Novo laboratório antecipa o futuro

Em entrevista concedida em exclusivo à MACAU, o reitor da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Macau (UM), Xu Chengzhong, fala no estádio de desenvolvimento do novo laboratório conjunto de inteligência artificial da UM. O laboratório promete ter um papel decisivo na aplicação a Macau de tecnologias que, segundo Xu e muitos outros especialistas, vão mudar a forma como vivemos. O reitor diz que as aplicações que estão a ser estudadas vão ter impactos palpáveis em domínios como a gestão do trânsito e fluxo de turistas na cidade, cuidados médicos, segurança e no sector financeiro. São tempos de antecipar o futuro no campus da maior universidade da RAEM

Texto Paulo Barbosa

Há investigadores locais que estão a vislumbrar novas utilidades para as tecnologias de inteligência artificial e robótica. Para encurtar a distância entre o presente e um futuro que se adivinha cada vez mais possível, a Universidade de Macau (UM) estabeleceu recentemente um laboratório conjunto de inteligência artificial (AI) com o Instituto de Tecnologia Avançada de Shenzhen e a Academia Chinesa de Ciências.

Na cerimónia de lançamento do laboratório, o reitor da UM, Yonghua Song, assinou um protocolo com o presidente do Instituto sediado em Shenzhen, Fan Jianping, para o estabelecimento de programas de doutoramento conjuntos.

O reitor da UM disse acreditar que “o novo laboratório terá um impacto duradouro em Macau”. Através dele, a UM poderá ter acesso à investigação inovadora que está a ser feita em Shenzhen nos domínios da inteligência artificial e da robótica. Naquela metrópole vizinha, muitas aplicações de inteligência artificial estão a ser postas ao serviço dos cidadãos e das entidades que gerem a urbe.

Song afirmou que a UM tem muito a ganhar com esta iniciativa em termos de treino de pessoal especializado, acesso a redes universitárias, desenvolvimento de equipas conjuntas de pesquisa científica e eventual comercialização de algumas aplicações.

Depois da cerimónia de lançamento foi realizado um fórum onde o reitor da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UM, Xu Chengzhong, fez um ponto da situação da pesquisa relacionada com a inteligência artificial que está a ser feita no campus da Ilha da Montanha.

A MACAU entrevistou Xu para conhecer as valências do novo laboratório e alguns dos estudos que já estão a ser feitos na RAEM em termos de inteligência artificial. O especialista é doutorado em ciências informáticas pela Universidade de Hong Kong e esteve no Instituto de Tecnologia Avançada de Shenzhen durante três anos antes de ser contratado pela UM.

 

Enorme potencial

Fazendo uma retrospectiva histórica, Xu relembra que a chamada inteligência artificial passou por vários estádios, com a máquina a vapor a dominar a Revolução Industrial de há cerca de 200 anos. No século passado houve uma transição da mera mecânica para sistemas eléctricos e de automação, que melhoraram a eficiência dos sistemas. “O terceiro estádio é a informação. A informação continuou a melhorar a eficiência e o poder de cálculo”, conta o académico. “E neste momento estamos a entrar na era da inteligência [artificial], que permite aumentar a inteligência do ser humano. O potencial de aplicações é enorme em áreas como cidades e sistemas médicos inteligentes e aplicações financeiras.”

As tecnologias de inteligência artificial têm um espectro muito amplo, podendo ser vistas sob diferentes ângulos. Há o hardware (como os microcircuitos), os sistemas de software e, mais próximo do consumidor final, as aplicações.

Muito por causa dos smartphones, aplicação é um dos substantivos mais em voga hoje em dia. As que recorrem a técnicas de inteligência artificial têm características muito diferentes entre si. Algumas são baseadas em sistemas de reconhecimento visual, outras estão centradas no reconhecimento de som e compreensão idiomática. Segundo Xu Chengzhong, a UM tem cerca de 30 especialistas a trabalhar em todos estes diferentes aspectos da inteligência artificial I.

Xu é um firme apologista da ideia de que “a inteligência artificial pode ser usada para ajudar a melhorar a felicidade das populações”. Por isso, o novo laboratório pretende estudar aplicações que possam ser aplicadas na vida real da RAEM, em áreas como o entretenimento, a segurança pública ou a linguística. “Macau é uma cidade muito única, onde se usa o cantonês, o mandarim, o português e o inglês. A inteligência artificial pode ter um papel nas traduções em tempo real”, exemplifica.

Questionado sobre os motivos que levaram a formar o laboratório conjunto, o professor diz que a parceria inter-universitária vai permitir criar aplicações locais que tirem proveito das tecnologias de inteligência artificial. “A China é forte em aplicações, tem a grandeza de mercado e tem as bases de dados. Os membros da nossa faculdade estão a desenvolver tecnologias, mas estas tecnologias precisam de encontrar aplicações. Portanto, pode haver uma colaboração com o Interior do País em termos de encontrar as aplicações [que se apliquem a estas tecnologias].”

Acresce que o Instituto de Tecnologia Avançada de Shenzhen e a Academia de Ciências Sociais Chinesa também têm o domínio avançado de certas tecnologias e aplicações que são essenciais para Macau, diz Xu.

“Nós [UM] não podemos desenvolver todas as tecnologias sozinhos. Eles [essas instituições] têm as bases de dados que nos ajudarão a melhorar as tecnologias que estamos a desenvolver aqui.”

 

Transporte inteligente

A UM já começou a desenvolver tecnologias de inteligência artificial aplicadas a sistemas de “transporte inteligente”, no âmbito de um protocolo com o Instituto de Tecnologia Avançada de Shenzhen. Naquela cidade vizinha, este tipo de sistemas está já a ser aplicado na vida quotidiana dos residentes. “Estas tecnologias têm vindo a ser desenvolvidas lá há anos e eles têm as bases de dados relacionadas com gestão urbana, sistemas de autocarros, táxis e metro. Eles já estão a aplicar algumas destas tecnologias, outras estão em fase de desenvolvimento.”

Xu acredita que tecnologias de “transporte inteligente” poderão vir a ser aplicadas em Macau num futuro breve. Essa área é a primeira em que se estão a ver aplicações práticas de inteligência artificial em Macau.

Um exemplo são os sistemas de informação sobre os trajectos dos autocarros, já aplicados em Macau mas usados com mais eficácia do outro lado do Rio das Pérolas. “O uso em Macau ainda é muito limitado, devido à tecnologia que está a ser usada. O que se faz aqui é informar a quantas estações de distância estão alguns autocarros públicos. Estão a usar o sistema GPS. Mas em Shenzhen eles já têm a tecnologia que permite informar quanto tempo demorará a chegar o autocarro de que está à espera. Isto é bastante difícil de conseguir, porque está ligado ao trânsito e às condições atmosféricas. É necessária a estimativa das condições de trânsito em tempo real”, diz.

A verdade é que em Shenzhen as tecnologias de inteligência artificial que estão a ser usadas para melhorar o transporte urbano são uma adaptação dos percursos de autocarro. É possível verificar que as pessoas de uma certa área da cidade tendem a movimentar-se para uma outra zona e as autoridades podem consequentemente criar novas carreiras ou optimizar os percursos.

Outro aspecto com utilidade em Macau é o controlo de multidões. O problema faz-se sentir na cidade nas épocas mais festivas do calendário chinês, tais como o Ano Novo Lunar. Centenas de milhares de turistas afluem a certas zonas da cidade e as autoridades locais chegam a ser obrigadas a introduzir medidas de controlo de multidão. “Macau é um sítio muito único, visitado por muitos turistas. Mas será que temos implementadas medidas que façam com que seja possível dizer às autoridades que certa zona está cheia?”, pergunta o reitor da Faculdade de Ciência e Tecnologia. “Estamos a desenvolver tecnologias baseadas na informação gerada pelos autocarros, pelos telefones e também pelos padrões de compras dos turistas para ter uma fotografia geral da mobilidade na cidade.”

 

Os desafios da robótica

A robótica é um tema muito abrangente, com muitas aplicações que estão desde há cerca de seis décadas a ser usadas pelo sector industrial. Mas há um crescente uso de robôs para a indústria dos serviços. Segundo Xu Chengzhong, essa é a área da robótica com maior potencial para Macau.

“A inteligência artificial chegou ao ponto de começar a entrar na nossa vida diária. A força dos robôs é que podem trabalhar num ambiente circunscrito bem definido por regras. O grande desafio é aplicar os robôs a um ambiente aberto, onde há incerteza.” Para responder ao repto, a UM está a investigar sistemas de condução automática.

“Estamos a chegar à quarta revolução. A primeira foi espoletada pela mecânica, depois a eficiência foi melhorada com sistemas automatizados e eléctricos; depois chegámos à revolução nas tecnologias de informação e agora estamos a chegar à quarta revolução, que é a da inteligência aumentada”, aponta.

O especialista explica como as sociedades modernas poderão estar a evoluir para um futuro híbrido, com os sistemas computacionais a assumirem ainda maior relevância. “A inteligência de máquinas tem os seus fortes e funciona num ambiente controlado. O ser humano tem a capacidade de lidar com a incerteza. O caminho futuro pode ser a inteligência aumentada ou híbrida”, diz, acrescentando que os computadores já nos dão o poder da aumentação. São disso exemplo motores de busca usados diariamente pelos internautas, como o Google ou o chinês Baidu.

Secundando as palavras do reitor da UM, Xu refere que o impacto deste laboratório e de outros que estão a fazer pesquisa relacionada será perene. Isto devido ao impacto que as tecnologias presentemente em desenvolvimento terão na sociedade.

“No âmbito da UM, temos vários centros de pesquisa: o centro de pesquisa para inteligência artificial, o centro para a ciência da criação de bases de dados, temos também um centro para ciências cognitivas. Há ainda um laboratório que estuda o conceito de cidades inteligentes”, enumera. “Estamos a olhar para a inteligência artificial de diferentes perspectivas e usando plataformas diferentes, combinando especialidades de investigadores em diferentes faculdades.”

O centro da pesquisa está baseado na Faculdade de Ciência e Tecnologia, mas esta colabora com outros departamentos da UM, como a Faculdade de Ciências da Saúde, a Faculdade de Letras e a Faculdade de Gestão de Empresas. “Isto é claramente uma pesquisa interdisciplinar”, conclui Xu.

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Doutoramento conjunto

No âmbito do acordo de cooperação entre a Universidade de Macau, o Instituto de Tecnologia Avançada de Shenzhen e a Academia Chinesa de Ciências, foi estabelecido um programa de doutoramento conjunto. É esperado que as outras universidades participantes enviem professores para desenvolverem doutoramentos na UM. Em Agosto, começaram a decorrer visitas do grupo especializado em inteligência artificial da UM às outras instituições signatárias do acordo. “Estas visitas vão ajudar os membros da nossa faculdade a definir problemas, identificar áreas com potencial de investigação e estudantes [do Interior do País] que possam ser supervisionados”, revela Xu à MACAU.

 

Aplicações com utilização comercial

O reitor da Faculdade de Ciência e Tecnologia admite que um dia algumas das tecnologias desenvolvidas no laboratório possam ter potencial comercial. Há também o interesse de criar patentes que possam depois ser transferidas para indústrias. “A transferência de tecnologia pode ser feita de diferentes formas”, comenta.

Questionado sobre quem beneficiaria mais com as tecnologias de inteligência artificial, Xu Chengzhong explica que há vários intervenientes que podem retirar vantagem da pesquisa que está a ser feita em laboratórios universitários. “O Governo tem a vantagem porque pode fazer uma gestão do território com acesso a informação detalhada. Há também uma ou duas aplicações que estamos a desenvolver que seriam interessantes em termos comerciais, podem ser incubadas em negócios. Em terceiro lugar, é lógico que não podemos desenvolver todas as aplicações possíveis”, diz.

“Temos a plataforma e temos a informação e estamos a desenvolver um pequeno número de aplicações para demonstrar o potencial das tecnologias. É possível que algumas aplicações possam ser comercializadas. É também o que estamos a fazer em Shenzhen. Podemos fornecer informação a empresas privadas para que estas desenvolvam as suas aplicações.”