviços competentes e junto da população perante calamidades e incidentes de segurança. 

Em termos de infra-estruturas, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) vai dar início de imediato às obras para elevar todos os diques nas zonas costeiras da região. Essa foi, aliás, uma das sugestões da recém-criada Comissão para a Revisão do Mecanismo de Resposta a Grandes Catástrofes e o Seu Acompanhamento e Aperfeiçoamento, que tem lançado uma série de recomendações a serem implementadas para que a RAEM esteja melhor preparada para intempéries.  

Para além dos diques, Macau apresentou a Pequim uma proposta para a construção de comportas e obteve “resposta positiva e concordância dos Ministérios e comités competentes”. No dia 11 de Setembro, uma delegação oficial deslocou-se a Cantão, com o objetivo de discutir com o governo de Guangdong esse projecto e “garantir o apoio provincial”, para se “proceder, o mais rápido possível, aos referidos trabalhos”, segundo um comunicado do gabinete do porta-voz do Governo. As duas partes estão agora a estudar as melhores alternativas para que as obras se iniciem o quanto antes.  

O grupo de trabalho de Macau também sugere que se avance para uma revisão profunda aos sistemas de abastecimento de água e de electricidade, com obras de melhoria que evitem que as estações locais fiquem danificados por inundações. O mecanismo de resposta também está sob avaliação e um grupo de trabalho já seguiu para Pequim, onde reuniu-se com o Ministério de Assuntos Cívicos e a comissão estatal para minimizar as calamidades.  

No dia 13 de Setembro, o Chefe do Executivo de Macau recebeu a delegação com especialistas para avaliar os trabalhos após a passagem do tufão e colaborar no aperfeiçoamento o plano de resposta a grandes catástrofes. “Chui Sai On agradeceu ao Governo Central e aos ministérios e comités competentes pela atenção e apoio, bem como, na organização, de forma eficiente e a curto prazo, da visita de elementos da Comissão Nacional para a Redução de Desastres a Macau, a fim de aperfeiçoar o plano e propostas de resposta a grandes catástrofes”, refere um comunicado. 

A delegação foi organizada pelo Gabinete para os Assuntos de Hong Kong e Macau do Conselho de Estado e Comissão Nacional para a Redução de Desastres e recebida em Macau no dia em que decorrem exactamente três semanas após a passagem pela região do Hato. Composta por 22 membros, a delegação incluiu especialidades de áreas como água, eletricidade, telecomunicações, serviços de emergência, meteorologia, construção civil, telecomunicações, fiscalização e gestão de segurança.