Entusiasmo crescente

As Regatas Internacionais de Barcos-Dragão de Macau vão ter lugar no início de Junho. Equipas locais treinam com afinco, algumas delas durante todo o ano, para fazerem boa figura no popular evento. Para culminar a prova são convidadas algumas das melhores equipas e selecções da modalidade

Texto Paulo Barbosa

Festival do Barco-Dragão é uma antiga tradição na China, que tem lugar no 5.º dia do quinto mês do calendário lunar. Organizadas pelo Instituto do Desporto (ID) e pela Associação de Barcos-Dragão de Macau, China, as regatas internacionais deste ano têm lugar nos dias 1, 2 e 7 de Junho, no Centro Náutico da Praia Grande.

Em Macau, as primeiras regatas foram organizadas pela STDM em 1979, a concessionária detida por Stanley Ho. Dez anos depois, os Serviços de Turismo juntaram-se ao evento, ao constatarem o potencial em termos de atracção de visitantes à cidade.

Visto que o Centro Náutico de Nam Van ainda não existia, vários locais receberam as corridas das pitorescas embarcações enfeitadas com um dragão na proa, entre eles o Lago Sai Vai e o braço de rio localizado em frente do que agora é o MGM Macau.

Com a entrada do ID em 2000 e o crescimento da Associação de Barcos-Dragão de Macau, as regatas ganham uma dimensão internacional. Isto tornou-se mais evidente a partir de 2005, com a construção do Centro Náutico de Nam Van para receber algumas competições incluídas nos Jogos da Ásia Oriental.

Peter Seng, membro do comité executivo da Associação de Barcos-Dragão de Macau, diz que este ano participam cerca de 35 equipas na competição “open” (o que quer dizer que podem participar atletas femininos e masculinos) e 11 exclusivamente femininas nas regatas locais para barcos “standard”, que têm maiores dimensões e uma tripulação de 22 pessoas.

Nas corridas locais disputadas pelas chamadas “pequenas embarcações”, que têm 10 remadores mais o tamborileiro à proa e o timoneiro ao leme, vão participar aproximadamente 60 equipas na categoria “open”, 22 para as mulheres, 17 para na categoria das entidades públicas e 19 na categoria universitária. Os números, ainda provisórios, indicam que tem havido um ligeiro acréscimo no número de participantes nas provas locais.

No caso da competição internacional, Seng, que também é secretário geral da Federação Internacional de Barco-Dragão, conta que o critério de escolha das equipas que são sugeridas pela associação ao ID passa pela reputação e resultados no circuito de regatas internacionais. Muitas vezes vêm a Macau selecções nacionais de países como a Indonésia, Singapura, as Filipinas e equipas de províncias chinesas.

O controle de doping não é ainda feito “porque se tratam de corridas por convite e não com um perfil competitivo mais elevado,” explica Seng.

“Temos duas partes, uma parte são as regatas locais. As regatas internacionais são por convite e damos um subsídio para pagar o alojamento local. Temos que garantir que essas equipas são qualificadas e boas. Analisando os resultados dessas equipas, garantimos que temos as melhores equipas a representar [países ou regiões] cá,” complementa Lei Si Leng, Chefe do Departamento do Grande Prémio de Macau e dos Grandes Eventos Desportivos do Instituto do Desporto.

Popularidade crescente

A comparência de equipas internacionais levou, na opinião de Peter Seng, ao aumento da qualidade dos remadores locais e até à criação de uma equipa que representa Macau em eventos internacionais. Mas há ainda espaço para introduzir melhorias no evento. “Os remadores são muito entusiastas da modalidade. Penso que nos anos seguintes, alguns atletas vão atingir outro nível,” refere Seng. Para estimular a qualidade da competição, o ID concede um pequeno subsídio às equipas que treinam mais assiduamente no Lago Nam Van.

A regata desenrola-se nos dias 1, 2 e 7 de Junho, sendo disputadas, no primeiro fim-de-semana as eliminatórias e finais das regatas locais. Sempre respeitando o calendário tradicional, as provas internacionais acontecem este ano a 7 de Junho.

Em termos de organização, é difícil definir o número de pessoas envolvidas. O Departamento dos Grandes Eventos Desportivos do ID tem 40 pessoas, mas quando a data do evento se aproxima há pessoas de outros departamentos do ID que se juntam aos trabalhos preparativos. Da parte da Associação de Barcos-Dragão, a preparação para as regatas começa com seis meses de antecedência. Lei Si Leng calcula que o número total de pessoas envolvidas na organização da prova deste ano atinja as 230.

De acordo com o ID, o orçamento para este evento tem-se mantido estável, estando provisoriamente calculado em 13 milhões de patacas para a edição deste ano.

Peter Seng e Lei Si Leng, concordam que a popularidade do evento é crescente, com mais equipas locais e suporte do público. A transmissão televisiva em directo da prova é assegurada pela TDM. No ano passado, a CCTV transmitiu algumas das regatas, assim como a página electrónica oficial da Federação Internacional de Barcos-Dragão.

Uma maneira de manter a forma

Chris Sitou, 46 anos, é funcionário do Instituto Cultural e compete nas equipas do Instituto para os Assuntos Municipais (IAM) e do Monte Carlo.

Com ar jovial, diz à MACAU que começou a interessar-se pelos barcos-dragão há cerca de nove anos e hoje considera a actividade como “um dos seus desportos favoritos”. Os treinos tomam-lhe muito tempo por semana, embora estejam sempre dependentes das condições atmosféricas. “Mas eu passo mais tempo aqui do que a maioria dos outros remadores. Treino de Fevereiro até Novembro e há alturas em que venho treinar todos os sete dias da semana. Para mim esta é uma maneira de me manter em forma e ir melhorando a minha performance”, diz Sitou. Mesmo quando não pode remar, faz treino muscular no pequeno ginásio existente no centro náutico Nam Van. A conciliação com o trabalho é possível, dado que os treinos geralmente ocorrem ao fim da tarde ou ao fim-de-semana.

Para as regatas internacionais de Junho há uma preparação ainda mais intensiva durante três meses, com mais sessões de treino. “Há vários passos a seguir nesse treino: em primeiro lugar é preciso melhorar a capacidade cardíaca e pulmonar e a força muscular e depois há que treinar o programa das corridas, porque as corridas que fazemos têm diferentes distâncias.”

Sitou leva a competição a sério, o que não acontece com todos os colegas da equipa do IAM, que encaram as corridas mais como um divertimento. Ainda assim, o IAM tem obtido bons resultados na competição dedicada aos funcionários públicos, onde chegaram a ser campeões em alguns anos (enquanto Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais). Normalmente a equipa chega à regata final e no ano passado ficaram em quarto lugar.

Para as corridas deste ano, Sitou já esteve a analisar a prestação dos competidores nas sessões de treinos e diz que não haverá chances de triunfo para o IAM, dado que “equipas como os bombeiros e a polícia estão claramente fortes”, analisa. O facto de algumas formações terem treinadores experientes e outras – como o IAM – não terem treinador também conta para o resultado final. 

Outra diferença é que as melhores equipas treinam com barcos que vão ser usados na competição e outras com barcos de treino, que não têm características semelhantes.

Um estímulo adicional para equipas locais é a participação ocasional em competições no estrangeiro. O IAM participou numa regata na Malásia em Maio e costuma ir a outras competições no exterior, dependendo do orçamento.

Rivalidade entre operadoras

Algumas das equipas de Macau almejam a mais altos voos, particularmente as equipas das operadoras de jogo, que vêem as regatas não só como una competição, mas como um exercício de marketing. Os casinos geralmente competem com mais do que uma equipa e oferecem compensações monetárias às suas equipas que obtenham melhores resultados. Os melhores remadores, muitos deles trabalhadores não residentes ligados à área da segurança, têm condições de trabalho mais favoráveis do que alguns colegas, podendo usar horas de trabalho para treinar.

Nas bancadas, cada operadora apresenta as suas claques ao estilo cheerleaders, com danças coreografadas e bandeiras gigantes representando os símbolos de cada operadora. O ambiente é festivo e de alguma rivalidade, com as claques a torcerem pelas suas embarcações de forma bastante audível, principalmente quando as câmaras televisivas estão a filmar para a transmissão das regatas em directo.

Um profissional em Macau

Com 40 anos de idade, Edcer Toto Penetrante, é um dos remadores e treinadores mais populares e a alinhar nas embarcações locais. Um filipino natural da cidade de Silay, trabalha como segurança no Hotel Lisboa e rema para a equipa da Sociedade de Jogos de Macau (SJM), uma das favoritas crónicas à vitória nas corridas locais, conseguindo mesmo ombrear com equipas internacionais.

Quando questionado sobre o seu interesse pelos barcos-dragão Toto Penetrante conta que é atleta desde que se lembra de existir. “Tenho sido atleta ao longo de toda a minha vida. Os meus pais são ambos praticantes de voleibol, portanto comecei a competir nessa modalidade com 11 anos. Cheguei a treinar no Japão como membro da selecção nacional das Filipinas de juniores e depois fui membro da selecção sénior durante 10 anos. Por essa altura também me interessei pelo taekwondo e competi nos campeonatos nacionais nas Filipinas”, conta.

Penetrante alistou-se na Marinha das Filipinas em 2001 e foi escolhido para fazer parte da sua equipa de barcos-dragão. “Competi na Indonésia com essa equipa e, a partir desse momento, decidi que isto é algo que quero seguir com paixão. Fui depois escolhido para a equipa nacional de barcos-dragão em 2011 e ganhei uma medalha de ouro nos Jogos do Sudeste Asiático”, conta.

Os bons resultados continuaram no ano seguinte, com a selecção das Filipinas a ser coroada campeã do mundo, trazendo seis medalhas de ouro da cidade italiana de Milão. O campeonato mundial voltou a ser ganho pela equipa de Edcer em Fuzhou, China. “Quando competimos e ganhámos em Macau, fui recrutado para trabalhar e competir pela SJM Macau e não voltei a olhar para trás desde então”, afirma.

Mesmo com 40 anos, o atleta filipino continua a aplicar um ritmo de alta competição aos seus treinos, indo remar para o Centro Náutico de Nam Van seis a sete vezes por semana, ainda que esteja a trabalhar no turno nocturno como segurança. A preparação física é conciliada com sessões de corrida e idas regulares ao ginásio.

O treino é feito durante todo o ano, mas é feito em várias fases. Na época baixa [quando não há competições], os remadores da SJM fazem outras actividades físicas para ganharem resistência e força. Quando se aproxima a época competitiva, os remadores passam a maior parte do tempo no barco, treinando mais horas e com maior intensidade e trabalhando o movimento colectivo, por forma a que estejam totalmente sincronizados nas remadas aquando das regatas.

É caso para perguntar se é possível conciliar tão pesadas sessões de treino com um trabalho potencialmente stressante e por turnos. “A companhia [SJM] garante que o meu horário de trabalho pode acomodar o nível de treino de que precisamos para conseguir a prestação desportiva esperada,” responde Penetrante à MACAU.

O atleta confirma também que algumas operadoras de jogo compensam os atletas com os melhores resultados com bónus pecuniários. No entanto, no caso da SJM isso “não acontece muto frequentemente”.

“Equilibrar o trabalho e os treinos vem com muitos sacrifícios, mas os resultados e a prestação da equipa são uma prova do trabalho árduo que é feito”, resume.

Dada esta preparação, o atleta filipino tem as melhores expectativas quando ao resultado que a SJM vai atingir nas regatas internacionais que se desenrolam em Macau no início deste mês.

“Acredito que fizemos a preparação necessária para estar no nosso melhor e tenho as maiores expectativas em relação à performance da nossa equipa nas Regatas Internacionais de Macau. Possa a equipa que trabalhou mais e pôs mais coração nos treinos emergir como a campeã!”

Treinador é estratega e motivador

Além de ser um remador exímio, que já esteve ao nível de ser selecionado para uma equipa nacional, Edcer Toto Penetrante, desempenha também o papel de treinador, que o remador Chris Sitou considera ser essencial para o sucesso de uma equipa. Penetrante foi o treinador do IACM (actual IAM) quando a equipa municipal atingiu alguns dos seus melhores resultados.

“Os barcos-dragão são um desporto pelo qual eu tenho uma paixão enorme e tenho muita vontade de partilhar essa paixão. No IACM, além de programar os treinos e a técnica a ser usada no barco, adorei servir como estratega e motivador, puxando-os para trabalhar fora da sua zona de conforto”, conta Toto Penetrante. “Se tens um amor genuíno pelo que fazer, o sucesso vem a seguir. Depois de trabalhar dois meses como treinador do IACM, eles tornaram-se campeões que até competiram com a SJM nas finais de 500 metros em Foshan, China, uma prestigiante competição internacional”, complemente.

O atleta filipino descreve que a vitória da equipa e o apreço que mostraram por ele foi a sua recompensa. “Eu nunca pedi nenhum dinheiro pelo meu treino, porque não se pode pôr um preço quando tu pões o teu coração e alma nas coisas.”

Só elogios para Centro Náutico de Nam Van

A Associação de Barcos de Dragão e o Instituto do Desporto estão de acordo quanto à qualidade do Centro Náutico de Nam Van, construído para albergar os Jogos da Ásia Oriental realizados em 2005 em Macau. “A infraestrutura é boa.
Todas as equipas vindas do estrangeiro gostam de vir competir aqui. Temos essa vantagem do lago artificial, que é muito estável”, diz Peter Seng. 

Lei Si Leng, Chefe do Departamento do Grande Prémio de Macau e dos Grandes Eventos Desportivos do Instituto do Desporto, relembra como os jogos envolveram a construção de várias infraestruturas capazes de receber competições nível internacional, entre as quais o Centro Náutico, o Macau Dome, o Estádio de Macau e a Piscina Olímpica. Lei refere que o centro em Nam Van se transformou num espaço de treino e realização de eventos náuticos.

“Depois da inauguração do centro em 2005, as regatas ficaram por lá porque em as equipas internacionais deram-nos opiniões positivas, acham que esta é uma instalação óptima, que tem uma panorâmica muito boa e também é muito central em termos de localização”, diz Lei Si Leng.

Na opinião de Peter Seng, a questão de o centro náutico não ter muita utilização em certos meses tem a ver com o facto de muitas equipas só treinarem nos meses anteriores às regatas internacionais. No entanto, há equipas que treinam todo o ano, como as dos operadores de jogo. See acrescenta outro motivo para uma menor utilização, nomeadamente as condições atmosféricas nos meses de Inverno e em alturas de chuva intensa.

No centro náutico, os desportos permitidos neste momento são os barcos-dragão, canoagem a remo. Mas são de longe os barcos-dragão que atraem mais praticantes e entusiastas.