Eu, robô: De Macau para o mundo

Uma equipa de investigadores da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau concebeu um autómato que promete revolucionar o sector da prestação de serviços na região e no mundo. Originalmente desenvolvido com o propósito de providenciar assistência a idosos, o Singou Butler vai receber a partir de Julho os visitantes que entrem em Macau através das Portas do Cerco. O robô vai facultar informações, responder a dúvidas e até facilitar a obtenção do cartão Macau Pass. O aparelho vai começar a ser fabricado em massa numa unidade fabril da província de Guangdong. A 1 de Setembro lança-se à conquista do planeta.

 

 

Texto Marco Carvalho | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

 

As primeiras impressões enganam. Hon Chi Tin fala com paixão e orgulho do autómato que se arrasta com um clamor mecânico aos nossos pés. Com uma aparência mais linear do que curva e um ecrã no lugar do rosto, o dispositivo facilmente se confunde com um brinquedo. Um brinquedo mais complexo e mais robusto do que é comum, mas ainda assim um brinquedo.

Com uma estatura a rondar o metro e meio de altura, carão macilento, cores garridas e uma estrutura rígida e esguia, sem ser esbelta, o aparelho é quase como que a negação dos possantes andróides que desde meados do século passado passaram a encarnar, no imaginário comum, a figura do robô por excelência.

O Singou Butler desloca-se com a cadência hidráulica dos carros de combate, num deslizar pautado por um coro de estalidos e de soluços que tornam difícil a crença de que o atamancado autómato que ciranda por um pequeno espaço de quatro por quatro metros no recinto da MIECEF – o Fórum e Exposição Internacional de Cooperação Ambiental de Macau – possa revolucionar o acolhimento a turistas, a assistência a idosos ou até salvar vidas.

E, no entanto, o Singou Butler I, garante Hon Chi Tin é capaz disso e muito mais. Desenvolvido por uma equipa liderado pelo académico da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau (MUST, na sigla inglesa), o autómato é o segundo concebido pela Singou Technology, a empresa constituída pelo docente e investigador com o propósito de tornar tangível a investigação nos domínios da robótica e da inteligência artificial conduzida pela instituição de ensino superior.

A primeira criação da empresa – o Singou Guard I – patrulha desde Agosto do ano passado o campus da MUST. “O Singou Guard I foi concebido para desempenhar funções na área da segurança e do patrulhamento. Tem sido testado e colocado em uso nas instalações do nosso campus, no Centro de Ciência e em várias outros departamentos governamentais”, explica Hon Chi Tin.

Com 65 quilos e uma aparência mais consentânea com a dos robôs da ficção científica, o Singou Guard I tem uma autonomia de seis horas, consegue entender e falar inglês, domina várias variantes de chinês – do cantonês aos dialectos de Sichuan e de Xangai – e possui uma capacidade de memória extraordinária quando comparada com a frágil capacidade de assimilação do cérebro humano. Cada um dos seis autómatos que patrulham as instalações da MUST tem capacidade para reconhecer entre 20 mil a 30 mil rostos, associá-los a um nome e, por inerência, identificar elementos estranhos à realidade da instituição de ensino superior. Um humano dificilmente será capaz de recordar mais do que meio milhar de rostos, enfatiza Hon Chi Tin.

À tecnologia de reconhecimento facial o vigilante electrónico junta a capacidade para diferenciar vozes e para identificar de imediato se o seu interlocutor está a falar em chinês ou em língua inglesa. O Singou Guard I, explica o académico, consegue ainda efectuar deslocações de até 15 quilómetros sem perda de eficácia e captar imagens tanto à frente como à retaguarda, graças às duas câmaras de que está munido.

A capacidade de locomoção do robô-vigilante – que, além do campus da MUST e do Centro de Ciência de Macau, patrulha ainda as instalações da Escola Pui Ching e algumas valências na República Popular da China – é uma das poucas características em que a capacidade do autómato é notoriamente superior à do mais recente membro da família Singou. Lançado a 11 de Abril e apresentado ao público um dia depois, no âmbito da edição de 2018 da MIECF, o Singou Butler é também um robô de serviço, mas as funções para as quais foi programado pressupõem uma relação de maior proximidade com os humanos que se propõe servir. “Este robô foi originalmente pensado para prestar apoio a idosos. Visitei ao longo dos últimos anos muitos idosos e uma boa parte vive sozinha. Os filhos e netos não têm tempo para os visitar com a frequência desejada e o Singou Butler foi inicialmente concebido com o propósito de prestar apoio aos idosos que se encontrem nesta situação”, clarifica Hon Chi Tin.

Especialista em robótica e em inteligência artificial, o docente explica que, dada a forma como foi concebido, o Singou Butler é suficientemente versátil para desempenhar uma vasta miríade de outras funções, mas o acompanhamento de idosos é, porventura, a missão em que a performance do autómato pode potenciar os melhores resultados. Além de fazer companhia aos mais velhos, o robô pode transportar pequenos objectos, ajudar em pequenas tarefas domésticas e, em situações extremas, está até programado para salvar vidas. “A partir de uma certa idade, os pequenos acidentes dentro de casa tornam-se mais frequentes. Quando os idosos se vêem envolvidos em situações de emergência, em que precisam de apoio urgente podem, pura e simplesmente, pedi-lo ao robô”, assegura Hon. “Basta dizer ‘Help’ ou o equivalente em chinês. O robô responde de imediato e liga para o telemóvel dos filhos, para o hospital ou para as linhas de emergência”, complementa o criador dos autómatos.

Capaz de entabular pequenas diálogos e de facultar informações circunstanciais sobre o meio que o envolve, o Singou Butler I é também um bom antídoto contra a solidão. O autómato está programado para disputar partidas do mais popular dos jogos chineses de mesa. “Este robô também consegue jogar mahjong”, diz Hon Chi Tin. “O mahjong é um jogo muito popular entre os idosos nas sociedades chinesas. É visto como um bom exercício mental e uma forma de trabalhar detalhes como as articulações, sobretudo nas mãos. O jogo é também um bom incentivo para o reforço do intercâmbio social. Muitas vezes um idoso sozinho é alguém que tem outro idoso sozinho do outro lado do corredor, mas que muitas vezes se remete ao silêncio por acreditar que não tem nada em comum com o vizinho.”

O professor da MUST revela que a fasquia definida pela indústria em termos de inteligência artificial é já muito elevada e assegura que o grupo de investigadores que dirige teve a preocupação de conceber o Singou Butler I tendo por base os mais recentes desenvolvimentos no campo da inteligência artificial. “O domínio da inteligência artificial é um dos aspectos que estão neste momento na berlinda. Todas as grandes empresas tecnológicas da China e dos Estados Unidos estão a fazer uma forte aposta na inteligência artificial e o domínio deste ramo concreto da inovação vai ser, estou convicto, o próximo ponto de confronto e de competitividade à escala mundial”, antecipa o investigador. Em parte, é a aposta nos mais elevados padrões internacionais em termos de inteligência artificial que explica a versatilidade dos autómatos concebidos pela Singou Technology.

 

Robô de serviço e de serviços

A 1 de Julho, se tudo correr como o previsto, os visitantes que entrem em Macau através da fronteira das Portas do Cerco vão passar a ser recebidos por um batalhão de novos guias turísticos. Os cicerones têm por missão garantir que quem assoma à RAEM é bem recebido e entre as competências que lhes são assacadas estão as de ajudar quem chega a Macau a fazer check-in num hotel, a obter o Macau Pass ou pura e simplesmente a optar pela forma mais conveniente de se deslocar para o centro da cidade.

O exército de novos guias pode conversar em cantonês, mandarim e inglês e se a Direcção de Serviços de Turismo (DST)– entidade com a qual a Singou Technology assinou um protocolo antes ainda do Singou Butler ser lançado – assim entender, também poderá vir a exprimir-se em japonês ou em coreano.

O acordo firmado com a DST é uma das várias parcerias que a empresa dirigida por Hon Chi Tin rubricou ao longo dos últimos meses [ver caixa], com o  propósito de familiarizar eventuais clientes com os dois autómatos da família Singou, mas também para evidenciar o carácter polifacetado dos dois dispositivos, nomeadamente no que diz respeito ao contributo que podem dar no âmbito do sector dos serviços. “A aposta no segmento dos robôs de serviço sempre me pareceu óbvia. Macau tem uma indústria de serviços muito sofisticada, com padrões muito elevados”, considera o docente da MUST. “A indústria dos serviços é um bom domínio para testar a nossa tecnologia em situações reais e Macau constitui uma boa base para testar novas soluções tecnológicas.”

Os mais de 32 milhões de visitantes que procuraram Macau ao longo do ano passado oferecem o melhor dos enquadramentos quando o que está em causa é provar que as competências do Singou Butler I não se resumem ao desígnio de prestar assistência a idosos. O memorando assinado entre a DST e a Singou Technology prevê que a empresa coloque um total de 37 autómatos no Posto Fronteiriço das Portas do Cerco. Os aparelhos têm por missão facilitar o acolhimento de turistas, mas as perspectivas de utilização do Singou Butler I são virtualmente infinitas e Hon Chi Tin não exclui a hipótese do robô poder vir a ser colocado ao serviço da população se o Executivo assim o entender. “Estamos a trabalhar com a DST para que os autómatos possam ser o mais útil possível aos visitantes de Macau. Os turistas que tiverem dúvidas podem interpelar os robôs: ‘Eu quero ir para a Torre de Macau. Como é que posso para lá ir?’ ou ‘Só tenho renmibi. Onde posso trocar dinheiro?’. O Singou Butler vai estar preparado para responder a questões como estas”, explica. “Mas não é tudo. Os turistas podem obter o Macau Pass através do robô e até transferir vales de desconto electrónicos para gastarem em lojas e restaurantes de Macau. Mesmo os residentes vão poder recorrer aos robôs para consultar alguns dos serviços do Governo. Se um residente quiser saber quando vai receber o dinheiro do Fundo de Pensões pode perguntar ao Singou Butler que ele responde”, antecipa Hon Chi Tin.

Os 37 exemplares do Singou Butler I que vão ser colocados à disposição da DST deverão ser dos primeiros produzidos em série pela Singou Robôics, a subsidiária da Singou Technologies que vai ser responsável pelo fabrico dos autómatos. Concebido em Macau com uma pequena ajuda de uma empresa de design italiana, o Singou Butler lança-se à conquista do mundo a partir de uma nova unidade fabril, construída para o efeito na cidade chinesa de Zhongshan. “O hardware e o software foram inteiramente concebidos por mim e pela minha equipa. O design é da autoria de uma equipa italiana, mas o fabrico será feito na China.

Hon Chi Tin espera que das instalações da Singou Robôics possam sair mil autómatos até ao final do ano. A empresa tenciona expandir progressivamente a produção em 2019, mas só dentro de dois anos deverá produzir na máxima força, com objectivos bem mais ambiciosos. O responsável pelo projecto acredita que em 2020 o grupo consiga colocar no mercado 30 mil robôs e o objectivo é manter o volume de produção nos anos subsequentes.

Antes de se fazer à conquista do mundo, a 1 de Setembro, o Singou Butler I vai ser oficialmente lançado em Pequim no âmbito da World Robot Exhibition.

O autómato deve chegar ao mercado em dois tamanhos diferentes, consoante as funções para que está programado. O modelo mais pequeno, o mais indicado para prestar serviços de apoio e assistência a idosos, será comercializado por um preço que ronda os 10 mil dólares de Hong Kong. O modelo de maior porte, semelhante aos dos robôs que a partir de Julho vão receber quem chega a Macau, foi concebido como complemento às necessidades do sector dos serviços e deve custar cerca de 20 mil dólares de Hong Kong. “Não queremos fazer do robô algo inacessível. Queremos que o nosso robô seja uma presença ubíqua não só nos lares de Macau, como também nos lares de todo o mundo. Para que isso aconteça é importante que o preço seja acessível, porque isso permite que o autómato encontre o seu lugar no mundo real e faça aquilo para que foi concebido”, remata Hon Chi Tin, o pai dos primeiros robôs “made in Macau”.

 

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Singou Butler em todo o lado

A Singou Robôics, subsidiária da Singou Technology que vai fabricar o Singou Butler em Zhongshan, só em Julho começa a operar, mas o versátil autómato parece condenado ao sucesso, a julgar pelos acordos já assinados pelo grupo liderado por Hon Chi Tin. Para além do memorando firmado com a DST – que prevê que a partir de Julho 37 exemplares do robô nas Portas do Cerco –a empresa assumiu também o compromisso de fornecer 5000 robôs por ano ao portal Juwai.com, especializado na venda de fracções imobiliárias. Ao abrigo do acordo, assinado a 11 de Abril nas instalações do Centro de Ciência de Macau, a Singou Technology assume a responsabilidade de programar anualmente 5000 exemplares do Singou Butler com o propósito de facilitar a aquisição de activos imobiliários no estrangeiro por parte de cidadãos chineses. O portal Juwai.com é a mais influente plataforma electrónica chinesa de compra e venda de casas e apartamentos no estrangeiro. Com o acordo, o Singou Butler deve chegar a vários pontos do planeta com o propósito de facilitar a vida aos cidadãos da República Popular da China que queiram comprar casa fora do país. Em Janeiro, a Singou Technology já tinha firmado um memorando de cooperação com o grupo Macau CTS Hotel Management (International) Ltd. O acordo prevê que a empresa dirigida por Hon Chi Tin faculte vários exemplares do irmão mais velho do Singou Butler, o Singou Guard I, às valências hoteleiras e de restauração geridas pelo grupo. Numa primeira fase, os robôs serão colocados na recepção de unidades hoteleiras como o Hotel Emperor ou o Hotel Beverly Plaza com o objectivo de ajudar os hóspedes a conduzir os procedimentos de check-in ou de check-out.