Engenharia | A China na linha da frente da inovação

“A ponte é grande. Tem muitas faixas de rodagem, tem um vão muito grande, tem isso tudo. Há ali um certo incremento de capacidade técnica e de melhoramento, uma tentativa de ultrapassar os limites que antigamente não era muito frequente.” A análise de José Maneiras é válida para a Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau, mas também poderia descrever uma mão cheia de grandes projectos de construção de infra-estruturas que a República Popular da China tem ou teve em mãos ao longo das duas últimas décadas.

 

Texto Marco Carvalho

 

No campo da engenharia e da dinamização de infra-estruturas, a China tornou-se sinónimo de inovação, mas também de ousadia: a ponte que atravessa a Baía de Hangzhou ou o caminho-de-ferro que liga Pequim a Lhasa são alguns dos exemplos que melhor ilustram a capacidade da engenharia chinesa contemporânea. “O caminho-de-ferro do Tibete é uma grande obra. Ninguém fazia aquela obra”, admite José Maneiras. “A China provou que era possível construir um caminho de ferro sobre uma camada de permafrost e a estrutura não mexe. O que as equipas de engenharia chinesas fizeram foi fixar estacas em vários sentidos: a direito, na perpendicular, na diagonal. Estamos a falar de estacas enormíssimas, que exigiram maquinaria e recursos enormes, mas que provaram ao mundo que é possível construir em terreno tão volátil como o permafrost”, esclarece o veterano arquitecto.

No caso da Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau, entre os principais desafios técnicos têm a ver com a natureza arenosa e extremamente maleável do leito oceânico do Delta do Rio das Pérolas. Dado o processo de contínua sedimentação inerente à própria natureza do estuário, os engenheiros viram-se obrigados a fixar mais de uma centena de gigantescos pilares de aço no leito arenoso. Cada um dos 120 cilindros tem 22,5 metros de diâmetro, altura equivalente a um edifício de 18 andares e pesa 550 toneladas, o mesmo que o Airbus A380, o maior avião de passageiros do mundo. São estes pilares que servem de sustentáculo às duas ilhas artificiais construídas na extremidade do túnel de quase sete quilómetros que integra a estrutura.

A própria construção do túnel, uma obra de dificuldade técnica considerável, tendo em conta as características geológicas e topográficas da zona, reveste-se de uma carácter imperioso, dada a necessidade de garantir que o tráfego marítimo pudesse continuar a ser feito de forma o mais desimpedida possível. “O túnel é muito longo. Não se fazem túneis submersos com este tamanho. Um túnel com mais de seis quilómetros é descomunal”, assevera Chan Mun Fong. “Tive a sorte de visitar a ponte e vi os módulos utilizados no túnel e cada peça tem 180 metros. A opção por segmentos deste tamanho só se justifica quando se tem o equipamento certo. Fiquei com a impressão de que todas estas soluções, como a Zhenhua 30, foram concebidas para responder aos próprios critérios e exigências que se colocavam aquando da concepção da ponte”, admite o director executivo da Civil Engineering Consultants  Co. Limited.

Ainda que de uma forma não tão acentuada, até a proximidade entre a estrutura e o Aeroporto Internacional de Hong Kong contribuiu para a forma como a ponte foi concebida. A estrutura cruza directamente o trajecto de aproximação à pista de muitos dos voos com destino ao Aeroporto de Chek Lap Kok e as torres de sustentação do tabuleiro foram construídas com uma dimensão menor do que seria de supor para uma obra da envergadura, numa decisão que teve em conta as especificidades do tráfego aéreo na zona.

 

Por outro lado, o impacto ambiental da estrutura também motivou preocupações, com as equipas de engenharia a terem de equacionar e colocar em prática métodos não invasivos de dragagem com o propósito de salvaguardar ao máximo o habitat do golfinho branco chinês, uma espécie ameaçada de extinção.

Em termos concretos, os responsáveis pelo projecto tiveram de ter em conta os canais de navegação, os princípios fundamentais da hidrologia e ainda os fluxos naturais de escoamento do próprio rio para assegurar que os ecossistemas naturais não eram comprometidos.

Entre as tarefas mais exigentes esteve, naturalmente, a construção do túnel subaquático de 6700 metros que liga as duas ilhas artificiais construídas ao largo da ilha de Lantau. Com uma dimensão pouco habitual em projectos da índole, o túnel foi montado a partir de segmentos com um peso de 80 mil toneladas cada.

No auge do processo de construção, mais de 14 mil trabalhadores estiveram envolvidos na concretização do projecto. As equipas de construção contaram com o apoio logístico de mais de três centenas de embarcações e de um sem fim de veículos e de maquinaria, alguma da qual – como a Zhenhua 30 – foram construídos propositadamente para o efeito.

Os números falam por si e não escondem a ambição que as autoridades chinesas colocam nos projectos em que se envolvem. Viveiro de inovação, a Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau é também um ninho de recordes. “A China faz o possível por garantir que os projectos em que se envolve sejam número um na referida área”, salienta Chan. “Neste projecto em concreto, creio que já temos vários recordes. Este longuíssimo túnel submerso é o maior do género. A superfície asfaltada, no que diz respeito à área total, é imensa: estamos a falar de 70 mil metros de superfície asfaltada, o que é incrível. Eu creio até que há outros recordes com os quais eu não estou tão familiarizado. Mas é exactamente isto que os engenheiros querem fazer quando lhes é dada a oportunidade: levar uma estrutura a todo um outro nível”, remata o antigo chefe de departamento do Laboratório de Engenharia Civil de Macau.