Um “encontro em Macau”

A primeira edição do Festival de Artes e Cultura entre a China e os Países de Língua Portuguesa teve lugar no passado mês de Julho e veio fortalecer o papel de Macau como plataforma de intercâmbio, desta vez no campo artístico. Ligar “o clássico à vanguarda” escreve um novo capítulo nas relações sino-lusófonas.

 

Texto Catarina Mesquita

 

Já com a responsabilidade de ser plataforma de serviços de cooperação comercial do universo sino-lusófono, Macau revelou agora ser o palco ideal para a realização do “Encontro em Macau – Festival de Artes e Cultura entre a China e os Países de Língua Portuguesa”, reforçando o papel da região como mediadora das relações no campo artístico.

De acordo com o Instituto Cultural de Macau, entidade organizadora do evento, realizado entre os dias 6 e 15 de Julho, esta foi uma forma de “confirmar oficialmente o mecanismo de cooperação e intercâmbio cultural e artístico entre a China e os países de língua portuguesa”, alinhando-se com as directivas do primeiro-ministro chinês Li Keqiag aquando da sua visita oficial à RAEM em 2016.

“Do clássico à vanguarda” foi o lema deste encontro que deu grande enfoque à arte contemporânea, e não só, com a apresentação da mostra “Alter Ego” assim como deu a conhecer ao público registos mais antigos como as Chapas Sínicas, documentos oficiais de Macau durante a Dinastia Qing (1693-1886).

A diversidade cultural ficou assim marcada pela presença de artistas oriundos das províncias do Interior do País e dos oito países de língua portuguesa, recheando o cartaz do evento com exposições, palestras, concertos e um ciclo de cinema que, segundo a organização, pretendeu “expor a aura, o carácter e o charme de ambas as culturas (chinesa e lusófona), bem como a tendência histórica de coexistência ao longo dos anos entre as duas culturas sem perda da sua identidade.”

Intervenção urbana

O festival estendeu-se por toda a cidade e a mostra “Alter Ego” assinada por uma nova geração de artistas portugueses, como Wasted Rita, Ricardo Gritto, artistas do estúdio de design Pedrita, de Macau, dos países lusófonos, do Interior da China e de Hong Kong foi reflexo dessa transversalidade.

Os curadores de “Alter Ego” – o artista urbano Alexandre Farto (Vhils) e a directora da galeria Underdogs, Pauline Foessel – explicaram que as exposições espalhadas por Macau até ao dia 9 de Setembro são “uma reflexão sobre o ser humano” que inspiram o nome da mostra. Apesar do percurso único dos 27 artistas participantes é possível assistir-se a uma “interligação das obras”.

Com uma rota sugerida pelos curadores ao longo da cidade, a exposição parte no Museu de Arte de Macau com as colectâneas de trabalhos “Eu”, “O Outro” e “Da Linguagem à Viagem”. Em “Eu” é possível conhecer o trabalho da dupla de Macau João Ó e Rita Machado, que utilizam o característico bambu como elemento principal da instalação.

Segue-se a Galeria de Exposições Temporárias do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais com a quarta exposição, “Choque Cultural”. Já a mostra “Globalização” enche as Casas Museu da Taipa.

O último trabalho deste conjunto de exposições está instalado nas Oficinas Navais n.º 1 – Centro de Arte Contemporânea com o nome da mostra “Alter Ego” e assinada pelo luso-angolano Francisco Vidal.

Do ciclo ainda faz parte a intervenção de arte urbana pelo artista português Diogo Machado (Add Fuel), conhecido pelos seus trabalhos inspirados no azulejo português.

Histórias de Macau e do mundo

Outra das grandes apostas do festival foi a apresentação das Chapas Sínicas – uma colecção de registos oficiais de Macau durante a Dinastia Qing (1693-1886). Na sequência da inscrição dos documentos pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) no Registo da Memória do Mundo, em Outubro do ano passado, o Instituto Cultural de Macau decidiu que este seria o momento para dar a conhecer ao público uma selecção de mais de 100 registos.

De acordo com a entidade organizadora, os documentos “reflectem as condições da sociedade, a vida das pessoas, o desenvolvimento urbano e o comércio de Macau durante a Dinastia Qing. Além disso, representam o papel de Macau para o mundo”.

O auditório do Museu das Ofertas sobre a Transferência de Soberania de Macau foi palco de uma palestra integrada no âmbito da exposição sobre a importância documental das Chapas Sínicas, bem como a preservação e digitalização dos registos e que contou com a participação de Zhang Wenqin, professor de História de Relações Sino-Estrangeiras na Universidade Sun Yat-sen, Jin Guoping, investigador do Instituto de Estudos de Macau da Universidade de Jinan e, Silvestre de Almeida Lacerda, director-geral da Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas de Portugal.

Já o Fórum Cultural entre a China e os Países de Língua Portuguesa, subordinado ao tema “diversidade cultural”, contou com a presença de especialistas na área do património tangível e intangível. Ana Paula Amendoeira, de Portugal, doutorada na Universidade de Sorbonne, em Paris, falou da importância da recuperação do património arquitectónico.

Histórias dos países da lusofonia e do Interior do País foram também contadas no palco do Centro Cultural de Macau através de instrumentos e danças tradicionais. Um espectáculo que deixou o público ao rubro com muito ritmo e cor trazidos em especial pelos representantes do continente africano.

Das imagens estáticas ao movimento do cinema

Integrada no festival, a exposição “Aiya” reuniu os artistas radicados em Macau João Miguel Barros, Joaquim Franco, Rui Rasquinho, Yves Etienne Sonolet e o artista local Fortes Pakeong Sequeira, que mostraram os seus trabalhos que vão desde a fotografia à ilustração e pintura.

Por sua vez, a exposição “Aprofundar”, com a curadoria de James Chu, contou com a colaboração de Eugénio Novikoff Sales, Cai Guo Jie, Nick Tai, Peng Yun, Wong Weng Io e Zhang Ke, artistas residentes em Macau e recorreu a uma variedade de formas de expressão artística.

Um ciclo de cinema dos países de expressão oficial portuguesa e do Interior do País trouxe a Macau filmes como os clássicos Aniki-Bóbó e Douro, Faina Fluvial, de Manoel de Oliveira (Portugal), a Fábrica do Nada, de Pedro Pinho (Portugal), A Ira do Silêncio, de Xin Yukun (China), Livre e Fácil, de Geng Jun (Hong Kong), Aquarius, de Kleber Mendonça Filho (Brasil), e ainda várias curtas-metragens.

A sétima arte dedicada a Macau incluiu os filmes A Última Vez que Vi Macau, de João Pedro Rodrigues e Guerra da Mata, Macau: Cidade do Nome de Deus, de Ricardo Malheiro, Macau, Jóia do Oriente, de Miguel Spiguel, O Estrangeiro, de Ivo Ferreira, e 350 Metros, de Fernando Eloy.

De acordo com a responsável do Instituto Cultural, Mok Ian Ian, o festival terá continuidade no próximo ano e pretende estender as áreas culturais em mostra. “Estamos a ponderar incluir obras de escritores de Portugal, como José Saramago que obteve o Prémio Nobel da Literatura”, afirmou a presidente do organismo sobre a intenção de dedicar espaço também à literatura durante o festival.

A primeira edição do festival realizou-se com um orçamento de 28 milhões de patacas.