Su Jian, embaixador da China em Moçambique: “Relação entre Macau e Moçambique tem um futuro promissor”

Depois de uma missão de três anos como embaixador em Cabo Verde, Su Jian chegou a Maputo em 2015 e tem acompanhado de perto o rápido incremento das relações a todos os níveis entre o seu país, a República Popular da China, e Moçambique. Em entrevista à MACAU, o embaixador faz uma retrospectiva do investimento chinês em Moçambique e fala do presente e do futuro das relações entre os dois países

Texto e Fotos Dalton Sitoe, em Moçambique

A China tem estado a contribuir a vários níveis para o desenvolvimento de Moçambique. A título de exemplo, a China é o principal construtor e financiador de infra-estruturas em Moçambique, para além de ser o maior investidor estrangeiro no país africano, com uma cifra acumulada de sete mil milhões de dólares norte-americanos. Em entrevista exclusiva à MACAU, o embaixador da República Popular da China em Moçambique, Su Jian, fala detalhadamente do estágio actual da cooperação entre Moçambique e a ?China e das perspectivas do relacionamento entre Macau e Moçambique.

Qual é a saúde do intercâmbio entre a China e Moçambique?

A cooperação está a ser muito produtiva e sustentável. Em termos de intercâmbio governamental, em 2019 tivemos muitas delegações das duas partes a dialogarem. Quase todos os dirigentes moçambicanos já visitaram a China mais de uma vez. Em Abril de 2019, o presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, foi à China para participar no II Fórum sobre a Cooperação Internacional “Uma Faixa, Uma Rota”. Ministros moçambicanos e outros oficiais de alto nível também chefiaram várias delegações para a China, incluindo Macau. Da parte chinesa, o nosso vice-presidente da Comissão Central Militar, alguns ministros, vice-ministros, e governadores das províncias visitaram Moçambique para reforçar o relacionamento tradicional e procurar mais oportunidades para a nossa cooperação.

Aqui falou em termos governamentais. O que se pode dizer do intercâmbio entre os dois povos na perspectiva de um cidadão comum?

Em 2019 cerca de oito mil moçambicanos foram à China, entre comerciantes, empresários, estudantes, artistas e pessoas de outras áreas. Estas visitas reforçam esta relação tradicional entre Moçambique e China. Cerca de 500 estudantes moçambicanos encontram-se actualmente no nosso país e frequentam várias universidades. A China também recebeu cerca de 500 moçambicanos para formações e capacitações em várias áreas. Também são muito frequentes a troca de visitas entre artistas, pintores, professores e reitores para intercâmbio.

E qual é o balanço que faz da cooperação entre a China e Moçambique?

É positivo. Estamos a implementar muitos projectos de cooperação em Moçambique. Agora estamos a construir o segundo maior projecto de cooperação chinesa na África, que é o Centro Cultural Moçambique e China. Essa construção é muito grande na história de Moçambique pois tem um anfiteatro com uma sala para acolher 1500 pessoas, uma sala de teatro com 500 lugares e um salão multifuncional com 250 lugares. O centro vai servir de plataforma para o intercâmbio cultural entre Moçambique e o mundo, e também vai ajudar a promover o turismo. Também estamos a construir duas instituições no campus da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), que são a Escola de Comunicação e Artes (ECA) e o Instituto Confúcio (centro de ensino de língua chinesa na UEM). Estas instituições já existem, mas por exemplo com essas obras a ECA passará a ter instalações próprias. Assinámos recentemente um acordo para financiar a construção de um centro nacional cirúrgico no Hospital Central de Maputo. Vai ser um complexo grande, com oito andares, e terá 600 camas. O centro terá equipamento moderno para que os pacientes possam beneficiar de um espaço digno para cuidar da sua saúde.

Fora de Maputo também existem muitas obras em andamento ou em projecto…

Sem dúvida. Lançámos a primeira pedra em Gorongosa, na província de Sofala, para a construção de um instituto politécnico naquela província. Ainda em 2019 iniciou-se a construção do aeroporto de Xai-Xai, em Gaza, e actualmente a estrutura de terminal de passageiros já está pronta e os técnicos chineses e moçambicanos estão a trabalhar arduamente para fazer a pista de aterragem das aeronaves. Prevemos que até ao final do primeiro trimestre de 2021 o aeroporto estará concluído. É preciso referirmos que Gaza é até agora a única província moçambicana que não tem aeroporto. A China é o principal construtor e financiador das infra-estruturas moçambicanas. Ainda em 2019, como fruto da cooperação, foram inaugurados a Estrada Nacional número 6 e o Porto de Pesca da Beira. Actualmente estamos a construir o centro de produção da TVM (televisão pública de Moçambique), que já está na etapa final, e estamos no projecto de migração digital da televisão pública.

Quais são as outras áreas de intervenção chinesa fora do âmbito das infra-estruturas?

Apoio humanitário. A zona centro de Moçambique sofreu com os ciclones Idai e Kenneth no início de 2019. E a China apoiou as vítimas dos ciclones através da doação de bens alimentares. Agora estamos a trabalhar com as Nações Unidas para continuar a ajudar as vítimas do ciclone Idai. A China já destinou 11 milhões de dólares norte-americanos para financiar quatro projectos a serem implementados por várias agências das Nações Unidos. Queremos ajudar na reconstrução das casas e dos mercados destruídos pelo ciclone e desejamos ajudar as crianças e mulheres socialmente vulneráveis e atingidas por este desastre natural. Ainda ao nível de apoio à população, abrimos 202 furos de água nas províncias de Maputo e Gaza. E oferecemos cem autocarros para o transporte público. Estamos, também, focalizados no financiamento para apoiar projectos agrícolas em Moçambique. O potencial agrícola deste país é enorme e queremos também contribuir nessa área. Essencialmente, os empresários chineses estão a actuar ao nível da construção civil, infra-estruturas, telecomunicações, agricultura, comércio, ciência e tecnologia, cooperação de saúde pública e exploração de recursos naturais. Nos últimos anos, a China manteve-se como o país estrangeiro que faz mais investimento em Moçambique. O valor acumulado do nosso investimento em Moçambique cifra-se em sete mil milhões de dólares norte-americanos. Investimos mais na agricultura e na indústria transformadora. Estamos a falar do processamento da castanha de caju, produção de artigos plásticos de uso diário, bebidas e materiais de construção civil. Tudo isto criou muitos postos de trabalho para os moçambicanos.

Quantos chineses estão em Moçambique?

Não temos um número exacto, porque há chineses a entrar e a sair. Mas as estimativas apontam para aproximadamente sete mil chineses. O número é reduzido agora, porque nos últimos anos a economia moçambicana não esteve muito forte, então alguns chineses foram para outros países à procura de mais oportunidades de investimento. Como a economia moçambicana está a recuperar, acredito que a presença do empresariado chinês vá aumentar.

Quais são os planos que a Embaixada da China tem para o futuro em termos da cooperação entre a China e Moçambique?

Ao nível da ajuda gratuita queremos fazer mais projectos sociais que ajudam a população directamente, como a oferta de autocarros para o transporte público, mais furos de água, plantações de cereais, a oferta de materiais para escolas e hospitais, e outras actividades. Ao nível do investimento, vamos encorajar empresas chinesas a implementar projectos economicamente viáveis e que criam mais emprego para jovens moçambicanos.

A China tem sido um destino popular dos estudantes africanos. Face a esta cooperação também a nível académico, o que se pode esperar dos próximos anos?

Vamos continuar a aumentar as bolsas de estudo para jovens moçambicanos. Também queremos atrair mais jovens moçambicanos para estudar na China nas áreas que o desenvolvimento económico de Moçambique precisa, por exemplo, exploração do petróleo e do gás, gestão de empresas, economia, finanças, comércio e medicina.

E qual é o estágio da cooperação entre Moçambique e Macau?

A relação entre Moçambique e Macau é excelente, por motivos históricos, culturais e graças, também, à língua portuguesa. O facto de Macau ser um território bilingue traz vantagens para servir a cooperação entre a China e Moçambique. Actualmente, Macau coopera com Moçambique na medicina tradicional chinesa. A RAEM vai criar um centro de pesquisa de medicina tradicional em Moçambique e já começou a formar médicos e enfermeiros moçambicanos. Macau quer contribuir para que os produtos da medicina tradicional possam entrar para o mercado. Temos também alguns moçambicanos a fazer o curso de mestrado e doutoramento em Macau, em diversas áreas.

O que se pode esperar do relacionamento entre Moçambique e Macau nos próximos tempos?

A cooperação Moçambique-China está a acontecer, mas temos o desafio da língua, porque os empresários chineses não falam português. Macau como um território bilingue vai desempenhar um papel fundamental na mediação entre as duas partes, oferecendo consultas jurídicas em duas línguas, por exemplo. Podemos ter a certeza de que no futuro o espaço de cooperação entre Macau e Moçambique para intercâmbio e cooperação é muito grande. Pode-se, ainda, esperar mais intercâmbio entre artistas, professores e reitores. E iremos encorajar a cooperação entre as televisões de Macau e Moçambique com vista a partilharem programas e organizar alguns eventos educativos e académicos.