“Queremos ter uma maior presença no universo lusófono no futuro” 

Crédito: Gonçalo Lobo Pinheiro
A directora dos Serviços de Turismo da RAEM, Maria Helena de Senna Fernandes, acredita que é impossível dissociar Macau da indústria turística, mas que há limites a serem pensados em termos de fluxo de visitantes de forma a não prejudicar a qualidade de vida da população. Com o património e a gastronomia distinguidos pela UNESCO, tem sido possível atrair mais visitantes com visto individual e quebrar a hegemonia das excursões

Crédito: Gonçalo Lobo Pinheiro

Texto Vanessa Amaro e Bruna Pickler  | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

Maria Helena de Senna Fernandes assumiu a direcção dos Serviços de Turismo (DST) em 2012 e, desde então, muito tem mudado na indústria do turismo local, principalmente em termos do aumento do número de visitantes. Nascida e criada em Macau, a responsável pelo turismo da RAEM licenciou-se em Gestão e Marketing em 1987, pela antiga Universidade da Ásia Oriental (actual Universidade de Macau), e entrou para a DST em 1988, tendo desempenhado várias funções no organismo até ser nomeada directora. Em entrevista à MACAU, Maria Helena de Senna Fernandes, que é fluente em cantonês, mandarim, português e inglês, aponta que há sempre limites para o crescimento do turismo e acredita que melhorar a qualidade dos serviços é o melhor caminho para se alcançar um bom equilíbrio.  

Que atributos continuam a fazer de Macau uma cidade tão apetecível para os turistas? 

O nosso património, sem dúvida, continua a ser muito importante para Macau, pois é uma referência para o mundo todo. Os hotéis, os novos resorts, toda esta nova faceta da cidade também é uma componente de interesse para os turistas. Mais do que nunca, Macau tem hoje uma vasta oferta de produtos turísticos, por isso há muita escolha para quem nos visita. A gastronomia, por exemplo, sempre foi um grande componente e nós sabemos que cada vez há mais pessoas que visitam Macau para experimentar os nossos restaurantes e ter experiência em estabelecimentos com estrelas Michelin. Também estamos a apostar bastante em eventos, tanto gratuitos como pagos. Tudo isso junto faz com que Macau seja valorizado como um destino turístico interessante.  

Macau consta na lista de Património Mundial da UNESCO desde 2005; em 2016 passou a integrar o Programa Memória do Mundo da UNESCO com as Chapas Sínicas, e, em 2017, foi designada Cidade Criativa da UNESCO na Gastronomia. Há mais alguma candidatura pensada para um futuro próximo? 

Estamos sempre à procura de mais possibilidades de reconhecimento do que temos. É sempre bom ser premiado. Para atrair turistas, é muito bom esse reconhecimento. Mas ainda precisamos de fazer mais trabalhos de fundo para dar um passo desses. Agora estamos bastante dedicados ao projecto da Área da Grande Baía. Para já, estamos a concentrar-nos em questões complexas, como, por exemplo, a construção e o ajustamento de infra-estruturas internas que possam dar resposta ao desenvolvimento da Grande Baía. É importante estarmos em sintonia com os nossos vizinhos [as outras 10 cidades que fazem parte do projecto], de forma a desenvolvermos bons acessos. Só assim poderemos oferecer mais e melhor a quem nos visita.  

Acredita que o fluxo de turistas em Macau vai ser ainda maior com o projecto da Grande Baía? 

Não temos dúvida, já que tendo uma melhor rede de transportes [a ideia é que todas as 11 cidades estejam a menos de uma hora de distância] haverá um maior movimento de pessoal. E com o aumento do fluxo de pessoas nas cidades vizinhas e mais facilidade para chegarem a Macau, de certeza que teremos mais turistas, principalmente excursionistas. 

macau

De que maneira os turistas do Interior do País com visto individual têm transformado o turismo em Macau? 

Desde 2003, quando a política do visto individual foi lançada, temos tido aumentos consideráveis na entrada de visitantes, e o movimento de turistas fora de excursões tem sido bastante importante para a indústria do turismo. Sabemos que os turistas individuais têm mais liberdade para explorar a cidade, não estão sujeitos a regras de grupos, e por isso, estão mais facilmente interessados em produtos turísticos diferenciados. A tendência é que tenhamos cada vez mais turistas com visto individual. No ano passado, por exemplo, o número de turistas com vistos individuais (10,6 milhões) foi superior ao número de excursionistas (8,6 milhões). 

Mas ainda continua a haver excursões a custo zero ou com preços bastante reduzidos. Isso é bom para o turismo de Macau? 

Continuamos a ver que existe um mercado com interesse neste tipo de produto. Mas a questão é que essas pessoas também não podem exigir qualidade quando não pagam nada pela viagem. Essa é uma questão bastante complexa, porque podemos agir de acordo com a legislação e aplicar sanções quando detectamos irregularidades e abusos – quando os turistas, por exemplo, são obrigados a efectuar compras de elevados valores para compensar a viagem –, mas acreditamos que a melhor estratégia está em educar os visitantes do outro lado da fronteira. Ou seja, se queremos aumentar a qualidade dos nossos produtos e fazer com que as pessoas entendam o correcto valor das nossas atracções, não podemos tolerar esse tipo de excursões. Enquanto houver procura, haverá oferta e nós sabemos que é difícil mudar toda uma estrutura de negócio. A verdade é que este fenómeno existe em várias cidades de todo o mundo, alguns mais sérios do que outros. O importante é que os turistas tenham consciência daquilo que lhes espera se não estão a pagar nada pela viagem.   

De que maneira Macau pode atrair excursões com maior qualidade, ou seja, com grupos de turistas com preferências mais sofisticadas? 

É possível e estamos sempre a incentivar a agências locais a oferecerem produtos diferenciados. Mas também tem de existir um parceiro do outro lado que queira comprar este tipo de produto. Temos de trabalhar tanto na oferta como na procura. É uma questão também de educar as pessoas, fazer mais promoção do verdadeiro valor de Macau. Só assim é possível que os turistas exijam aos agentes de viagem produtos mais sofisticados. Sabemos que este processo não é simples, porque as mudanças por si só são difíceis e estamos a pedir aos agentes que mudem os seus moldes de operação. 

E como é que Macau poderá verdadeiramente atrair novos mercados? A estratégia das representações no estrangeiro tem surtido resultados? 

As representações no estrangeiro, bem como a nossa participação em feiras internacionais, para já têm tido bons resultados. A ideia é continuarmos a expandir o número de representações da DST, mas esse é um processo demorado. Primeiro contratamos uma empresa de consultoria no mercado que temos em mente para um estudo a fundo das potencialidades, para avaliar se é a altura certa para lançarmos as nossas promoções e avançarmos com uma representação. Quando os resultados indicam que há potencial, participamos em actividades como feiras no novo mercado. A partir daí, estabelecemos alguns contactos e podemos iniciar o processo para recrutar o nosso representante.  

Que novos mercados estão debaixo do olho da DST? 

No ano passado fizemos um estudo sobre o Brasil, mas não será algo a implementar a curto ou médio prazo porque o principal entrave é a distância e a falta de ligações aéreas directas. Queremos muito explorar o Brasil por ser o maior mercado de língua portuguesa. Já temos a nossa delegação em Portugal, por isso a ideia é termos uma maior presença no universo lusófono no futuro.  

Crédito: Gonçalo Lobo Pinheiro

Entre Janeiro e Julho deste ano, o número de visitantes já ultrapassou os 19,8 milhões. Quais são as previsões para fechar o ano? 

No início do ano, os nossos estudos indicavam um aumento entre três a cinco por cento em relação a 2017 (32,6 milhões). Parece-nos que vamos chegar ou até ultrapassar os cinco por cento. É difícil dizer com precisão porque a indústria turística é bastante frágil, e qualquer componente externa pode afectar a nossa estabilidade – o mau tempo ou uma epidemia, por exemplo. Por isso, somos conservadores nas nossas previsões. Os números de Agosto vão ser bastante superiores aos do ano passado, já devido à passagem do tufão Hato tivemos de suspender vários grupos em 2017, o que foi uma perda muito grande. A última semana de Agosto é geralmente de pico, por isso, não havendo nada que afecte o mês de Agosto, veremos um forte aumento.  

Nos últimos 10 anos, Macau tem vivido uma curva ascendente em termos de turismo. Com mais turistas, e sendo a região geograficamente pequena, como se pode alcançar um equilíbrio em termos da qualidade de vida da população? 

É uma questão muito complexa. Macau realmente é muito pequeno e há grandes concentrações de visitantes em certos locais. O que temos feito para aliviar um pouco a pressão é enviar mensagens para os telemóveis de números de fora de Macau sempre que o visitante passa a fronteira a alertá-lo para as horas de pico nas atracções mais populares e a pedir-lhes que organizem as suas visitas em horários de menor movimento. Estamos também a promover outros locais para além do Centro Histórico, como forma de espalhar os benefícios que o turismo traz aos negócios locais e dispersar as concentrações de pessoas. 

Que outras zonas seriam essas? 

Vários pontos, porque há sempre algo a oferecer noutros bairros de Macau. Na zona norte, por exemplo, temos alguns templos (Lin Fong, Kum Iam e Seng Wong), o Museu Memorial Lin Zexu e o Jardim Triangular. Essa é uma zona com uma alta densidade de restaurantes também. O bairro de San Kiu é outro bom exemplo: tem uma boa variedade de restaurantes de países do Sudeste Asiático. O que estamos a fazer é tentar criar novos roteiros que atraiam visitantes, que façam com que as pessoas vejam uma outra Macau. Coloane passou a fazer parte do roteiro de muitos turistas e temos promovido muitas as atracções daquela vila. 

Acredita que devem haver limites ao turismo de Macau? 

Há sempre limites. Não estamos à procura de muitos mais turistas. O que queremos é que os visitantes fiquem mais tempo, que possam desfrutar mais da cidade. Neste momento, a média é de 1,2 dia, o que é bastante baixa. Macau sem turistas é impensável, porque o turismo é um dos nossos motores económicos. Mas também não queremos mais e mais. É preferível prezar pela qualidade do que pela quantidade.  

Quais as razões para a média de permanência ser tão baixa? 

Acho que temos tido um bom avanço, porque nos últimos anos tem havido mais turistas a pernoitarem em Macau. No ano passado, pela primeira vez em 10 anos, tivemos mais turistas a pernoitar (52,9 por cento) do que excursionistas que apenas passam o dia na cidade. Estamos a manter o mesmo ritmo de crescimento este ano e acho bastante importante ter mais turistas a passar mais tempo em Macau. A média de ocupação dos hotéis em Julho rondou os 90 por cento; em termos de média anual, devemos ficar nos 85 por cento. Em comparação com outros destinos, a taxa de ocupação de Macau é bastante alta. A questão é os turistas perceberem que há muito mais para fazer do que apenas passar o dia em Macau. Por exemplo, o Festival de Luz, que realizamos no mês de Dezembro, tem contribuído para mais pernoitas porque é um evento que só se realiza à noite e notámos que houve mais pernoitas no período. Temos de criar mais produtos que façam com que os turistas tenham actividade nocturna. Um dado importante é que os turistas que pernoitam em Macau gastam mais (cerca de 3000 patacas per capita, contra as 800 patacas dos excursionistas), por isso temos todo o interesse em termos mais turistas a dormirem nos nossos hotéis. 

O perfil do visitante está a mudar? 

A grande maioria continua ser do Interior do País e de Hong Kong, mas o número de turistas que vêm de fora da Grande China continua a aumentar – no ano passado foram mais de 3 milhões. Em 1999, tínhamos apenas 500 mil visitantes internacionais. Estamos num bom caminho, mas ainda assim é preciso atrair mais turistas internacionais. Com a abertura da ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau, vamos implementar outras estratégias para atrair turistas de outras nacionalidades que passam pelo aeroporto internacional de Hong Kong. O nosso principal entrave é a falta de ligações aéreas com mais destinos internacionais. É um forte condicionante em termos de oportunidades para atrair turistas internacionais. Teremos de reforçar o nosso trabalho nos aeroportos de Hong Kong e Cantão. Macau já contempla muitas nacionalidades com isenção de vistos, por isso há muito por fazer. Um outro público-alvo importante para nós é o chinês ultramarino, ou seja, pessoas de origem chinesa que vivem em outros países. Recentemente tivemos um grande grupo de chineses emigrados na Austrália.  

Macau tem também apostado mais recentemente em grandes eventos para atrair turistas. Que impacto estes eventos têm tido no número de visitantes? 

Muitas vezes é difícil contabilizar e associar um certo aumento de visitantes a determinado evento. Acho que também é bastante importante que possamos dinamizar a imagem internacional de Macau, e eventos como o Festival Internacional de Cinema podem contribuir para isso – além de ser, neste caso específico, um impulso à indústria cinematográfica local. Estamos a fazer um grande investimento em atrair talentos internacionais e a incentivar produtores e directores a rodarem os seus filmes aqui. Na edição deste ano [de 8 a 14 de Dezembro], vamos ter o Nicolas Cage como embaixador, e também Aaron Kwok, de Hong Kong. Como presidente do júri vamos ter Chen Kaige, o único realizador chinês a vencer uma Palma de Ouro, com o aclamado Farewell my Concunbine. Também vamos ter uma nova secção dedicada a filmes em língua chinesa e já estamos à procura de grandes filmes dos Estados Unidos. Não queremos apenas os grandes sucessos de bilheteira, mas também filmes que sejam inovadores em termos de criatividade de forma a termos uma maior variedade. Ter eventos deste nível não é apenas um atrativo extra, mas sim uma nova forma de projectar a imagem internacional da cidade.  

Há mais eventos na calha? 

Há sempre novos eventos, nem todos da responsabilidade da DST. Da nossa parte, vamos relançar um novo formato do Fórum da Gastronomia, que aconteceu pela primeira vez em 2016, todos os meses de Janeiro. Além das discussões que fazem parte do fórum, queremos trazer chefs 

de cozinha das 25 cidades que, juntamente com Macau, fazem parte da lista das Cidades Criativas da UNESCO em Gastronomia, para actividades de demonstração e degustação. A ideia é termos uma espécie de feira popular para que cada cidade faça promoção da sua gastronomia e, ao mesmo tempo, ofereça pratos diversificados aos residentes e aos turistas. 

Já há previsão para a abertura do novo Museu do Grande Prémio? 

A nossa ideia é termos tudo pronto até ao final de 2019, mas estamos sempre dependentes do estado do tempo, porque temos algumas intervenções a serem feitas no exterior. 

Crédito: Gonçalo Lobo Pinheiro

Há outras atracções que também precisem de ajuste? 

Para já ainda estamos a tentar encontrar um lugar para instalar o Museu do Vinho. Estamos a estudar qual será o melhor local para ter este museu que consideramos bastante atractivopara os turistas. Até ao final do ano vamos também avançar com as excursões marítimas, que faça um percurso pelas costas de Macau, Taipa e Coloane. Este é um produto interessante, que alivia também um bocado a pressão nas principais atracções. 

Quais são os grandes desafios para o desenvolvimento do turismo de Macau? 

Há algumas componentes da nossa infra-estrutura que devem ser melhoradas para satisfazer os turistas. Ainda assim, para mim a qualidade do serviço é o ponto mais importante – e isso vai muito além do papel do Governo, é um trabalho conjunto entre várias partes. Só com a melhoria da qualidade dos nossos serviços é que podemos garantir que os turistas tenham vontade de regressar a Macau. Se o serviço é mau, a impressão é insatisfatória. Sabemos que a nossa população não é grande e que dependemos de muitos recursos de fora, mas nem sempre a mão-de-obra importada consegue oferecer um serviço de topo. Por isso, temos apostado em várias campanhas para incentivar um bom serviço em diferentes sectores que compõem a indústria do turismo, e temos também disponibilizado acções de formação. 

O slogan do Turismo é “Sentir Macau”. Qual acha que é a melhor forma de um turista sentir Macau? 

Nós realmente achamos que há muitas maneiras de explorar Macau, há muitas facetas da cidade a descobrir. E é por isso que temos apostado na campanha “Sentir Macau ao Seu Estilo”. Queremos que os turistas venham a Macau com tempo e que desfrutem de todas as coisas interessantes que temos. Para mim, a melhor maneira de sentir Macau é através do património e da gastronomia, aproveitar a cidade sem pressa, apreciar um bom chá da tarde, ver simplesmente o tempo a passar…