O livro como objecto artístico

Um livreiro independente fala na sua paixão pelos livros e como a vontade de a partilhar com amigos levou à abertura da Pin-to Livros & Música. Anson Ng acredita que há um ressurgimento do interesse pelos livros impressos e muito público com interesse no que é publicado em chinês sobre Macau. Yvonne Yu, editora da revista Livros e a Cidade, refere a importância do marketing para o sucesso de um lançamento livreiro 

Texto Irene Sam 

Para os cidadãos urbanos, o tempo passado no trabalho ocupa uma grande parte da vida quotidiana. Na sociedade chinesa, onde a prosperidade financeira é da maior importância, as pessoas trabalham longas horas e não têm muito tempo disponível para a leitura. “Os áudio-livros são populares actualmente e vendem muito bem, porque quando alguém está a conduzir ou a fazer trabalhos domésticos, a sua mente está livre e podem ouvir histórias”, diz Yvonne Yu, editora da revista Livros e a Cidade, que é distribuída nas bibliotecas locais. 

“Hoje em dia, a actividade de publicar livros está relacionada com a criação de propriedade intelectual”, acrescenta Yu, que também é editora de vários livros de estilo de vida. “Um livro serve para contar uma história, mas pode ser criado merchandising relacionado com as personagens ou a história do livro. O aspecto comercial tem que ser muito forte porque as pessoas envolvidas [no negócio da edição] querem ter o máximo lucro possível. É interessante observar que os leitores chineses dão importância aos aspectos de marketing que rodeiam o lançamento de um novo livro, o que é muito entusiasmante para as indústrias criativas”. 

Partilhando a mesma opinião que Yu, o dono e curador da Pin-to Livros & Música, Anson Ng, acredita que o desafio de gerir uma livraria e de publicar hoje em dia está para lá do espaço físico da livraria e tem a ver com algo mais espiritual.  

“A beleza do espaço físico de uma livraria pode atrair leitores para se deslocarem lá e comprarem livros. Comprar um livro é uma experiência. No Interior do País, há mesmo prémios e listas sobre “as mais belas livrarias”. Os leitores afluem a esses espaços apenas para desfrutar e sentir a atmosfera. Essas visitas a um destino específico também se aplicam a bibliotecas. É algo de quase espiritual”, explica.  

A beleza estética tem um papel enorme no espaço físico no qual alguém lê. O aspecto de um livro é também razão para explicar a preferência por uma obra por comparação a uma versão digital. “A textura do papel, a encadernação, os espaços entre as palavras, o design da capa e muitos outros elementos definem a existência de um livro. Em qualquer perspectiva com que se pense nisto, um livro trata-se de uma obra de arte”, diz Ng. 

“O que fizeram os editores após a versão digital dos livros se ter tornado popular? Eles começaram a melhorar o lado estético das publicações. Muitos livros são itens de coleccionador. Mas ter livros é um luxo, porque é preciso espaço para os guardar”, continua.  

Para um leitor voraz como Ng, ser dono de uma livraria também significa que há que perscrutar as mentes dos clientes e perceber que tipo de obras tem potencial de venda e saber que livros não vendem. Uma pequena livraria como a Pin-to Livros & Música não tem a capacidade de adquirir muitos livros e não pode ser comparada a vendedores online de grande dimensão. Isto significa que Ng tem que ser selectivo quando encomenda livros.  

“Tenho grupos nas redes sociais com os quais troco informações sobre livros. O meu critério é que cada foto que tiro de um livro tem que ser bonita. A Amazon pode vender mais livros do que eu, mas eu dou a conhecer livros que os clientes da minha livraria provavelmente desconhecem. Por isso, de certa forma, estou a influenciar o que as pessoas lêem e sou uma espécie de curador”, indica Ng. 

A clientela do livreiro tem vindo a sedimentar-se desde 2003, quando a Pin-to Livros & Música abriu num discreto segundo andar do Largo do Senado e rapidamente se tornou num espaço de culto, vendendo livros e também CD novos e em segunda mão. Quando o espaço abriu, Ng tentava ir ao encontro dos amigos, que são todos apreciadores de livros. “Há 16 anos, os meus amigos e eu não conseguíamos encontrar os livros de que gostamos nas livrarias existentes na cidade, por isso decidimos abrir o nosso próprio espaço”, conta.  

“Com a passagem do tempo, descobrimos que há uma procura pelos livros que eu e os meus amigos lemos. Mesmo que o digital esteja a ficar mais proeminente nas vidas de muitos de nós, os livros impressos não vão desaparecer. Na história da humanidade, os livros têm sido um media importante para guardar conhecimento e informação. A forma como um livro se abre ou apenas o acto de virar as páginas já está enraizado em muitas gerações.” 

“Os livros têm feito companhia aos humanos por muito mais tempo do que os aparelhos digitais, e quando pesquisamos informação do passado, continuamos a lidar com livros impressos. Só a informação mais recente está armazenada em formato digital ou aspira a isso. Há também um mundo de livros antigos e em segunda mão onde apreciar a mestria do editor ou o método de impressão constituem, em si mesmos, descobertas. Há muito a discernir no mundo dos livros e na base de tudo isto está o facto de eu ter uma paixão por livros. A alegria de partilhar está para lá de ter um espaço comercial”, partilha.  

Ng admite que a margem de lucro no negócio dos livros não é alta. Observa que amigos que detêm outras livrarias sentem a pressão das rendas e do custo crescente com a contratação de trabalhadores. Para a maior parte dos leitores, a leitura online ocupa quase todo o tempo de leitura e pouco sobra para apreciar um livro impresso. No entanto, Ng está optimista em relação à existência de livros impressos no futuro. 

“Houve uma altura em que o digital se impôs e muitos declararam que o livro impresso estaria morto. Mas a verdade é que neste momento há mais pessoas a voltarem a ler livros, particularmente em países europeus. Está muito na moda abrir livrarias independentes, tanto na sociedade chinesa como na europeia”, refere.  

Na Pin-to Livros and Música, agora a funcionar nas imediações do hospital Kiang Wu, são organizados eventos regulares onde escritores de Macau e da Ásia apresentam o seu trabalho ao público. “Temos um fórum de discussão no Facebook onde participam mais de mil pessoas e temos para lá de dez mil seguidores. Adicionalmente à livraria, estas redes sociais são uma plataforma de intercâmbio com indivíduos de regiões como Macau, Taiwan e o Interior do País. Isto ajuda os escritores de Macau a chegarem ao exterior e aparentemente há pessoas muito interessadas na cultura de Macau”, aponta Ng.  

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O ressurgimento dos zines 

Enquanto a indústria editorial está gradualmente a tornar-se digital, os zines (pequenas revistas independentes), por outro lado, estão a entrar no mercado de publicações impressas. Apesar de não terem um grande volume de publicações e produção, o seu design único tem atraído uma série de novos leitores. Enquanto produto experimental que visa revolucionar a indústria editorial tradicional, o zine rompe os limites da edição e volta o foco para as mensagens que os criadores de conteúdo querem transmitir, destacando-se como um defensor da livre expressão artística e criativa. A empresa local Something Moon Design, de Cheang Chi Wai, é uma das que tem apostado na produção de zines como The Protagonist is Always in the Middle e Do U Want Me to Describe the Place I Live, por considerar que há um nicho de mercado interessante. Todos os zines de Cheang são impressos e encadernados manualmente por ele e cada publicação tem menos de 50 cópias impressas para venda. Depois de esgotadas as cópias, não há uma segunda edição, o que gera ainda mais interesse dos leitores que gostam de guardar as publicações como parte de uma colecção. “As publicações em formato de zines têm um design fantástico e parecem incríveis. Mas ter conteúdo significativo é o que impulsiona o desenvolvimento a longo prazo.”