A ressurreição do “Made in Macau”

O Centro de Produtividade e Transferência de Tecnologia de Macau (CPTTM) foi criado em 1996 com o propósito de ajudar a requalificar o sector manufactureiro de Macau, num período em que a indústria têxtil já enfrentava um rápido declínio. Em entrevista à MACAU, a vice-directora geral do organismo, Victoria Kuan, conta como os frutos estão à vista a o fim de uma década e meia de existência

Texto Marco Carvalho | Fotos Tatiana Lages

Um dos aspectos que o Centro de Produtividade e Transferência de Tecnologia de Macau tem vindo a trabalhar desde há quinze anos é o da alavancagem da indústria da moda em Macau. Quanto do sucesso obtido internacionalmente por criadores pode ser atribuído ao CPTTM?

Antes de 1999, a indústria manufactureira era responsável pela maior fatia das exportações com origem em Macau. Quando o CPTTM foi formado, em 1996, uma das nossas missões era trabalhar para que este estatuto se pudesse manter mas com a diversificação dos processos económicos a nossa missão complicou-se e tivemos de encontrar uma nova vocação. Quando as fábricas fecharam, os trabalhadores rumaram a outros sectores e a solução passou pela aposta nas novas gerações. Chegámos à conclusão de que precisávamos de ter cursos de moda em Macau, que era algo que não existia de todo apostando assim na formação. Em 2003 começámos a cooperar com a Direcção de Serviços de Educação e Juventude e a trabalhar com escolas secundárias, que passaram a oferecer cursos de moda de três anos e a atribuir os respectivos diplomas. Desde então, Macau tem vindo a disputar a World Skills, uma competição que se propõe avaliar as competências de quem participa.

A Direcção dos Serviços de Assuntos Laborais incumbiu-nos de ajudar no domínio da tecnologia de moda e nesse mesmo ano juntámo-nos à competição, com a participação na prova de design de moda.

Ao longo de todos estes anos, desde 2003, temos vindo assim a dar formação a jovens, a incubar projectos e a fomentar a participação em competições, para que estas pessoas se tornem criadores de moda.

Tem uma ideia do número de jovens que se formaram desde então nos cursos ministrados pelo CPTTM? 

Ao longo dos últimos 15 anos, foram mais de 200, os alunos que obtiveram connosco o diploma em moda. No entanto, todos os anos acolhemos mais de três mil alunos em diferentes cursos. Com os dados que temos, e que resultam de um dos projectos de incubação que apoiamos, bem como da atribuição de subsídios por parte do Governo, sabemos que os criadores que se assumiram como tal e estão a trabalhar como tal são mais de 40. Estou a falar, obviamente, de criadores locais.

 

Os cursos de formação não são, no entanto, a única faceta do trabalho desenvolvido pelo CPTTM…

Promovemos um espectáculo de moda, o Desfile de Moda de Macau, num evento denominado Centrestage, onde levamos 12 criadores de Macau. Além das acções de formação, em 2007 introduzimos também um projecto de incubação de dois anos. Temos um director de arte e recrutamos anualmente três criadores que concluem a formação em moda. Os designers seleccionados formam equipas, nós concedemos-lhes um orçamento e eles fazem o resto: investigam novas tendências, procuram tecidos e estabelecem contacto com fabricantes. No fim, organizamos um espectáculo de moda e estes criadores têm de idealizar e conceber uma colecção com 24 peças. Também temos uma Galeria de Moda, na zona de São Lázaro, na qual promovemos “pop-up shops”: os criadores podem ali colocar as suas criações de forma a darem-se a conhecer a eventuais clientes.

Qual é a principal ambição dos criadores locais?

Um dos nossos objectivos é o de providenciar os meios e a visibilidade para que se internacionalizem. Além de Macau, de fazerem uma mão cheia de peças para clientes locais, os estilistas devem concentrar-se no mercado chinês. Quando criámos o projecto de incubação, em 2007, o objectivo era centrar atenções na zona da Grande Baía porque o tipo de corpo dos clientes, os gostos e o clima nesta região são similares a Macau mas alguns jovens criadores mostraram-se também interessados em tentar a sorte nos mercados da Ásia Oriental e do Sudeste Asiático e em países como a Tailândia ou as Filipinas onde os consumidores gostam de peças e de criações únicas.

Acredita que os estilistas de Macau já atingiram um grau de maturidade e de profissionalismo que lhes possa garantir uma presença bem sucedida nos grandes palcos internacionais?

É uma questão de qualidade e de originalidade. O vestuário feito em Macau sempre teve muita qualidade. No passado exportávamos em quantidade e qualidade, mas não inovávamos em termos de design. As nossas fábricas têxteis produziam roupa com qualidade e Macau sempre gozou de uma boa reputação tanto no mercado europeu, como no mercado norte-americano. A nossa mão-de-obra era boa e a reputação que tínhamos no estrangeiro era boa. A questão é que nos limitávamos a produzir peças concebidas por outros estilistas.

Originalidade e criatividade são agora palavras-chave para o CPTTM?

Essa é a missão a que nos propomos e é com esse intuito que temos vindo a trabalhar tão arduamente. Esse foi sempre, ao longo dos últimos 20 anos, o nosso maior objectivo. Pelo menos agora, os residentes de Macau parecem ter consciência de que existe uma indústria da moda no território, bem como criadores locais. Há talento em Macau e cabe-nos a nós encorajar esse talento para que não abram mão da carreira ou desistam a meio do caminho. A nossa esperança é que os criadores locais possam olhar para a moda como um trabalho a tempo inteiro e não apenas como uma actividade dos tempos livres. Aquilo que lhes digo é que não tenham a tentação, logo desde o início, de construir o seu próprio negócio. Têm que começar pelo início, de encontrar um emprego, de estagiar ou trabalhar num atelier de moda. Além de receberem um salário estão a aprender. Aprendem a construir uma cadeia de abastecimento, ficam a conhecer os locais onde podem adquirir tecido, onde podem encontrar compradores ou o que têm que fazer para entrar nos circuitos de moda.

Macau é um território muito pequeno, no qual não é fácil encontrar fornecedores. Qual é actualmente o ponto de situação quanto à indústria da moda?

Ao longo dos últimos anos, os hotéis procuraram trabalhar com criadores locais e com pequenas e médias empresas do sector da moda e temos vindo a assistir ao aparecimento de casos de sucesso. Os estágios dos alunos do ensino secundário que estudam moda são feitos em colaboração com algumas unidades hoteleiras. Durante o estágio é dada oportunidade aos alunos de fazer arranjos simples, de tirar medidas ao corpo dos funcionários, de proceder a ajustamentos nos uniformes e por aí adiante. Há ainda protocolos para estágios em produções teatrais, onde o guarda-roupa é enorme. Os estagiários ajudam a proceder a intervenções nos trajes.

O que é que tem de ser feito por designers, por empresas e pelo próprio CPTTM para que a indústria da moda se afirme ainda com maior vitalidade?

Em Macau, os criadores são bons, mas estão sozinhos. Têm de tratar sozinhos de questões burocráticas, administrativas e logísticas e, muitas vezes, o tempo que lhes sobra para criar é mínimo. Muitos concebem as suas peças, o seu trabalho criativo ao final do dia ou à noite porque durante o dia tiveram de ir falar com um fornecedor ou de resolver uma ou outra questão com fabricantes. O CPTTM procura fazer o que está ao seu alcance para aliviar o fardo administrativo com que se depara para que se possam concentrar na produção de novas colecções e de novas peças. O próximo passo passa por procurar perceber de que forma podemos ajudar a transformar uma paixão num negócio viável. Para que isto seja possível, a mentalidade dos próprios criadores tem que mudar pouco a pouco. Há designers para quem pouco dinheiro já é algum dinheiro. Estes criadores não querem que os negócios cresçam de forma desmesurada, não querem ser os estilistas com lojas em tudo o que é aeroporto ou centro comercial.

De que forma é que o fortalecimento das indústrias criativas ajudou a mudar mentalidades em relação à indústria da moda?

Durante muito tempo o CPTTM foi a única entidade a promover a indústria da moda: formámos criadores e facultamos formação e aconselhamento. Estas competências continuam a ser competências exclusivas do Centro para a Produtividade e Transferência de Tecnologia de Macau. O Governo começou, entretanto, a acarinhar as indústrias criativas e alegra-me muito que a moda seja contemplada nesse projecto. Desde então, o Instituto Cultural tem dado um importante contributo para a promoção da indústria da moda local atribuindo subsídios no valor de 160 mil patacas aos criadores que apresentam os melhores projectos no âmbito do chamado “Programa de Subsídios à Criação de Amostras de Design de Moda 2018”. Esta iniciativa permitiu que muitos criadores tivessem a oportunidade de desenvolver as suas próprias colecções. Na minha perspectiva, o Governo está consciente do valor da indústria da moda e esta promoção, no âmbito das indústrias criativas, tem ajudado muito o sector.

Pode-se afirmar que a Galeria de Moda de Macau funciona como uma montra do trabalho que o CPTTM tem vindo a desenvolver?

Como o nosso departamento de Moda está situado num edifício industrial na Areia Preta, pedi ao Instituto Cultural para nos facultar um local onde pudéssemos dar a conhecer o trabalho dos designers. A galeria constitui um bom impulso mas não é suficiente.

O facto de estar situada no Bairro de São Lázaro, numa zona com grande valor patrimonial, é um aspecto positivo. Há sempre muitos turistas no Bairro de São Lázaro, o que é bom em termos promocionais. No entanto, se tivéssemos mais recursos e pudéssemos investir no aspecto comercial da Galeria, com a criação de uma área comercial propriamente dita, seria perfeito para os estilistas locais. No próximo ano vamos mudar de estratégia e vamos facultar lojas permanentes para designers. Vamos deixar de contar com lojas “pop up” e vamos, em contrapartida, criar espaços de vendas onde os criadores locais se podem revezar durante períodos mais ou menos prolongados de tempo no sentido de dar a conhecer o seu trabalho já que o  criadores amadureceram e concebem frequentemente novas colecções e, como tal, garantem-nos novos produtos de tempos a tempos. Esta regularidade fez com que equacionássemos a criação de lojas para promover as marcas dos criadores locais. No passado não sabíamos muito bem que produtos podíamos expor. Íamos buscar algumas criações com as quais os criadores locais se tinham evidenciado em desfiles internacionais, mas estas peças eram insuficientes e tínhamos de convidar estilistas portugueses para mostrar as suas criações, como foi o caso com o Nuno Baltazar.

Que outros planos tem o Centro de Produtividade e Transferência de Tecnologia para os próximos meses?

No nosso Departamento de Tecnologia do Vestuário, na Areia Preta, providenciamos vários tipos de serviços. Temos uma impressora destinada em exclusivo à impressão de tecidos. Os criadores podem conceber os padrões que querem no computador e depois nós permitimos que usem essa máquina para criar uma pequena quantidade de tecido. Temos máquinas de bordar e outras que cortam a laser. Nos próximos meses vamos receber novas máquinas direccionadas para a estampagem e  impressão. Organizamos também seminários que agora estavam apenas direccionados para a indústria da moda, mas dentro em breve vamos promover alguns sobre formas de fazer negócio. Convidámos para este iniciativa estilistas locais de sucesso, que têm lojas e ateliers no interior do País. Eles foram convidados para partilhar a sua experiência. Convidamos também consumidores de produtos de marca de Hong Kong e do interior da China, para que possam discorrer sobre os seus gostos e possam ensinar os criadores locais. Por outro lado, vamos organizar seminários sobre tecnologias da informação. Para além de dinamizar o Festival de Moda de Macau, estamos apostados em formar e treinar novos talentos. É neste aspecto que nos vamos focar ao longo dos próximos meses.


APRENDER COM AS OLIMPÍADAS DO TALENTO

WorldSkills

No início de Janeiro, Victoria Kuan ruma à cidade russa de Kazan para participar na reunião preparatória da próxima edição da WorldSkills, competição internacional que é muitas vezes referenciada como as “Olimpíadas do Talento e da Educação Profissional”.

Os jovens profissionais até aos 22 anos competem em categorias como transportes e logística, tecnologia em manufactura e engenharia, serviços sociais e pessoais ou artes criativas e moda.

Macau disputa o Torneio Internacional de Educação Profissional desde 2003 e Victoria Kuan esteve desde a primeira hora envolvida na participação de Macau.

A vice-Directora Geral do CPTTM não tardou a perceber que a iniciativa, mais do que a possibilidade de exibir competências, constituía solo fértil para a aprendizagem e para a troca de conhecimentos. Alguns dos que adquiriu ajudaram a profissionalizar a indústria da moda do território.

A mais recente edição da WorldSkills decorreu em Abu Dhabi em Outubro do ano passado e reuniu na capital dos Emirados Árabes Unidos mais de 1300 jovens em representação de 79 países e territórios. Kazan recebe o certame entre 22 e 27 de Agosto do próximo ano.