Lançada em Macau primeira biografia de Silva Mendes

A primeira biografia de Manuel da Silva Mendes (1867-1931) foi lançada em Macau, reavivando uma figura “esquecida”, apesar de ser “um dos intelectuais mais relevantes da história de Macau na primeira metade do século XX”.

De “espírito multifacetado”, Manuel da Silva Mendes foi professor, advogado e juiz, e um “apaixonado pela civilização e cultura chinesa”, que publicou vários artigos e livros, tornando-se “um reputado sinólogo e importante coleccionador de objectos de arte”, descreve o Instituto Cultural de Macau (ICM), que co-edita a obra, recentemente lançada em Portugal.

Esta biografia surge pelos 150 anos do nascimento de Manuel da Silva Mendes, uma figura que, “inexplicavelmente, tem sido esquecida e que personifica, como poucos, a génese de Macau – a fusão entre o Oriente e o Ocidente”, realça o autor, João Botas, na introdução da obra, cuja apresentação em Macau ficou a cargo do crítico literário João Guedes, que assina o prefácio.

A biografia de Manuel da Silva Mendes, cuja vida se dividiu entre Portugal (onde nasceu) e Macau (onde morreu) desdobra-se em capítulos dedicados ao “homem”, ao “professor”, ao “político”, ao “advogado e juiz”, ao “sinólogo e colecionador” e ao “escritor e cronista”, reunindo ainda documentos, uma selecção de textos, uma cronologia e memórias em imagens de homem que tem o nome gravado na toponímia de Macau.

Para João Guedes, o livro oferece conhecimento sobre uma figura que “devido à própria personalidade e a preconceitos políticos persistentes” foi esquecida, sendo “visto como um professor de liceu, que tinha umas opiniões sobre a educação e, na generalidade, um mau feitio”, quando “é muito mais do que isso”.

“Era um intelectual de grande profundidade, um homem que em Macau tem opiniões importantíssimas e muito de vanguarda sobre a Educação – sobre as quais passaram sempre uma esponja por cima”, aponta o também investigador da história de Macau.

“Era um tipo que diziam irascível, [mas] ele era uma mentalidade superior e, de maneira que, ficava – suponho eu – irritado com a tacanhez deste pequeno burgo”, e, também por causa disso, Silva Mendes “não se dava com os portugueses”, sendo, aliás, conhecido que “as relações dele com Camilo Pessanha não eram boas”, diz João Guedes, entre risos.

No entanto, “dava-se com os maiores expoentes da literatura, da arte e da política da China”, algo até “escondido” do conhecimento, arrisca dizer João Guedes, falando ainda das relações que Manuel da Silva Mendes mantinha com anarquistas chineses, como Liu Shifu (1884-1915), considerado o maior ideólogo do anarquismo da China, ou Chen Jiongming (1878-1933), um general que “funda um partido, uma dissidência, à esquerda, do Kuomitang [então no poder], ainda hoje um dos poucos [oficialmente] reconhecidos na China”.

Das diversas facetas, o crítico literário destaca nomeadamente o “conhecedor da arte chinesa, principalmente da cerâmica Shek Wan [designação em cantonense de uma pequena aldeia de Foshan, entre Macau e Cantão] que, curiosamente, é a que serve de inspiração a Bordalo Pinheiro em Portugal”.

“A louça das Caldas da Rainha é baseada na de Shek Wan” relativamente à qual “o Silva Mendes tinha um conhecimento muito vasto” e mais do que isso: “Ele tinha “peças importantíssimas que constituíam o núcleo central do há muito extinto Museu Luís de Camões”, cujo espólio, incluindo essa colecção, foi herdado pelo Museu de Arte de Macau.

“Esta é a primeira biografia”, porque, apesar de Gonzaga Gomes ter reunido uma colectânea de escritos de Manuel da Silva Mendes, “nunca tinha havido uma iniciativa do género”, sublinha João Guedes, falando mesmo “numa pedrada no charco” num “território onde as biografias escasseiam muito”.