Relações bilaterais ditam importância do encontro em Pequim

A terceira edição do Fórum China-África (FOCAC), que decorreu no início de Setembro em Pequim, contou pela primeira vez com a participação de todos os países africanos de língua portuguesa

Texto Bruna Pickler 

A importância da participação dos países africanos de língua portuguesa no Fórum de Cooperação China-África (FOCAC) “deve ser avaliada no contexto das relações bilaterais” que estes mantêm com Pequim, segundo Glória Batalha, secretária-geral adjunta do Fórum de Macau. 

Em causa, enuncia a mesma responsável, está a participação de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, os cinco países africanos entre os oito que fazem parte do Fórum de Macau, uma plataforma de cooperação multilateral entre a China e os países de língua portuguesa. 

O Fórum de Macau foi criado em Outubro de 2003, por iniciativa do Governo Central, com o  objectivo de impulsionar e fomentar as relações comerciais e culturais entre a China e os países de língua portuguesa, procurando privilegiar Macau como plataforma entre estas economias. 

Em quase duas décadas, as relações comerciais dos países lusófonos com a China registaram um aumento significativo, em boa parte como consequência da acção do Fórum de Macau. Se em 2002, antes do estabelecimento do Fórum, o valor global das trocas comerciais era de cerca de seis mil milhões de dólares norte-americanos, em 2017 foi de 117,6 mil milhões de dólares, segundo dados da Alfândega da República Popular da China. 

Já o investimento directo da China nos países lusófonos passou de 56 milhões de dólares em 2003, para cerca de cinco mil e 700 milhões de dólares em 2016, sendo que o investimento total da China nestes países é de 50 mil milhões de dólares. Desde 2015, a média anual do investimento directo da China no continente africano fixou-se em três mil milhões dólares, com destaque para novos sectores como indústria, finanças, turismo e aviação. 

 

Um “marco” 

A terceira edição do FOCAC juntou em Pequim, entre 3 e 4 de Setembro, dezenas de chefes de Estado e de Governo do continente africano. A cimeira contou com três novos países: São Tomé e Príncipe, Burkina Faso e a Gâmbia, que elevam assim para 53 o número de nações africanas com relações com a China. O primeiro Fórum de Cooperação China-África aconteceu em Pequim, em 2006, e a segunda edição decorreu na África do Sul, em 2015. 

O Presidente Xi Jinping considerou o FOCAC um “marco” na relação Sul-Sul, afirmando que “China e África aproveitarão a força da sua amizade e a confiança mútua”. 

Xi Jinping destacou o “êxito” da cimeira, incluindo o plano de acção adoptado, que visa fortalecer a cooperação nos sectores comércio, saúde, ambiente, infra-estruturas e indústria, o que “dará um forte impulso à cooperação sino-africana”. 

Para cumprir aqueles objectivos, o Presidente  anunciou 60 mil milhões de dólares norte-americanos em assistência e empréstimos para os países africanos, nos próximos três anos, e um perdão de dívida para as nações mais pobres. “Os líderes chineses e africanos falaram a uma só voz” durante estes dias, para consolidar as relações baseadas no “benefício mútuo” e “boa-fé”. “Queremos contribuir conjuntamente para a paz e desenvolvimento de África”, afirmou o Presidente chinês. 

Angola quer mais investimento 

O presidente de Angola manifestou durante o seu discurso o desejo de ver aumentado o investimento directo de empresas chinesas na produção de bens de amplo consumo. João Lourenço indicou que este investimento pode ser feito através do estabelecimento de parcerias mutuamente vantajosas com empresários angolanos, na partilha de tecnologia e de conhecimento científico e na formação de quadros angolanos. 

Lembrando que a nova legislação angolana se tornou mais atractiva para o investidor nacional e estrangeiro, João Lourenço disse estar criado um melhor ambiente de negócios. O chefe de Estado defendeu, para assegurar o êxito dos programas bilaterais de cooperação, o estabelecimento de “mecanismos práticos que possibilitem o acesso aos recursos financeiros necessários para o sucesso das medidas de políticas estabelecidas pelas nações africanas”. 

Para o efeito, João Lourenço considera “necessário” que as instituições bancárias africanas e da China desempenhem um papel importante” com o objectivo de tornarem real esta vontade política de ambos os lados” em proporcionar os recursos e desenvolver projectos que garantam um desenvolvimento que se revele “mutuamente vantajoso”. 

A participação ao mais alto nível de Angola no Fórum de Cooperação China-África (FOCAC) também teve o objectivo de alargar as negociações para uma nova linha de crédito chinês destinada ao financiamento de vários projectos.  

Cabo Verde com apoio para Zona Especial 

O primeiro-ministro de Cabo Verde encontrou-se em Pequim com responsáveis do Banco de Desenvolvimento da China, “uma das maiores instituições financeiras do desenvolvimento no mundo”, escreveu José Ulisses Correia e Silva na sua conta pessoal no Facebook. 

Correia e Silva escreveu ainda que o governo de Cabo Verde pretende elevar as relações com a China, “a fim de tornar o arquipélago num importante parceiro económico e estratégico daquele país”, nomeadamente com a construção conjunta da Zona Especial de Economia Marítima de São Vicente (ZEEMSV). 

A ZEEMSV é um projecto para cuja construção o governo cabo-verdiano “deseja contar com fortes parcerias de instituições financeiras, nomeadamente do Banco de Desenvolvimento da China.” 

O primeiro-ministro adiantou ter sido gratificante receber da parte do Banco de Desenvolvimento da China “abertura total para partilhar a sua grande experiência no financiamento da construção de infra-estruturas do género, bem como no desenvolvimento de uma cooperação profícua neste sector.” 

Moçambique com memorandos de entendimento 

Entidades de Moçambique e da China assinaram em Pequim, durante um fórum de negócios quer antecedeu o FOCAC, oito memorandos de entendimento, nas áreas das infra-estruturas, indústria, telecomunicações, agricultura e serviços financeiros. 

No sector das infra-estruturas, foram assinados memorandos para a construção de uma estrada entre a província do Niassa, no extremo noroeste do país, e a Tanzânia, e a recuperação da Estrada Nacional número seis, que liga a cidade da Beira, em Sofala, à vila fronteiriça de Machipanda, na província de Manica. 

Um outro memorando, entre a Administração Nacional de Estradas de Moçambique e a China Road and Bridge Corporation, inclui a construção de um troço entre Pambara, no distrito de Vilanculos e Mangungumete, no distrito de Inhassoro, na província de Inhambane, sul do país. 

Outro documento prevê a construção de um sistema integrado de transportes entre o vale do Limpopo e o porto de Chongoene, no sul da província de Gaza. Parques industriais em Boane e Marracuene, na província de Maputo, fazem parte do memorando assinado entre o Ministério moçambicano da Indústria e do Comércio e o grupo China Civil Engineering Construction. 

Também o Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar de Moçambique assinou um memorando com o grupo China Railway 20 Bureau Group Corporation e a Northwest University. 

No sector da tecnologia de telecomunicações, a chinesa Huawei selou um memorando de entendimento com a Moçambique Celular, enquanto na área financeira o banco moçambicano Millennium bim assinou um memorando com a UnionPay, empresa chinesa líder em sistemas de pagamentos electrónicos. 

Guiné-Bissau pede apoio 

O presidente da Guiné-Bissau, José Mário Vaz, revelou que apresentou às autoridades uma série de projectos ligados aos sectores da agricultura, turismo, pescas, infra-estruturas e minerais com vista a obter financiamentos para a sua concretização.  

Em declarações à imprensa, o chefe de Estado guineense disse estar convicto de que os projectos seleccionados são “motores para o crescimento económico da Guiné-Bissau”, e que por esse motivo irão beneficiar do apoio financeiro do governo chinês. José Mário Vaz não quantificou o montante total dos projectos em causa, mas garantiu que uma vez financiados as autoridades chinesas vão acompanhar a execução dos planos. 

Além de um encontro com o seu homólogo chinês Xi Jinping, a delegação guineense também visitou o agrónomo Yuan Longping, conhecido como o “pai do arroz híbrido”, que introduziu uma nova variedade na produção daquela planta que tem tido resultados positivos nos arrozais da Guiné-Bissau.  

Guterres enaltece papel do FOCAC 

O Fórum de Cooperação China-África é um instrumento “absolutamente vital” para o sucesso do desenvolvimento do continente africano, como frisou António Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), que fez um discurso no final do evento. “Este fórum é uma ferramenta importante, através da qual é possível tanto para os líderes chineses como para os africanos discutirem assuntos de interesse comum. É uma peça central na cooperação Sul-Sul. Aliás, a cooperação Sul-Sul tem-se tornado cada vez mais importante no mundo de hoje e tem permitido aos países africanos beneficiar do notório crescimento económico da China nas últimas décadas”, acrescentou. 

Descrevendo-se como um grande defensor de todas as iniciativas Sul-Sul, Guterres disse acreditar que a capacidade de compromisso da ONU depende muito do sucesso na África, em termos das expectativas da população mundial. “E com a dimensão e a importância da economia chinesa, a cooperação económica entre África e a China desempenha um papel estratégico muito importante.” 

O secretário-geral da ONU referiu ainda que foi “um grande prazer” ter sido convidado pelo Presidente Xi Jinping para a cúpula do FOCAC. Esta foi a segunda viagem de Guterres à China este ano e a terceira desde que assumiu o cargo na ONU. Durante a sua visita, Guterres referiu a oportunidade para discutir com as autoridades chinesas todos os aspectos das actividades da ONU e dos três pilares da organização (paz e segurança, direitos humanos e desenvolvimento). 


Oito iniciativas para o futuro 

  1. Promoção industrial

– Uma nova feira económica e comercial China-África será lançada na China para incentivar o investimento chinês em África. 

– Zonas de cooperação económica e comercial em África serão melhoradas. 

– 50 novos programas de assistência agrícola serão estabelecidos. 

 

  1. Conectividade deinfraestruturas 

– Um novo plano de infra-estruturas será coordenado com a União Africana. 

– Mais empresas chinesas serão incentivadas a trabalhar em projectos de infra-estrutura africanos, particularmente em energia, transporte, informação, telecomunicações e recursos hídricos transfronteiriços. 

– Mais voos directos serão estabelecidos entre a China e África. 

– A China facilitará a emissão de títulos pelos países africanos para financiar projectos. 

– Os países africanos terão mais acesso ao financiamento através do Banco Asiático de Investimento em Infra-estrutura, do Novo Banco de Desenvolvimento e do Fundo da Rota da Seda 

 

  1. Facilitação do comércio

– As importações de produtos não provenientes da África serão aumentadas. 

– Os países africanos receberão apoio para participar da China International Import Expo, em Xangai, em Novembro. 

 

  1. Desenvolvimento Verde

– Serão lançados 50 novos projectos para o desenvolvimento ecológico e protecção ambiental em África, incluindo áreas como a desertificação e a protecção da vida selvagem. 

– Será criado um novo centro de cooperação ambiental China-África. 

 

  1. Capacitação

– A China apoiará África no planeamento do desenvolvimento económico e social. 

– Dez acções de formação serão para oferecer treino vocacional. 

– Um novo centro de cooperação em inovação China-África promoverá a inovação e o empreendedorismo dos jovens. 

– A China oferecerá 50.000 bolsas de estudo a jovens africanos, bem como 50.000 oportunidades de estágio. 

– 2000 jovens africanos vão receber viagens para visitas de intercâmbio. 

 

  1. Cuidados de Saúde

– Actualização de 50 programas de assistência médica e de assistência médica em África. 

– Programas de cooperação em áreas como HIV/ SIDA e malária. 

– Formação de mais médicos especialistas em África. 

 

  1. Intercâmbiocultural

– Um instituto de estudos africanos será estabelecido para melhorar a partilha de conhecimentos. 

– 50 eventos culturais, desportivos e turísticos conjuntos serão organizados. 

– Rede de meios de comunicação China-África será estabelecida. 

 

  1. Paz e segurança

– Novo fundo a ser criado para impulsionar os esforços de paz e segurança. 

– A ajuda militar à União Africana será continuada. 

– Novo fórum de paz e segurança China-África será estabelecido. 

– 50 novos programas de segurança serão lançados. 

 

Fonte: China Daily