“Queremos ser uma plataforma da China”

A presidente da Cabo Verde TradeInvest aposta na captação de um novo tipo de investimento privado chinês. Macau tem um papel especial, sendo complementar à posição de Cabo Verde, diz Ana Lima Barber

Texto José Carlos Matias

Desde que foi criada em 2016, a nova agência de investimento do governo cabo-verdiano tem olhado para Macau e para a China como alvos de interesse para captar projectos e abrir mercados. A presidente da Cabo Verde TradeInvest, Ana Lima Barber, esteve em Macau recentemente para dar a conhecer a estratégia de diversificação económica que passa por um pacote turístico mais abrangente e por áreas emergentes, como a produção industrial, novas tecnologias da informação e energias renováveis. A China é vista como parceiro de grande importância com o qual Cabo Verde mantém uma relação extremamente forte. Além dos projetos públicos e da cooperação bilateral, o objectivo é atrair investimento privado chinês de novo tipo. 

Cabo Verde tem procurado imprimir um ritmo com vista a uma nova dinâmica económica. Quais são as prioridades?

Cabo Verde urge trabalhar na produção e na diversificação. O país tem que produzir para alterarmos a balança comercial. A dependência do turismo obriga o país a mudar de estratégia para trabalhar outros itens. Não podemos colocar todos os ovos num cesto. Precisamos, por isso, de trabalhar não apenas o turismo de sol e praia, mas sobretudo um modelo inclusivo que conte com o turismo de eventos, náutico, de cruzeiros, do oceano, mergulho, de montanha, histórico ou vulcânico. Para isso temos de fazer reformas e adoptar políticas direccionadas. Outro ponto é o turismo de saúde.

Cabo Verde já tem as infraestruturas necessárias para dar esse passo?

Estamos a planear equipar o próprio país com essas infra-estruturas, mas também com as leis que são necessárias para abrir as portas a clínicas internacionais. Temos de aprender com a prática internacional para percebermos o caminho a desenvolver. Mas não podemos levar o tempo que os outros levaram. Temos de ser mais rápidos. Precisamos de reformas, que não acontecem do dia para a noite. 

Que passos foram dados para tornar Cabo Verde um destino mais atractivo para investimento desde que foi criada a TradeInvest?

Levámos a cabo várias reformas como o nosso código de benefício fiscal ou, ao nível da exportação, temos o Parque Industrial do Lazareto, para atrair indústrias a se instalarem em Cabo Verde. Antigamente apenas se podia arrendar os terrenos, não se tinha a possibilidade de comprar. Temos de criar políticas que possam atrair empresas a se sediarem em Cabo Verde. Outra aposta é na desburocratização das entidades públicas. Queremos trabalhar para sermos mais amigos de investidores. O acesso ao crédito para pequenas e médias empresas é muito maior. Se queremos ter um sector privado forte, temos que dotá-lo de instrumentos que o permitam ser. Além disso, a conectividade inter-ilhas é importante num país que é um arquipélago, permitindo o desenvolvimento das ilhas de forma sustentável, equilibrada e integrada. 

Qual é o papel de Macau nesta estratégia de atracão de investimento e neste plano de desenvolvimento?

Há naturalmente uma relação especial face a Macau e à China. É notório o trabalho que temos feito. Macau é uma plataforma da China e nós temos trabalhado no sentido do incremento desta relação empresarial e comercial com a China que tem dado passos significativos. Queremos ser uma plataforma da China para África e não só. E temos todas as condições para o ser. Não apenas por causa da estabilidade política e económica que temos, que é excepcional, como ao nível da atracção que nós temos em termos de incentivos fiscais para empresas se sedearem aqui, tendo acesso preferencial a mercados, como o da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental, da União Europeia e dos Estados Unidos. 

Tem testemunhado interesse e passos concretos dados por Macau?

Sim. É importante perceber quando trabalhamos numa relação entre cidades e países. Temos investidores de Macau em Cabo Verde, designadamente o empresário David Chow. Isto demostra que Cabo Verde é um país de confiança. Fazemos parte também da dinâmica “Faixa e Rota”. Em Macau estamos presentes não só ao nível dos investimentos, como o Fórum Macau, mas também em todos os eventos de relevo, como a Feira Internacional de Macau, da qual seremos parceiro estratégico na edição deste ano. Esta relação é sólida e forte, e tem como base a amizade, mas também toda esta visão que a China tem para o mundo. Cabo Verde será complementar a Macau, nunca concorrente. 

Relativamente aos investimentos do empresário David Chow, como se enquadra este projecto no contexto do desenvolvimento do jogo e turismo?

Este projecto irá complementar o desenvolvimento de um segmento novo de turistas, porque outras áreas estão ligadas ao jogo, para puxar algumas marcas internacionais e trazer desenvolvimento à economia local em termos de fornecimento agroalimentar, iates, lavandarias, as taxas aos municípios. Há um efeito multiplicador. É um investimento importante para o país. Quem investe este valor é porque acredita em nós. 

No que diz respeito ao Interior do País, que tipo de novo investimento gostaria de atrair?

Estamos a trabalhar para atrair a parte privada, sobretudo em termos de tecnologias da informação e comunicação e comércio electrónico. Esta área tem a componente da capacitação, o que é muito importante para o nosso centro de tecnologias. Permite ter áreas do know-how das novas parcerias também no contexto de Cabo Verde como exportador de serviços. No campo da indústria chinesa, porque não utilizar Cabo Verde como plataforma de reexportação para outros países africanos, tendo em conta a posição estratégica? As energias renováveis também podem ser importantes. Há uma nova empresa privada chinesa que está para entrar em Cabo Verde. Atrás desta virão outras empresas.

O projecto ‘Made in Cabo Verde’ é uma das prioridades do país. Em que consiste?

Temos estado a exportar serviços, deixando de ser um país importador, passando a ser fornecedor. Este é um ponto importante. Quanto aos nossos produtos, temos os derivados da pesca. O nosso objectivo agora é procurar os nichos para a capacitação dos exportadores e qualificação dos produtos. Estou a falar por exemplo do grogue, do queijo, do café, vinho, sal gourmet, pedras ornamentais, produtos cosméticos, sabonetes especiais, óleos e produtos biológicos. Estamos a falar de grupos de mulheres empreendedoras. Queremos trabalhar estes nichos. Em termos de exportação, há dois prismas: um é atrair empresas para usarem a plataforma Cabo Verde, o outro é a nível interno, trabalhando estes nichos. É importante também aqui o apoio da banca.

E relativamente à China como destino de exportações dos produtos ‘Made in Cabo Verde’?

O trabalho que está a ser feito diz respeito à promoção e conhecimento do país na China. Não conseguimos exportar se não tivermos Cabo Verde como marca de qualidade nos produtos. Em segundo lugar, precisamos de trabalhar as parcerias entre as empresas chinesas e as nossas empresas. Por isso, preciso de ter os instrumentos, como acordos de dupla tributação, de proteção dos investimentos. Ao trabalhar nas parcerias, empoderamos as nossas empresas que continuarão a ser cabo-verdianas, mas atingem este mercado porque automaticamente se internacionalizam. Os produtos biológicos são altamente consumíveis e podemos trabalhar neste aspecto.

A economia azul está na moda e quer Cabo Verde quer a China têm estado a apostar neste sector. Que potencial existe a este nível?

Ao nível da economia azul, Cabo Verde está a apostar forte. Desde logo, 99 por cento de Cabo Verde é mar. Há já uma comissão a trabalhar nisso. Brevemente serão conhecidas as fases a desenvolver. Há toda uma área com oportunidades de negócios que são imensas. Estamos a falar de aquacultura, mapping, entre outras actividades. Estamos a falar de um plano estratégico muito interessante. Temos um foco especial nesta área.

A diversificação também passa por aqui?

Sim. Economia azul, indústria da pesca, tecnologias da informação, energias renováveis. A nossa mensagem é: “Cape Verde is open for business” (Cabo Verde está aberto aos negócios, em português). Cabo Verde é um destino para negócios. Há que sublinhar o papel fundamental da diáspora. Há uma reforma excepcional aqui que é o estatuto da diáspora, que lhe vai permitir ter outros benefícios, outras isenções para investir em áreas novas.

Como está o processo da Zona Económica Especial de São Vicente e o envolvimento da China neste e noutros projectos?

Está a andar. A relação com a China é extremamente forte. A China tem apostado em várias áreas, na parte pública. Faço aqui uma referência que é de salientar. O campus universitário (na cidade da Praia), que estará brevemente pronto, vai-nos permitir ter 5000 estudantes, 500 professores, várias áreas e permitir ter uma formação e capacitação das nossas pessoas. O capital humano é altamente importante para nós. Este incremento relativamente à relação comercial e económica tem sido importante.

Tem acarinhado a promoção do empreendedorismo no feminino. Que resultados são visíveis?

A questão de género é algo que interessa muito ao país. Não posso deixar de falar das associações de mulheres empreendedoras. A mulher cabo-verdiana é muito empreendedora, guerreira. É uma mulher que não desiste, vai à luta e consegue – é um activo do país.