A artista que precisa do público para completar uma obra

Para Kamyi uma obra de arte completa-se com a interacção do público. “Quero que as pessoas tenham a capacidade de alterar a natureza da minha arte”, diz à MACAU a jovem artista, que encontrou na tecnologia de ponta uma forma de reflectir sobre o mundo

Texto Catarina Domingues | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

Enquanto falamos ao telefone, a voz de Kamyi projecta-se no espaço, e deste lado, em Macau, percebe-se a amplitude do Teatr Studio. Assim se chama um dos inúmeros palcos do imponente (e controverso) Palácio da Cultura e da Ciência de Varsóvia, na Polónia. É nesse edifício, símbolo da ocupação soviética, erguido nos anos 1950 por iniciativa de Estaline, que decorrem hoje os ensaios de Witkacy/Two Headed-Calf 

A peça, com encenação de Natalia Korczakowska, é uma adaptação de Metaphysics of a Two-Headed Calf, obra do escritor e dramaturgo Stanisław Ignacy Witkiewicz (mais conhecido como Witkacy), inspirada numa viagem que o autor polaco fez entre a Papua-Nova Guiné e a Austrália, após o suicídio da mulher com quem ia casar. Witkacy acabaria por tirar a própria vida a 18 de Setembro de 1939, na Ucrânia, ao tomar conhecimento da invasão soviética da Polónia. 

Nesta adaptação, a encenadora reflecte sobre a viagem feita pelo protagonista de Witkacy, e estende-a à infinitude do Death Valley, no leste da Califórnia. “A jornada de Patriacianello é também uma viagem à sua essência. A intensa cor das flores tropicais, um abismo negro, morto, de uma noite no deserto, e o calor do sol vermelho a nascer são manifestações dessa viagem”, escreve Natalia Korczakowska na apresentação da peça, que vai subir daqui a uma semana ao palco do Festival de Teatro Internacional da Divina Comédia, em Cracóvia.   

Kamyi, artista de Macau, é a responsável pelo vídeo neste projecto, que resulta de uma parceria entre o Teatr Studio e o instituto norte-americano de Artes da Califórnia (Calarts), onde a jovem está a estudar. “O espectáculo fala sobre personagens que viajam entre o mundo real e o metafísico, e o vídeo oferece mais camadas para abordar esse mundo metafísico”, nota a artista à MACAU, referindo que o projecto recorre a animações e imagens filmadas em tempo real. 

Numa das cenas, complementa Kamyi, é utilizada uma rede mecânica que desce e sobe no palco. “Existe uma câmara a filmar os actores que estão dentro da rede e a projectar essa imagem cá fora. Também animámos algumas flores gigantes, irreais, para dar a sensação que as personagens estão num mundo tropical e metafísico.”  

Kamyi, artista de Macau, é a responsável pelo vídeo neste projecto, que resulta de uma parceria entre o Teatr Studio e o instituto norte-americano de Artes da Califórnia (Calarts), onde a jovem está a estudar. “O espectáculo fala sobre personagens que viajam entre o mundo real e o metafísico, e o vídeo oferece mais camadas para abordar esse mundo metafísico”, nota a artista à MACAU, referindo que o projecto recorre a animações e imagens filmadas em tempo real.

Numa das cenas, complementa Kamyi, é utilizada uma rede mecânica que desce e sobe no palco. “Existe uma câmara a filmar os actores que estão dentro da rede e a projectar essa imagem cá fora. Também animámos algumas flores gigantes, irreais, para dar a sensação que as personagens estão num mundo tropical e metafísico.”

De Macau a Los Angeles

Kamyi, nome artístico de Kam Ying Lee, nasceu em Hong Kong, mas ainda criança mudou-se para Macau. Esteve ligada à música desde pequena – começou a tocar piano aos cinco anos – e só depois do secundário é que percebeu que caminho queria seguir.

Na Universidade de Macau estudou Comunicação. “Era a licenciatura mais interessante”, salienta nesta entrevista, ao telefone, desde a Polónia. “Tinha interesse em fazer filmes, documentários, programas de televisão, publicações, mas acima de tudo interessava-me comunicar com as pessoas de diferentes formas”, acrescenta.

Não é nesta área que Kamyi trabalha actualmente, mas foi esse o percurso necessário para chegar ao dia de hoje. Por volta do terceiro ano de faculdade, a estudante juntou-se a artistas locais para participar num conjunto de projectos, incluindo Um Sonho de Luz, em que foram projectadas imagens sobre as Ruínas de São Paulo. “No início estava mais ligada aos filmes, mas depois mudei e comecei a fazer coisas muito visuais e, por isso, iniciei um mestrado na área das artes interactivas”, conta.

Kamyi está a viver há dois anos em Los Angeles, onde frequenta o mestrado em Interactive Media for Performance. “Fazemos vídeos, projecções, programações interactivas, experiências imersivas como AR (realidade aumentada), VR (realidade virtual), coisas que ninguém fez antes e que requer tecnologia de ponta”, explica.

A tecnologia foi, aliás, decisiva para a artista de 28 anos encontrar a voz que queria ter no mundo da arte.

“Não quero que a minha arte seja passiva” 

“Quero que a minha arte seja interactiva. As formas mais antigas de arte são passivas, ou seja, quando olhas para uma pintura, estás ali em pé, pensas, entendes, e prossegues, e eu espero qualquer coisa de diferente. Não quero que a minha arte seja passiva, mas activa, quero que as pessoas possam mudar a natureza da minha arte”, reflecte Kamyi. 

A artista interdisciplinar acredita, por exemplo, que uma obra sua “está incompleta até o público interagir com ela”, e dá como exemplo o projecto The Peach Blossom Land, apresentado em Maio passado na Exposição de Arte Digital 2018, que se realizou no Walt Disney Modular Theatre, em Los Angeles. Numa sala, Kamyi pendurou 10 guarda-chuvas vermelhos que remetiam para um ambiente trágico, de incêndio, um espaço a arder. No entanto, ao tocar num deles, o vermelho dava lugar ao verde ou ao azul, transmitindo a ideia de paz e de ligação à natureza. “A ideia é dar esperança às pessoas, no sentido de que quando elas fazem algo podem mudar certas circunstâncias para melhor”, explica. 

Também a ideia da união ganha aqui força neste projecto: “Nesta instalação tinha 10 guarda-chuvas e se, por exemplo, três pessoas tocassem em três guarda-chuvas, todos eles eram accionados, ou seja, todos eles passavam do vermelho para o azul”. 

Para além desta vertente interactiva “sempre baseada na tecnologia”, o trabalho de Kamyi procura reflectir o mundo que nos rodeia. Em The Galaxy Above You, outra instalação apresentada em Los Angeles, foi colocado um sensor dentro de uma tenda triangular. Diferentes gestos de mãos accionavam diferentes movimentos das estrelas. “Quando eu era pequena não conseguia ver estrelas por causa da poluição, mas em Los Angeles vêem-se facilmente e esse foi o meu ponto de partida.”  

Futuro  

Num vídeo, uma mulher tenta comer vegetais, mas não consegue fazê-lo, porque se encontram envolvidos em plástico. Conta Kamyi que esta é a ideia que está a trabalhar no momento. Novamente aqui são as preocupações ambientais que dão forma ao trabalho da artista de Macau. “E é [um trabalho] interactivo, no sentido de que tenho um receptor de moedas, daqueles que encontrarias numa máquina automática. Colocas a moeda lá dentro e a boca vai tentar consumir os vegetais, o que, em parte, representa a ideia de que quanto mais compras, mais as pessoas tentam comer, embora não o consigam fazer, e então, é uma espécie de ciclo.” 

Kamyi ainda não sabe onde e quando vai apresentar este novo trabalho, mas admite que depois de terminar o mestrado, em Maio, quer ficar pelos Estados Unidos a trabalhar. A jovem diz que Macau, onde planeia também passar algum tempo, “está a melhorar” ao nível cultural, embora ainda não sinta um forte compromisso da população com o mundo das artes.