Amizade com a China reforça motivação

O novo director do Instituto Português do Oriente (IPOR) defende que o apoio à promoção do português é obrigação de todos os que têm interesse na língua. Depois de quase meio ano à frente do IPOR, Joaquim Coelho Ramos revela os planos para o instituto. A Grande Baía e a Austrália são os destinos que se seguem. Mais haverá, se houver apoio das partes interessadas

Texto Catarina Mesquita | Fotos GCS 

Quando assumiu o cargo em Setembro passado, disse que a primeira fase seria de consolidação. A que se referia? 

Há uma série de projectos que não foi possível concluir, como o laboratório de línguas, que deve estar pronto este ano. Depois há outros que têm que ver com edições de guias nas áreas do léxico jornalístico, administrativo, económico-financeiro, que esperamos concluir também este ano. Queremos continuar com o projecto noutras áreas, como a saúde. Na cultura, produzimos um roteiro ligado a Camilo Pessanha, que acabou de sair, e participámos na produção, em colaboração com Rosa Coutinho Cabral, de dois DVD sobre o escritor, que também já estão terminados. 

 

Já a segunda fase queria que fosse de “aproximação à rede que está ligada ao IPOR, aos nossos colegas de outros países aqui à volta”. Porque não foi feito esse trabalho de forma mais dedicada até agora? 

Na verdade, foi. A questão é que a língua portuguesa está a ser um factor de atracção, o interesse está a crescer, portanto importa dilatar o processo. O interesse não é só na aprendizagem do português ao nível académico, mas há muita procura para aplicação directa no mercado de trabalho. Quando falo na aproximação do IPOR aos pontos de rede, ou melhor, na construção de uma rede efectiva entre estes pontos nos países vizinhos, falo de colaborar em todas estas facetas. 

Como por exemplo? 

Ensino académico, a língua portuguesa técnica aplicada. Temos um memorando assinado com a província de Sichuan para a formação linguística de médicos chineses que vão em missões de cooperação para países de língua portuguesa. Há toda a vantagem de criar uma rede que não se limite à troca de impressões anual do que está a ser feito e que permita troca de materiais, circulação de professores, actualização da linguística. Como dizia um professor da Universidade de Lisboa, “não é só na medicina que há evolução”. É preciso dizer aos nossos professores de outros países quais são as melhores abordagens para o ensino do português. É isso que o IPOR pretende fazer e incrementar nos países aqui na região. 

 

O IPOR e o Instituto Camões despertaram demasiado tarde para esta parte do mundo? 

Não creio. O IPOR tem uma história de 30 anos na região. Os países têm políticas estratégicas, de línguas e de acolhimento de línguas estrangeiras nos sistemas locais, e nós temos de estar alerta para, quando surgem novas oportunidades, sabermos corresponder. E é isso que tem acontecido. Tem sido feito um esforço, desde há muitos anos, de intervenção em países como o Vietname, a Tailândia, Timor-Leste, a Indonésia, universidades no interior da China, onde o português está a crescer a um nível exponencial. Vamos tentando dar o apoio que nos é solicitado, à medida que as oportunidades vão surgindo.  

 

Foi atribuído a Macau o papel de intermediário entre a China e os países de língua portuguesa. O IPOR tem sabido aproveitar a oportunidade? 

Está a ser aproveitada como provam os trabalhos de acolhimento e formação de professores, mas também nas nossas dinâmicas de sair de Macau e ir ao encontro das instituições. Como é o caso do encontro anual que fazemos com os pontos de rede, em que juntamos professores de universidades estrangeiras para nos dizerem que metodologias estão a usar. Também enviamos professores para dar formação de novos docentes. Estive recentemente na Austrália, país que está a criar sinergias connosco para se dar um novo fôlego à língua portuguesa, nomeadamente em Melbourne. O IPOR, na medida das capacidades e do interesse dos países, está a dar resposta ao interesse e expansão da língua. 

O que está a ser feito com a Austrália? 

Estamos a trabalhar para criar um posto de ensino da língua portuguesa, apoiado pelo IPOR e Instituto Camões, e parcerias locais – escolas e academias. Notámos que também lá o interesse pela língua portuguesa é uma realidade.  

 

Como vê o interesse de países que nunca tiveram uma ligação com a língua? 

Tenho uma posição um pouco sui generis. Não acho que haja um interesse recente na língua. Acho que há um interesse externo recente naquilo que é o interesse dos países na língua. Por exemplo, temos uma história de relação linguística com países como a Malásia, Barém, Vietname e Tailândia, que não é conhecida nos meios de comunicação, na dinâmica social do dia-a-dia e não é muito falada nas universidades. O interesse externo é recente e tem que ver com a estratégia dos países – como a China na aposta no mundo lusófono, do crescimento desses países – como é o caso de Angola, da relação histórica – caso de Portugal. Tudo isto deu visibilidade ao português. É uma visibilidade nova num interesse que não é novo. 

 

A Grande Baía é um dos grandes planos de Pequim. Há interesse do IPOR na região? 

Há. Vejo que há um interesse crescente de empresários que querem investir nos países de língua portuguesa e, portanto, querem aprender português e que a equipa também aprenda. Temos um plano em colaboração com alguns empresários que nos abordaram, para cursos de formação nas áreas que são do interesse deles: português empresarial, contabilístico, institucional e para negociação, jurídico. Com estes empresários, queremos procurar uma intervenção no eixo da Grande Baía, nomeadamente com uma aproximação a Hong Kong, que é um dos pontos que gostávamos de trabalhar a curto prazo. Vamos ver o que se consegue. 

 

Está nos planos abrir espaços de ensino nas cidades da Grande Baía? 

Passará por abrir espaços de ensino que não serão directamente contratados pelo IPOR, mas que surgirão em colaboração com entidades locais. A ideia é enviar um professor do IPOR, num espaço cedido, para dar resposta às solicitações desses locais. É isto que se vai tentar fazer. 

 

Houve mudanças na estratégia de cooperação com os institutos de língua dos países de língua portuguesa para aproveitar a intenção política de tornar Macau um polo de ligação entre a China e a lusofonia? 

A estratégia que se elabora para a divulgação de uma língua não está necessariamente ligada aos interesses de um ou outro país. Procuramos estabelecer uma linha de intervenção com base científica, tendo em conta sempre que o português é uma língua pluricêntrica e que, portanto, não é uma língua pequena. É a língua mais falada no hemisfério sul, é das mais faladas nas redes sociais. O facto de haver uma visão da China para a promoção do português e de Macau ser uma região com interesse privilegiado no português honra-nos muito e isso verifica-se nas políticas que estão a ser seguidas. Há uma relação de amizade, proximidade cultural e de interesse na língua que serve de base a estas políticas e reforça a nossa motivação. Mas a política de língua não é definida a partir daí. É definida a partir da presença e do interesse, institucional e privado, e também da capacidade que temos de dar resposta. 

 

O que têm feito para capitalizar o interesse da China no português? 

Formação de docentes, actualização de formadores, produção de materiais didácticos, de manuais, investigação científica, actualização pedagógica e didáctica. 

Considera que o instituto tem sabido aproveitar e dar resposta a mais esta oportunidade? 

Os contactos estão a cair de maneira muito forte. Estamos a fazer o esforço com os recursos que temos. Não conseguindo o IPOR dar resposta directa, tentamos fazê-lo através de parcerias, por exemplo com empresários. Vamos ver até onde vai o interesse e a chegada de pedidos constantes. 

Está pessimista? 

Não sou pessimista. Espero é que haja o envolvimento de outros parceiros para colaborar na resposta. 

 

A quem se refere? 

Tecido empresarial. 

 

De que territórios? 

De Macau, do tecido empresarial que tem interesse na utilização prática da língua portuguesa, do que está numa posição de chapéu na ligação entre Portugal e a China. 

 

Quer dizer investimento? 

Sim. Parcerias financeiras. As parcerias e apoio financeiro têm sido visíveis. Os parceiros do IPOR têm participado nos nossos projectos. O que está em equação é o aumento da participação porque também há um aumento do interesse. 

 

Como vê o investimento crescente de Pequim na língua?  

É uma abordagem natural tendo em conta as dinâmicas que se criaram entre a China e os países de língua portuguesa.  

Considera que é relevante a atenção que se lhe atribuí atendendo a que o número de universidades que abriram cursos de português é irrisório, tendo em conta o tamanho do país? 

Não acho que haja aqui uma visão ultrapatriótica de Portugal sobre aquilo que é o interesse e o apoio que as entidades chinesas estão a dar à língua portuguesa. É um interesse genuíno que tem que ver com o próprio carácter da língua. Os nossos amigos chineses já perceberam a verdadeira dimensão do português no campo dos negócios, diplomático, da política externa. Portanto, acho que é uma atenção normal. Não acho que haja uma visão patriótica de Portugal do que é uma realidade pequena ou relativizável. 

 

Tendo em conta que Portugal é o país berço do português, não há um desfasamento do investimento feito em Macau e no Interior do País? 

Não é o meu ponto de partida e não me parece que seja o da comunidade científica. O português é uma língua pluricêntrica, não é uma língua de Portugal. Pertence a quem a fala, a quem a usa, a quem trabalha com ela. Portanto não vejo que seja uma obrigação exclusiva de Portugal o investimento na língua. Há um interesse na defesa e promoção da língua portuguesa em Macau. Portugal apoia a vontade do Governo de Macau, mas tem recursos limitados para atender ao interesse no português no resto do mundo. É apenas natural que se veja a relação com Macau e com a China não como uma relação de quem contribui mais, mas de efectiva parceria com um objectivo comum. Julgo ser esta abordagem que se deve ter. 

 

Mostrou interesse na “diplomacia cultural”, apontada como uma das prioridades pelo novo cônsul-geral de Portugal em Macau e Hong Kong, Paulo Cunha Alves.  

Tenho muita expectativa para ver de que forma podemos colaborar.  

Tem havido uma aposta do IPOR na divulgação da cultura contemporânea. É para continuar? 

A aposta clara na cultura portuguesa contemporânea faz parte das linhas estratégicas da acção cultural externa de Portugal já há alguns anos. Este ano, até porque se trata de um ano especial [devido aos 40 anos do estabelecimento das relações diplomáticas entre a China e Portugal e os 20 anos da criação da Região Administrativa Especial de Macau], vamos dar atenção a várias áreas. Estamos a avaliar a possibilidade de ter uma exposição de artistas portugueses e chineses das artes visuais, plásticas. Vamos tentar incrementar a oferta tendo sempre como linha condutora a arte contemporânea. 

 

Tendo em conta o perfil de alunos do IPOR, faz sentido contratar mais professores bilingues? 

Faz. Tem sido discutido e agora há um concurso a decorrer. Temos a intenção de contratar mais bilingues sobretudo para as áreas iniciais. 

 

O seu mandato no IPOR é de três anos. Não é um período curto? 

É, se encararmos a função de uma direcção como um período estanque. Não é a minha visão do cargo. Vejo-o como um prolongamento: a actual direcção pega nos projectos da antiga e acrescenta estratégias que julga necessárias, e a seguinte fará o mesmo.  

 

O IPOR e o Consulado ganharam novos líderes quase ao mesmo tempo. É o início de uma nova era? 

Não estou certo que se possa dizer que se abre um novo caminho de forma radical. Não podemos, no entanto, ignorar que há cunhos pessoais que são implementados nas lideranças. No que diz respeito ao IPOR, essa visão, que não é autónoma, mas delineada no contexto de equipa, vai ter diferenças de estilo, na maneira de dirigir a instituição, sempre considerando que o objetivo estatuário esta cá para delimitar a nossa ação. 


PERFIL

Joaquim Coelho Ramos tem 44 anos e é natural de Castro Daire (Portugal). É doutorado em Filologia Portuguesa pela Universidade Carolina de Praga, na República Checa. Concluiu o doutoramento em 2017, cinco anos depois de obter o grau de mestre em Português pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. É licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, com uma especialização em Ciências Jurídico-publicistas, e lançou-se nos estudos da língua portuguesa em 2010, ao concluir uma pós-graduação em Cultura Portuguesa Contemporânea na Universidade Aberta.  

Desempenha funções de investigador associado do Centro de Linguística da Universidade do Porto, sendo especialista em linguagem jurídica. Entre 2005 e 2016 esteve na República Checa, a leccionar na Universidade de Praga, a desempenhar funções de leitor no Instituto Camões e de coordenador do Centro de Língua Portuguesa.  

Foi distinguido com a Medalha de Mérito do Decanato da Faculdade de Letras da Universidade Carolina em Praga e coordenou a secção de diplomacia e relações externas do grupo EUNIC (European Union National Institutes for Culture) – Praga, entre 2013 e 2015. Entre 2016 e 2017 esteve em Cabo Verde a leccionar português a estudantes de Timor-Leste. Assumiu o cargo de director do IPOR em Setembro de 2018, em substituição de João Laurentino Neves, que ocupou tal função entre 2012 e Julho de 2018.