Jade | No verde está a virtude

Se virtude fosse uma coisa palpável no mundo físico, seria certamente feita de pedra polida e esverdeada, pelo menos na concepção da cultura chinesa. É que, na China, é mesmo isso que o jade representa: um autêntico concentrado de virtudes do reino mineral. Acaba por ser, assim, e de longa data, uma das matérias-primas favoritas para a manufactura de amuletos e jóias, sendo mesmo a pedra semipreciosa mais popular entre os chineses. Não é à toa que pode ser encontrada à venda em praticamente todo o país.

 

Texto Sin Iok I | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

 

Em rigor, existem dois tipos de minerais que são conhecidos pela designação de jade. O primeiro, que ganhou fama na China Antiga, é a nefrite, ligeiramente mais resistente à fractura, embora um pouco menos rígida do que o outro tipo, chamado de jadeíte. Seja como for, a verdade é que várias culturas em todo o mundo consideraram, nalgum momento da sua evolução ao longo da história (quando não da pré-história), que ambos os tipos de jade encerravam algum tipo de virtudes e poderes especiais. Mas, diga-se, ninguém como os chineses: durante milhares de anos (há artefactos encontrados por arqueólogos que remontam ao Neolítico), artigos de jade foram-se revestindo de particular valor e significado, com habilidosos artesãos a esculpirem designs cada vez mais complexos e intricados.

Nada menos do que oito milénios é o que é preciso recuar no tempo para observar os primeiros habitantes da China Setentrional a começarem a entalhar colares, brincos e outros adereços num tipo de pedra de cor verde e tonalidade ora mais carregada e brilhante, ora mais leitosa e esbranquiçada. “Datando de meados do Neolítico, desde há quase 8000 anos, a antiga cultura chinesa do jade tem uma longa história”, sublinhou Shan Jixiang, director do Museu do Palácio, em Pequim, aquando da exposição em Macau de peças de jade da Dinastia Qing, em 2013. O especialista explicou que, naquela época, as peças de jade – que já se tinham diferenciado dos utensílios de pedra – eram vistas como “objectos que ligavam os homens aos deuses e serviam de oferenda aos últimos”.

Para lá do sentido místico, o jade era um símbolo de estatuto para o seu utilizador. Por exemplo, durante o período entre as dinastias Zhou Ocidental (1046–771 a.C.) e Oriental (771–256 a.C.) e a Dinastia Han (206 a.C.–220 d. C.), a função do jade no antigo sistema ritual chinês acentuou-se tremendamente, com o jade ornamental a simbolizar estatuto e classe. “Os adereços em jade cosidos nas vestes com fio de ouro constituem um exemplo de vestuário fúnebre para a mais alta nobreza”, nota o director do museu que conta com mais de 30 mil artigos de jade e outras pedras preciosas com valor histórico.

A pedra do paraíso

Ao longo dos anos, a matéria-prima foi chamando para si um leque de conotações, mais ou menos místicas, chegando mesmo a ser considerada um elo entre a humanidade e o paraíso. Além de ser, desde logo, símbolo de felicidade, poder e riqueza, o jade foi associado a virtudes intimamente ligadas ao confucionismo e aos valores da justiça e honestidade, além da inteligência. Estabelecendo analogias entre as virtudes do junzi (“pessoa exemplar”) e as propriedade naturais do jade, os confucionistas da Dinastia Han conferiram ao jade as “Cinco Virtudes” e as “Onze Virtudes” do junzi, a pessoa ideal do confucionismo. Antigas citações ligam os homens de virtude ao jade: “A atitude do junzi é aprazível como o jade”, “As nobres virtudes do junzi devem equivaler às do jade”, ou “O junzi deve sempre usar jade, a menos que haja boa razão para não o fazer” são só alguns exemplos.

A antiga cultura chinesa do jade teve assegurados séculos de continuidade, em grande parte graças a essa tão extensivamente aceite “teoria da virtude” do jade. Durante as dinastias Tang (618-906) e Song (960–1279), a matéria-prima secularizou-se ainda mais e é possível observar-se todo um vasto leque de utensílios domésticos, ornamentos e acessórios em jade. A arte de esculpir esse mineral em finais da Dinastia Ming (1368–1644), e a sul do Rio Yangtsé, estabeleceu sólidas fundações para o desenvolvimento da arte do jade evidenciado durante a Dinastia Qing (1644–1911). “As peças de jade da Dinastia Qing, em particular durante o reinado do Imperador Qianlong, representam o culminar desta arte na história chinesa”, considera mesmo Shan Jixiang.

A “era de jade” de Qianlong

O imperador Qianlong (1711–1799), o sexto da dinastia Qing dos manchus e o quarto imperador Qing a reinar (1735–1796) sobre a China Interior (Dezoito Províncias), célebre por ter “expandido o país em 20 mil li quadrados” era um aficcionado dos artigos em jade e utilizava-os para celebrar as suas proezas militares.

Em 1759, o 24.º ano do seu reinado, as rebeliões em Xinjiang tinham sido debeladas e o jade cru dessa região pôde ser extraído pelo governo, de acordo com um sistema fortemente centralizado, sendo enviado para o Palácio Imperial todos os Outonos e Primaveras. Esse ano marca o início de um período dourado para a arte de esculpir o jade. Sob os auspícios do Imperador Qianlong, as diversas manufacturas de jade, incluindo a Oficina de Jade do Palácio Imperial, assim como as manufacturas têxteis de Ruyiguan, Suzhou, Hangzhou, Jiangning e Huaiguan, dedicaram-se extensivamente à produção de utensílios de jade para o Palácio Imperial.

Qianlong era tão apaixonado pelos artigos em jade que chegava mesmo a envolver-se pessoalmente no design da sua criação, escolhendo, por exemplo, os desenhos de padrões, e influenciando a criatividade artística com o seu próprio conhecimento, mestria e gosto. “As peças de jade dos Qing, em particular do período de Qianlong, caracterizam-se pela qualidade das matérias-primas, pelos desenhos precisos e refinados, pelos elevados ideais estéticos e pela soberba técnica e constante inovação, que ultrapassam as de outros períodos”, considera Shan Jixiang.

Muitas das peças existentes na colecção imperial, de resto, remontam ao reinado de Qianlong, com destaque para os enormes selos (carimbos) que usava para dar aprovação aos documentos oficiais ou para marcar certas ocasiões. Esses selos estão entre os melhores exemplos da sua obsessão pelo jade e um deles, criado para celebrar o seu 70.º aniversário, chegou a ser leiloado pela casa Sotheby’s em 2013, em Nova Iorque. O “Selo dos 70 anos do Filho do Paraíso” foi então arrematado pela “módica” quantia de 1,5 milhões de dólares (12 milhões de patacas).

O jade hoje

Quando se fala em jade na China Antiga, é à nefrite – importada sobretudo de Xinjiang e de outras paragens longínquas – que se está a referir, uma vez que a jadeíte não faria a sua entrada no Império, proveniente da Birmânia (actual Myanmar), antes de 1800. A jadeíte é o tipo mais precioso, por ser mais difícil de trabalhar, mas também pela sua raridade – apenas encontrado em 12 locais em todo o mundo. A maior parte (à volta de 70 por cento) da jadeíte extraída actualmente em todo planeta, no entanto, provém mesmo do Myanmar, constituindo metade do rendimento daquele país.

Em 2014, de uma dessas minas foi extraída uma pedra com mais de seis toneladas que foi vendida para um investidor em Xangai por 600 milhões de yuans (737 milhões de patacas). Muitos são os comerciantes que acreditam que haverá sempre uma grande procura de jade no mercado chinês.

A isso não serão alheias as crenças tradicionais, ainda hoje bem vivas entre os chineses, relativamente às funções do jade na vida, tanto no plano terreno como espiritual, das pessoas: estimular a energia vital positiva (qi), absorver as energias negativas e condicionar a pressão arterial; proteger contra acidentes; trazer boa sorte; transmitir o espírito (ling) e o karma (ye) entre as pessoas, na forma de prendas e objectos herdados das mães pelas filhas; ajudar as pessoas a contemplar o universo e o seu lugar nele; e fazê-las sentirem-se em paz.

 

 

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Pequim 2008: Medalhas de jade

Os Jogos Olímpicos de 2008, em Pequim, não foram apenas uma das mais marcantes edições de sempre do maior evento mundial do desporto amador, mas também uma das que trouxe mais inovações. Uma delas foi a utilização, pela primeira vez, do jade na confecção das medalhas olímpicas. Inspiradas nos “bi”, discos de jade da China Antiga gravados com padrões de escamas de dragão, as medalhas simbolizam a nobreza e virtude e incorporam os valores tradicionais chineses da ética e honra, de braços dados com o ideal do olimpismo. Tendo na frente metálica (de ouro, prata ou bronze) a típica cena da deusa da vitória Nike retratada com o Estádio de Panathinaikos ao fundo, as medalhas deixam a nobreza do jade tomar conta do verso num aro em forma de “bi” a contornar todo o elemento metálico central onde se encontra o logo dos Jogos de Pequim 2008 e os anéis olímpicos.

 

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Jade dos tolos

Assim como nem tudo o que reluz é ouro, também nem tudo o que é pedra esverdeada é mesmo jade, havendo muita imitação à venda. Se pretender comprar uma jóia e quiser confirmar se se trata mesmo de jade há algumas características a observar, que o ajudarão a distinguir um artigo verdadeiro de uma fraude.

  1. O peso da pedra. O jade é mais pesado do que as pedras vulgares. É possível sentir a sensação do peso do jade na palma da mão.
  2. Veja com atenção o aspecto geral da peça. Se notar à superfície pequenas bolhas, trata-se de uma pedra falsa.
  3. Observe a existência de pequenos riscos resultantes do seu manuseamento. O jade é mais duro do que o vidro, por isso, não se riscará tão facilmente como uma imitação.
  4. A forma mais segura para distinguir a pedra falsa da verdadeira é partir o objecto. Se for mesmo de jade, o interior deverá ser composto por pequenas partículas minerais. Se for vidro, a superfície quebrada será lisa com um molde de vidro. Mas atenção que, se decidir usar esse método, depois pode já não ter interesse em adquirir a peça…