Governo da RAEM quer mais da lusofonia

A cooperação económica e comercial entre a China e os países de língua portuguesa alcançou um rápido crescimento, tendo alcançado em 2019 um resultado histórico: o valor total das importações e exportações de ambas as partes foi de 149,639 mil milhões de dólares. Apesar de um período de incerteza devido à pandemia provocada pela Covid-19, o Governo da RAEM está apostado em fazer essas relações crescer, tendo Hengqin como principal trunfo

Texto Catarina Brites Soares

“Aproveitaremos as vantagens da ligação estreita de Macau aos países de língua portuguesa para promover o intercâmbio e cooperação culturais, através da realização de actividades, aos mais diversos níveis e áreas.” Esta é uma das metas do Governo para 2020, anunciada nas Linhas de Acção Governativa (LAG).

Hengqin, a ilha pertencente a Zhuhai vizinha a Macau, vincou o Chefe do Executivo, será um dos pontos primordiais para reforçar o papel de Macau como plataforma entre a China e a lusofonia. “Serão aproveitadas as vantagens que decorrem da possibilidade de serem efectuados registos de embarcações em Macau, será explorada, de forma coordenada com as outras cidades da zona da Grande Baía ou outras regiões do Interior do País, a possibilidade de cooperação marítima, ou no âmbito das pescas, com os países de língua portuguesa, transformando Hengqin numa plataforma relevante para o estabelecimento de parcerias no âmbito da cooperação marítima entre a China e aqueles países”, referem as LAG, apresentadas pelo Governo na Assembleia Legislativa em Abril e Maio passados.

O documento refere 43 vezes os países de língua portuguesa e mais cinco a língua portuguesa. Entre as medidas, estão previstos o desenvolvimento do comércio digital entre a China e os países de língua portuguesa e o comércio electrónico transfronteiriço, de modo a que Macau se integre na cadeia de valores do comércio nacional.

“Construiremos o centro internacional para o comércio entre a China e os países de língua portuguesa, o qual contribuirá para um bom desempenho de Macau enquanto plataforma de actividades comerciais entre as partes”, realça o Executivo.

O Governo pretende também aproveitar as vantagens de Macau como zona aduaneira autónoma, de plataforma de serviços para a cooperação financeira e comercial entre a China e os países lusófonos, e da sua rede de ligação ao exterior, em conjugação com as vantagens de Hengqin – os espaços e recursos – para reforçar a abertura ao exterior favorecendo o estabelecimento de contactos entre o Interior do País e os países ou regiões abrangidas pela iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”, como os países lusófonos e outros países latinos. A meta, refere-se no documento, é contribuir para a plena abertura do país ao exterior.

“Será ainda fomentado o uso do renminbi (RMB) nos países de língua portuguesa, continuando a envidar todos os esforços para que mais políticas e medidas sejam implementadas com o objectivo de apoiar a construção de Centro de Liquidação de RMB dos Países de Língua Portuguesa em Macau”, sublinha o Governo no mesmo documento.

O Executivo quer também realizar formação e actividades de intercâmbio técnico para bancos centrais, entidades reguladoras de seguros e associações do sector dos países lusófonos, promover serviços e operações financeiros em RMB a partir de Macau; reforçar a cooperação com o Gabinete de Trabalho em Zhuhai da China Export & Credit Insurance Corporation, proporcionando o necessário apoio às empresas de Macau e da lusofonia interessadas no aproveitamento dos respectivos serviços para exploração de mercados.

Faz também parte dos planos para este ano valorizar as funções do Fundo de Cooperação e Desenvolvimento entre a China e os Países de Língua Portuguesa, com sede em Macau, para fomentar a concretização de projectos com investimento do Fundo, apoiar a formação de talentos financeiros e lançar o serviço de solução de litígios de consumo ocorridos na China e nos países lusófonos.

Mais cultura

O intercâmbio cultural é outra das apostas para reforçar o papel de Macau enquanto ponte entre a China e a lusofonia. Também em Hengqin, o Governo quer desenvolver a indústria cinematográfica, assim como outras indústrias culturais e criativas com a tónica na exposição dos elementos culturais de Macau, fruto da longa história como ponto de encontro cultural entre o Oriente e o Ocidente.

“Iremos aproveitar, plenamente, o papel de Macau como plataforma de intercâmbio e cooperação desportiva entre a China e os países de língua portuguesa para desenvolvermos a indústria do desporto e lazer”, realça o Executivo no documento das LAG. 

Na Assembleia Legislativa, a secretária para os Assuntos Sociais e Cultura, Elsie Ao Ieong, detalhou que um dos planos é organizar, no próximo ano, um intercâmbio de futebol entre a China e os países de língua portuguesa.

Ainda sobre a relação com a lusofonia, o Governo promete potenciar as vantagens de Macau no que respeita ao ensino na área do turismo e da língua portuguesa para formação de quadros qualificados bilingues de chinês e português. Refere que irá avançar com a criação do Centro Internacional Português de Formação e da Base de Formação de Quadros Bilingues em Chinês e Português.

Também no debate sectorial das LAG para as áreas que tutela, a secretária para os Assuntos Sociais e Cultura explicou que vai entrar em vigor um novo regime para o “Reconhecimento dos graus e diplomas do ensino superior de Portugal”. O Governo, prometeu Elsie Ao Ieong, vai ainda aumentar os apoios aos alunos que decidam estudar em Portugal com o intuito de incentivar a formação de quadros bilingues.

Incertezas

Ding Tian, secretário-geral adjunto do Secretariado Permanente do Fórum de Macau, referiu, em Maio, que as relações entre China e países lusófonos vivem um período de incerteza devido à crise provocada pela Covid-19, após um ano histórico de cooperação económica e comercial.

A resolução desta incerteza terá de passar por “incentivar e promover intercâmbios e cooperação entre a China e os países de língua portuguesa durante o período epidémico e o período pós-epidémico”, afirmou o responsável indicado por Pequim, durante o Lançamento do Relatório de Evolução da Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (2018 – 2019), publicado pela primeira vez em versão bilingue (chinês e português).

O responsável espera, por isso, que “especialistas e estudiosos façam activamente sugestões e propostas para este tema”.

Segundo o relatório, “a cooperação económica e comercial entre a China e os países de língua portuguesa alcançou um rápido crescimento” tendo atingido em 2019 um resultado histórico: “o valor total das importações e exportações de ambas as partes foi de 149,639 mil milhões de dólares, um valor idêntico ao divulgado pelos Serviços de Alfândega chineses em finais de Fevereiro.

No entanto, o valor do comércio entre a China e os países de língua portuguesa registou uma quebra de 9,37 por cento em termos homólogos em Janeiro e Fevereiro para 21.374 milhões de dólares, segundo dados oficiais chineses divulgados pelo Fórum de Macau. A China exportou nos dois primeiros meses do ano para os oito países de língua portuguesa bens no valor de 5651 milhões de dólares, com uma quebra de 7,04 por cento, tendo importado daqueles mesmos países mercadorias no valor de 15.723 milhões de dólares (menos 10,18 por cento), registando dessa forma um défice comercial de 10.072 milhões de dólares.