O Imperador do Norte

A festa anual dedicada a Pak Tai, no dia do seu aniversário, realiza-se no terceiro dia da terceira Lua, pelo que este ano tem lugar a 7 de Abril. A data comemora-se com a representação de uma ópera sobre a guerra sagrada

Texto Fernando Sales Lopes 

Pak Tai (北帝) é considerado o mais poderoso dos ministros do Imperador de Jade, uma divindade popular do culto exorcista e é uma das mais influentes divindades populares taoistas da cultura chinesa. O Supremo Senhor do Céu Negro (Hsüan-t´ien Shang-ti), como também é conhecido, é um dos espíritos que governa um quarto do universo com o Guerreiro Negro (Hsüan Wu), nome que designa o sector Norte das 28 Casas Lunares. 

Pak Tai e Na Tcha são divindades com origem mítica nos tempos da criação do espaço humano que viria a ser a China. São divindades descritas no romance épico taoista Feng-shen Yen-i (A Deificação dos Deuses), escrito durante a Dinastia Ming 

Príncipe da Dinastia ShangPak Tai foi nomeado pelo Imperador de Jade para comandante das 12 legiões celestiais, incumbidas de lutar contra o Rei Demónio que ameaçava destruir a Terra no declínio daquela dinastia. Pak Tai derrota o diabólico adversário, recebendo então o título de Supremo Imperador do Céu Negro. Ao destruir a Serpente e a Tartaruga Cinzenta, os dois aliados mágicos do Rei Demónio, Pak Tai ficou associado a estes dois animais que representados à sua volta, ou sob o seu pé, anunciam que o bem sempre prevalecerá sobre o mal. 

O culto em Macau 

A festa anual dedicada a Pak Tai, na data do seu nascimento, tem lugar em Macau no templo do mesmo nome, localizado na vila da Taipa, mais precisamente no Largo de Camões. 

O culto a Pak Tai em Macau, tal como acontece com a maioria das divindades, está associado a variadíssimas lendas que sustentam a tradição local. Estando este templo localizado na Taipa, as lendas contadas têm a ilha como seu palco, indo da cura dos males individuais aos que afectavam a comunidade na incerteza do dia-a-dia, ora à mercê do imprevisível dos elementos, ora à mercê do imprevisível dos actos dos homens.  

Uma vez, assim se conta, uma procissão com a imagem de Pak Tai, pedida a um bonzo por um moribundo, saldou-se na sua cura perante o espanto de todos quanto assistiam ao milagre. Noutra ocasião, um grande incêndio devastou uma povoação da Taipa, então alguém se lembrou de mandar buscar a bandeira vermelha que Pak Tai ostentava na sua mão direita. Agitada a bandeira – e que mais se poderia esperar do Senhor dos Céus, do Imperador do Norte – o vento que soprava do norte virou para sul e mais nenhuma povoação foi atingida.  

Mas se Pak Tai muda os ventos, não nos esqueçamos que ele é o comandante das 12 legiões no combate ao mal. Ora, sendo assim, quando um grupo de piratas se preparava para saquear a ilha, flagelo a que estava sujeita em tempos antigos, Pak Tai veio em auxílio do bom povo, enviando uma legião de soldados que, de imediato, puseram em fuga os ladrões.  

Embora não seja uma divindade a quem se atribua uma vocação de protecção exclusiva dos mares e dos rios, em Macau, ou pelo menos nas ilhas, onde a população que se dedicava à actividade piscatória era considerável, Pak Tai é invocado pelos populares também como um protector daqueles que andam no mar e a quem se pede um regresso em segurança, principalmente em momentos de tormenta. 

O mesmo acontece ainda na ilha de Cheung Chau, em Hong Kong, onde Pak Tai é uma das divindades mais adoradas por se lhe atribuir o poder de amansar os mares, proporcionando uma faina pesqueira suave para as embarcações e de boa sorte para todos os tripulantes. 

O templo de Pak Tai  

O templo de Pak Tai, na Taipa, é um dos mais antigos de Macau, remontando a 1844 (24.º ano do Reinado de Daoguang). Dos três pavilhões que integravam o templo, hoje em dia apenas o central está votado ao culto e é aí que se encontra o altar de Pak Tai. O Palácio de Pak Tai está no centro, ladeado por dois outros palácios laterais – o de Kwan Tai, onde se encontra também o Deus da Fortuna Choi Bak, e o de Va Kuong, acompanhado da Senhora da Flor Dourada Kum Fa. 

No templo presta-se culto ainda a outras duas divindades. Kam Fa recorrem as mulheres para pedirem bom casamento, as atenções dos maridos ou, quando grávidas, um primogénito homem, e que o parto seja fácil e feliz. Muito venerada pelos cantoneses, é normal as mães, no dia em que se completa o primeiro mês da criança, virem com ela perante a deusa agradecer o sucesso do seu nascimento de maneira segura e feliz. Visita que se repete quando a criança celebra o seu primeiro aniversário no Ano Novo Lunar. 

Va Kuong é o Deus do Fogo e os ouvidos do Imperador de Jade. É também o patrono dos que trabalham o ouro e a prata e tem poderes especiais na destruição de demónios. Protector das comunidades, não está receptivo à intercepção individual pelo que as preces que lhe são dirigidas vêm da comunidade, e a ela se dirigem.  

Kuan Tai é o Deus da Guerra e da Riqueza [consultar a edição 63]. Choi Pak é o Deus da Fortuna a quem se pede ganhos monetários para o dia-a-dia. Para ganhos no jogo há outras divindades a quem se pode acorrer, já que esta, por ser uma divindade celestial, lhe está negada a entrada na área da fortuna e azar. Já Luban é o patrono de todas as profissões relacionadas com a construção de um edifício – ou não fosse ele o presidente das Obras Públicas do Céu. Para além de ser patrono ainda de manufactores de chapéus-de-chuva (já que a ele se atribui a sua invenção, embora outros sejam da opinião que tal descoberta se deve à sua esposa), também é o patrono dos construtores de embarcações. Hua Tuo, deus da medicina do terceiro nível ou departamento, é um dos Dez Doutores Celebrados. Terá sido o primeiro médico a perceber o conceito da cirurgia e a sua importância, por isso ele é o patrono dos cirurgiões e dos massagistas e, também, o espírito que faz com os médios curem as doenças. No nicho lateral do lado direito da entrada, Hua Tuo encontra-se acompanhado pelos seus dois assistentes – um com o livro das prescrições, e o outro com um boião contendo produtos medicinais. 

Deuses das Portas: significado e lendas 

Característicos pela sua beleza e conservação são os deuses das portas deste templo, dois coloridos e zangados guerreiros prontos a puxar das espadas. Os deuses das portas, também chamados de Generais das Portas ou os Espíritos Guardiães da Entrada, que representam normalmente guerreiros ou literatos, têm como função manter os maus espíritos fora do recinto.  

Estas três divindades guardam as portas duplas da entrada, quer de habitações, quer de templos e de alguns edifícios públicos, assim como a porta das traseiras. Embora não existam muitas histórias por detrás destas personagens, algumas delas oriundas do norte da China descrevem-nos como tratando-se de dois grandes heróis, os Generais Shen T’u e Yu Lei, que tomaram armas para combater dezenas de milhares de espíritos malignos que conseguiram destruir. 

Mais popular, talvez, é a crença de que se tratam de dois generais da Dinastia Tang, chamados Qin Shu-bao e Hu Jingde, que serviam o imperador Taizong. Conta a lenda que o imperador não conseguia dormir durante a noite atentado por espíritos malignos vindos do exterior dos seus aposentos. Sabendo disto, estes dois generais pediram autorização para guardar as portas. Esta acção foi um sucesso e os demónios deixaram de incomodar o imperador. Não podendo desdobrar os dois generais como pessoas, o imperador terá mandado pintar o retrato de ambos e espalhou-os por todas as portas do palácio, nunca mais havendo visitas demoníacas nesse espaço. Mais tarde viria a ser acrescentado mais um guardião, este para a porta das traseiras. Trata-se de Wei Ch’eng, que faz o trabalho sozinho, talvez por ser o menos popular dos guardiães.