Aprender fora da caixa

A oferta de espaços que exploram vias alternativas de ensino é cada vez maior. As artes são o ponto de partida de muitos centros dedicados a crianças e jovens que procuram ser uma opção fora da formação convencional. De acordo com os dados da Direcção dos Serviços de Educação e de Desenvolvimento da Juventude (DSEDJ) cerca de 300 instituições particulares dão cursos no âmbito artístico. No ano lectivo de 2019/2020, 184 alunos finalistas escolheram as áreas de Artes e Designpara prosseguirem os estudos. A MACAU foi conhecer alguns dos espaços que apostam na educação dos mais novos, privilegiando as artes e a criatividade

Texto: Catarina Brites Soares

Fotos: Gonçalo Lobo Pinheiro

Centro de Educação de Música e Arte Meng Meng

Foi há 34 anos que Vong Oi Meng criou a Associação de Intercâmbio da Cultura e Arte Meng Meng e a Academia de Artes de Música Meng Meng, da qual o Centro de Educação de Música e Arte faz parte, com o intuito de colmatar uma lacuna. “Na altura, Macau era como um deserto no que respeita à oferta de actividades artísticas. Havia muito poucos lugares onde se aprendesse e foi por isso que abri a Academia. Queria cultivar nas crianças o talento e o gosto pelas artes, e promover as artes em Macau”, explica a fundadora.

Só no recém-aberto centro, inaugurado há um ano na Avenida de Coronel Mesquita, o número de alunos cresce a uma média de 10 a 20 por cento ao mês. Mas há outras provas que mostram que a aposta teve retorno.

Vong recorda um aluno que teve há 20 anos, na altura com 12 anos, e que gostava muito de música. Chegou até à professora de piano através de um amigo. “Comecei a dar-lhe aulas e como não tinha piano, vinha para a Academia praticar. Saía da escola e vinha todos os dias. Achava que os pais lhe iam dar dinheiro para continuar a ter aulas, mas depois percebi que a família não queria que aprendesse piano, porque achava que não servia para nada. Como ninguém lhe dava dinheiro para as aulas, começou a pagar com a mesada. Soube disso e como era muito dedicado, deixei de cobrar. Progredia muito rapidamente. Só num ano, conseguiu chegar ao quinto grau de piano. Continuou a aprender e fez o oitavo. Depois foi para Hong Kong, onde abriu um centro de ensino de piano, e mais tarde para o Canadá, onde abriu uma escola de piano. Teve sucesso. A família agradeceu-me muito. Sinto-me grata quando algum aluno tem êxito”, diz, com orgulho.

Foi a admiração pelo trabalho e dedicação de Vong que levou as professoras, e irmãs, Waice e Tina Che, a juntarem-se à Academia e a leccionarem no Centro de Educação de Música e Arte Meng Meng. “A educação das crianças é a área que mais influencia a sociedade. É esse contributo positivo que queremos dar”, realça Waice Che, professora de harpa e flauta no espaço, e que também deu aulas em escolas como o Colégio Diocesano de São José, a Escola de Aplicação anexa à Universidade de Macau e o Colégio do Sagrado Coração de Jesus.

Formada em Comércio Exterior e Negócios Internacionais, acumula a docência com a gestão e marketing do espaço. A relação com a música vem da infância. Foi aluna do Conservatório de Macau e é membro da Orquestra de Instrumentos de Sopro de Macau, depois de também ter feito parte da Orquestra Sinfónica Jovem de Macau e da Banda de Juventude Macau.

A irmã mais nova seguiu-lhe os passos. Depois de ter estudado música em Hong Kong e de ter tirado um mestrado na Alemanha, também enveredou pelo ensino, neste caso de oboé. A par do centro, também dá aulas no Colégio Baptista de Macau e em várias outras escolas. “Temos de ter em conta o nível de cada aluno e ensiná-lo de acordo com a evolução que vai tendo. O importante é ter paciência e tornar as aulas alegres. Hoje em dia, as crianças estão muito ocupadas, têm muito que estudar e várias actividades nos tempos livres. É importante que aprendam contentes”, alerta Tina Che.

A irmã Waice Che nota que, nos últimos anos, as crianças mudaram muito e que a comunicação é primordial. “Pedimos aos professores que conversem mais com os alunos e pais, que querem que os filhos aprendam muitas coisas. Como professores temos a responsabilidade de comunicar com eles para que possam ajustar o volume de actividades e estar mais relaxados”, realça. Vong vinca: “Preocupamo-nos com o que sentem”.

A atenção aos alunos, acrescenta Waice Che, é a base do ensino no centro. “É muito importante. Aprender música e outras artes deve ser alegre. Não podemos tornar as aulas demasiado exigentes e pedir que façam exames sucessivamente só para passar para o grau seguinte. Procuramos que desfrutem no processo de aprendizagem. O contacto com as artes acaba por influenciar diferentes áreas. Ajuda e contribui para que tenham mais confiança e consigam melhores resultados noutras partes da vida. “A exigência não é descurada”, alerta Vong Oi Meng.”Dou muito importância à base, que se aprende nos dois primeiros anos. Têm de ter uma base sólida, mais formal e rigorosa”, vinca a professora de piano.

A arte parece ser livre, reforça Waice Che, mas também implica autodisciplina. A exigência e o acompanhamento tendo em conta as capacidades e situação de cada aluno são as linhas mestras do centro, que pretende alargar o corpo docente.

Actualmente, conta com 22 professores, muitos com mais de 10 anos de experiência, todos com formação em artes e alguns a leccionar em escolas. As aulas, na maioria em cantonês, têm o máximo de 10 alunos. A turma dos mais novos vai dos dois anos e meio até aos quatro/cinco anos, quando começam a aprender instrumentos de forma mais séria até à idade adulta.

A partir de certo nível, alunos de piano e de instrumentos de sopro passam a aprender juntos. “A interacção entre instrumentos estimula o interesse das crianças pela música, pela aprendizagem mútua, o que é muito importante”, explica Waice Che. 

Além da música, também há aulas de canto em inglês – dadas por um professor formado nos Estados Unidos – e de outras vertentes como a pintura. “Temos turmas novas de pintura ecológica. A pintura a lápis de cor e aguarela já se aprende na escola. Queremos estimular a criatividade nos tempos que as crianças têm livres. A protecção ambiental é prioritária. Esperamos que os alunos possam criar essa consciência a partir de meios diversos porque a cidade precisa disso”, salienta a professora, explicando que nestas aulas se recorre a diversos materiais reciclados e recicláveis.

Vong Oi Meng volta à música para fundamentar os benefícios do contacto com o mundo artístico: “É uma actividade exigente, tem de se ler a pauta, tocar ao mesmo tempo. Exige rigor, que depois se manifesta noutras áreas da vida”, realça a fundadora.

“Esperamos educar as crianças não só sobre música, mas como seres humano e desenvolver-lhe valências como a moralidade, inteligência, desenvolvimento físico, sociabilidade e sensibilidade para as artes”, acrescenta Vong. 

My100Zone

Where little people can do big things“. A frase apresenta o My100Zone no vídeo de abertura do site. O centro explora o desenvolvimento e a aprendizagem das crianças com base na filosofia italiana Reggio Emilia – abordagem desenvolvida no pós-Segunda Guerra Mundial, na cidade com o mesmo nome, por Loris Malaguzzi e que, entre outras características, privilegia a curiosidade da criança como motor de ensino.

Nair Cardoso foi a mentora do projecto. O contacto próximo com a educação e as artes desde a infância – os pais eram professores e sempre teve aulas de diversas áreas, incluindo de pintura com o mestre Mio Pang Fei – fez com que o percurso profissional acabasse por juntar os dois ramos. “Trabalhei numa escola durante uns tempos e nunca apreciei a forte componente académica ainda numa fase muito inicial, quando são tão pequenos”, afirma para explicar como surgiu o interesse em explorar alternativas.

A curiosidade, reforçada quando foi mãe, levou-a até à abordagem Reggio Emilia, que começou a seguir. Primeiro em casa, na educação dos filhos e nas explicações e aulas de línguas que dava a outras crianças. Depois no centro que abriu quando uma das mães a ter desafiado para tornar o projecto pessoal em algo profissional e criar um espaço de actividades para crianças com base nos princípios da filosofia italiana.

Em 2018, nasceu o My100Zone, um centro de tempos livres para miúdos até aos 12 anos onde, através da criatividade, se procura desenvolver o pensamento crítico, a autonomia, a confiança e a auto-estima, as relações interpessoais, entre outras aptidões.

O centro, no Tap Seac num espaço envidraçado com vista para o Jardim da Vitória, procura que a criança sinta que está numa zona de conforto, mas explorando as capacidades ao máximo. “Seja ao nível académico, seja ao nível pessoal”, refere a directora.

Os cursos Portuguese Club, English Club e Baby Club foram o ponto de partida. “As pessoas procuram o centro por causa das línguas, mas depois estamos 90 minutos a explorar várias áreas além dessa. O objectivo é aprender a experimentar, a fazer.”

A relação com as artes é, por isso, um requisito transversal ao currículo dos quatro professores que ali trabalham. Nair Cardoso, por exemplo, é formada em Design Gráfico, com mestrado concluído e doutoramento a caminho em Educação, com especialidade na área da pedagogia sensorial. “A parte emocional é das mais importantes nestas idades e a arte tem um potencial enorme no desenvolvimento dessa componente. Há muitos miúdos que têm dificuldade em expressar-se verbalmente e encontram na arte uma via”, realça a professora, enumerando uma das mais-valias da abordagem.

“Também traz outros benefícios como o desenvolvimento de capacidades sociais: a partilha, o negociar, lidar com a frustração, a angústia inerente à interacção e actividades que aqui fazemos. Claro que são valências que também se aprendem na escola, mas é uma aprendizagem institucional, há um professor que diz o que é para fazer. Aqui a criança tem muito mais autonomia e liberdade, não tem de haver tantas directrizes e regras estritas.”

À aprendizagem recorrendo a jogos, trabalhos manuais, música e dança, Nair Cardoso acrescenta ao rol de vantagens o facto de obrigar as crianças a desligarem-se dos ecrãs e aparelhos electrónicos, como os telemóveis, tablets e computadores. “É importante que as crianças se sintam aborrecidas, que não tenham nada para fazer. É assim que descobrem e inventam.”

Nos três anos desde que abriu, o centro tem sedimentado os cursos iniciais e abriu mais um, o “Arts Club”. “A ideia não é ser um curso convencional. Primeiro, porque a arte está presente em tudo o que se ensina no centro e depois porque não queremos que aprendam a desenhar obedecendo a regras rigorosas. O importante é que explorem e que consigam chegar a um resultado fazendo o seu percurso e respeitando a sua percepção.”

Os cerca de 60 alunos estão distribuídos por várias turmas, que nunca excedem os 15. O “Baby Club” vai dos 10 meses aos dois anos e meio, e neste caso os alunos são acompanhados pelos pais; depois há os grupos dos dois anos aos seis, e finalmente dos sete aos 12 anos. “Também trabalhamos com miúdos em processo inclusivo, ou seja, com patologias como autismo, hiperatismo, depressões, problemas emocionais. São incluídos no grupo geral, mas não os forçamos a fazer nada. No mínimo temos sempre dois professores por turma. Se tivermos 15 alunos, temos quatro professores; se tivermos 10 temos três; abaixo disso, estão sempre dois. Isso é importante porque há sempre um que pode dar atenção individualizada a estes casos quando não querem fazer o mesmo que o resto”, refere Nair Cardoso.

Noventa por cento dos alunos é de etnia chinesa, factor que a professora associa à maior receptividade a novas vias de ensino em Macau. “Há muito mais procura por estas alternativas, sobretudo por parte de pais chineses. Os miúdos têm de aprender chinês, e compreendo que numa creche em que os espaços são pequenos e as turmas têm cerca de 40 crianças, seja difícil fazer o que fazemos aqui. Os pais procuram estes espaços onde os filhos podem ser crianças.”

Não é um processo fácil, confessa, e exige um trabalho paralelo de reeducação junto dos encarregados de educação, para quem o pressuposto faz confusão a alguns. “Muitos comentam que os filhos não estão a aprender nada, que só estão a brincar.”

Ilustra o sucesso da abordagem com os casos em que os pais pensam que os filhos têm algum problema, como de fala, mas que após uns meses constatam que não. “Muitas vezes, apenas se deve ao ambiente em que estão inseridos nas escolas. Sentem vergonha, estão mais retraídos, são gozados pelo sotaque e acabam por criar complexos, e isso inibe-os. Por isso, é que insisto: não trabalhamos só o português, inglês ou as artes. O nosso trabalho é com as crianças e o seu desenvolvimento. O que importa é o processo, não o resultado.”

Glee Macau

O nome recorda a série norte-americana que esteve no ar de 2009 a 2015 e foi líder de audiências em vários países, e tinha como cenário uma escola de artes performativas. Foi com o mesmo objectivo – o de criar oferta de actividades no mundo das artes para jovens e crianças – que nasceu a Glee Macau.

Tomos Griffiths e Emma Seward foram os mentores e, de certa forma, pioneiros na cidade. Os artistas tomaram a iniciativa de abrir um clube quando chegaram há 14 anos, depois de procurarem alternativas para os três filhos e se darem conta da escassez.

Ambos com carreira na área do entretenimento, não se conformaram e assim nasceu o Glee Macau, em 2010. Na página do clube, os directores asseguram a máxima qualidade na oferta de workshops, cursos e espectáculos orientados por profissionais de nível internacional de diferentes partes do mundo e o compromisso em desenvolver talentos locais.

“A relação com as artes performativas é incrivelmente importante. Contribuiu de forma evidente para a confiança, imaginação e criatividade das crianças. É uma maneira fantástica de desenvolver essas capacidades”, assegura à MACAU Tomos Griffiths, com trabalho reconhecido nas áreas da produção, promoção, performance e direcção criativa. No currículo conta com actuações com a famosa Orquestra Count Basie, a Orquestra Nacional Sinfónica da China e a Orquestra de Sydney. Antes de vir para Macau, actuava na peça Fantasma da Ópera, em Londres.

O também director criativo, que acumula a função com as aulas de canto e representação, não tem dúvidas no que respeita aos benefícios. “Há vários pais que vêm ter connosco preocupados com o facto de os filhos serem muito tímidos ou introvertidos. Depois de uns tempos no Glee, dizem que estão mais confiantes, com melhor rendimento escolar e mais dinâmicos, receptivos a novas coisas.”

A escola tem 150 alunos, dos 4 aos 65 anos, com predomínio de estrangeiros a viver em Macau, tendo também em conta que o inglês é a língua usada. As turmas são organizadas em função da idade: dos 5 aos 6, dos 7 aos 12, dos 13 aos 16, e depois os mais velhos.

As aulas, leccionadas por nove professores, distribuem-se pelo dia durante a semana e sábados. Para as crianças e jovens há break dance, jazz, sapateado, tecidos verticais e balé, assim como representação, musical e canto, entre outras.

O objectivo, sublinha Tomos Griffiths, é crescer e criar mais oportunidades relacionadas com o mundo da música e da dança, também em parceria com entidades públicas e locais.

Procura sempre houve, realça, apesar de notar diferenças desde 2020. “Todos estamos a viver um período peculiar com a Covid-19 e creio que o contexto também contribuiu para uma certa predisposição. Há mais gente a querer experimentar, a procurar actividades criativas que não impliquem contacto com ecrãs e tecnologia. Os pais também querem que os filhos deixem de estar sistematicamente agarrados a um ecrã.”

Emma Seward, coreógrafa e bailarina com experiência internacional, acrescenta que a pluralidade tem sido uma das mais-valias. Recorda que numa das suas aulas perguntou de onde eram os alunos e havia mais de 20 nacionalidades. “A diversidade que se vive na escola é fascinante”, sublinha a directora criativa, que começou a carreira na MTV Asia e trabalhou com grandes nomes do espectáculo como Katy Perry, Cher Lloyd, Kylie Minogue, Jacky Cheung, Zhang Yimou e Whitney Houston.

À semelhança da série televisiva, o Glee Macau também tem uma meta. Todos os anos há um espectáculo no qual participam todos os alunos do clube. O evento costuma ser no Natal, excepção feita a 2021 que se prevê que haja mais um no Verão. “O nosso enfoque é mesmo na actuação. Há aulas e há treinos a pensar num espectáculo. Haver uma meta é muito importante para as crianças. Obriga-os a dedicarem-se, a praticarem em casa e nas aulas, a confrontarem-se com uma audiência, e a dar tudo”, explica Tomos Griffiths.

“É assim que nos tornamos artistas do mais alto-nível. É exactamente como as competições no desporto. Haver um teste final leva-nos a outro patamar, obriga-nos a elevar as nossas capacidades ao máximo”, acrescenta Emma Seward.

Prova disso é “o elevado número de alunos” que acabou na indústria de entretenimento depois de ter passado pela Glee Macau, refere. “Tive muitos que depois integraram grandes espectáculos internacionais, e que estão a trabalhar com artistas conhecidos. Outros estão a dar aulas. Muitos acabam por fazer carreira.”

O casal sublinha que o espectáculo final é importante também porque estimula o espírito de equipa e é uma motivação acrescida. “Cada um tem a sua tarefa, mas depois há um todo. É o resultado de um esforço conjunto, o que acaba por criar um sentimento de comunidade”, assinala a britânica Emma Seward.

A coreógrafa realça que as crianças se superam no momento de subir ao palco e excedem as expectativas perante a audiência. “Levam tudo muito a sério. Há sempre dois ou três alunos que temos dúvidas porque são tímidos, introvertidos e receamos que se sintam intimidados pelo público, e depois, surpresa, são fabulosos. É mesmo muito gratificante”, afirma Griffiths, que produziu e promoveu espectáculos como os musicais “Cats” e “Música no Coração”.

Jelly’s Musikgarten – Music & arts for kids

No Jelly a música é o elemento-chave no desenvolvimento da criança nas suas mais variadas vertentes – física, psicológica, linguística. Apto a receber alunos desde os dois meses, o espaço faz questão de contar com a presença e participação dos pais. “Diferenciamo-nos de muitos centros de música que se focam no ensino de instrumentos musicais. Aqui utilizamos a música como um meio para cultivar habilidades como cantar, ouvir e sentir”, explica a fundadora Jelly Ying, de 39 anos.

A professora decidiu abrir o espaço depois de ser mãe, e após a formação em Artes Cénicas e Música, na Austrália e na Malásia. Já de volta a Macau, dedicou-se à docência, mas algum tempo depois decidiu mudar de rumo. “Casei-me e tive o meu primeiro filho. Não queria que aprendesse música de uma forma tradicional e procurei outras vias até que encontrei a ‘Musikgarten’ (programa reconhecido internacionalmente, fundado por Lorna Heyge e que usa a música como veículo primordial de ensino). Queria que tivesse convívio com outras crianças e foi assim que criei o centro”, recorda.

Doze anos passaram-se. Jelly já teve outro filho e consolidou a aposta. O centro conta hoje com mais de 200 alunos, de diferentes nacionalidades e etnias. A língua universal é a música, normalmente cantada em inglês. Já na interacção com as crianças, os professores usam o idioma de acordo com a língua materna ou que são mais fluentes entre o inglês, o mandarim e o cantonês.

Entre outras actividades, há o que chama de “playgroup”, direccionado para os mais novos e que requer a presença dos pais. “Queremos que os pais possam aplicar o que ensinamos em casa e que entendam o que os filhos precisam nesta fase de desenvolvimento.”

Aos pais de crianças com atrasos no desenvolvimento – por exemplo da fala – são ensinados diferentes exercícios. “Somos um pouco diferentes de outros centros, incentivamos os pais a resolverem os problemas connosco. A música é uma linguagem, qualquer criança é bem-vinda. Não andamos atrás de objectivos, mas sim do desenvolvimento individual. Cada um tem o seu ritmo.”

Para o acompanhamento personalizado é feito um balanço no fim de quatro meses de aulas, que inclui uma reunião com os pais para se fazer um ponto de situação “de forma aberta”. “Discutimos por exemplo a origem dos problemas, para se perceber se é realmente dos filhos ou tem origem nos pais. Muitas vezes, o estado emocional e habilidades das crianças são afectados por problemas familiares.”

A transparência, vinca, é por isso determinante. “Têm de falar sobre a vida familiar para que possamos ajudar. Quanto mais transparência houver, mais podemos perceber os problemas por detrás do desenvolvimento dos filhos.”

O envolvimento da família tem um peso de 50 por cento, afirma a professora. “Não basta deixá-los aprender no centro. Quando as crianças desistem é porque encontraram obstáculos que não conseguem resolver sozinhas. Queremos que os pais saibam ajudá-las a ultrapassar as dificuldades. É uma responsabilidade dos pais. O crescimento implica a interacção entre a criança, os pais e o centro.”

Aprender música, continua, não se esgota na aprendizagem de um instrumento, e acaba por desenvolver capacidades como a de persistência e de trabalho em equipa. “É um soft power essencial quando crescidos e entram no mercado de trabalho”, assegura. “O nosso propósito não é o número de prémios que conseguem obter, mas a sabedoria. Não é com um exame que determinamos se a criança pode ou não continuar a aprender música, não é o que queremos. A música é uma linguagem para se comunicarem.”

Todos os anos, normalmente nas férias de Verão, há um espectáculo com base em peças da Broadway como “The Matilda” e “The School of Rock”. “Actuam com os pais desde bebés. Não tem de se ser bom para se poder actuar, queremos que tenham a experiência. Já chegamos a levar os alunos a cantar na rua. É muito importante que tenham diferentes vivências.”

Para garantir a diversidade da oferta – com aulas no âmbito do desporto, como de Educação Física, música e teatro –, os sete professores do centro têm formação musical e desportiva, que adaptam à filosofia do centro com crianças até aos 12 anos. “Há miúdos pouco aceites nas escolas normais porque têm dificuldades de concentração, não se portam bem. Aqui sentem-se integrados. Este tipo de crianças tem um nível de sucesso considerável aqui. Por norma, são melhores em música e artes.”

My Gallery Playschool

No My Gallery o mais importante é dar espaço à criança para descobrir e explorar o que gosta, do que é capaz e no que tem mais potencial sem metas, nem objectivos que não o do aprender. A música, as artes e os jogos interactivos são os meios usados para desenvolver o pensamento crítico, comunicação, entre outras aptidões.

“Cada pessoa é diferente. Há miúdos que são melhores a línguas, outros em desporto. Aqui tentamos orientar os alunos de acordo com as suas apetências e preferências”, refere Caleigh Cheang.

Depois de Macau, onde afirma haver demasiadas regras e restrições na educação, Caleigh Cheang partiu para estudar nos Estados Unidos, Suíça e Austrália. “Tive contacto com diferentes formas de ensinar e quis trazê-las para Macau.”

Com formação em Kindermusik (via na qual a música assume protagonismo na educação infantil) e Jolly Phonics (programa de literacia que usa a fonética), e com experiência como educadora num jardim-de-infância na Austrália, Cheang decidiu apostar num centro que privilegiasse a criatividade no ensino. Assim nasceu o My Gallery Playschool há 12 anos, localizado na Taipa.

“Especialmente na Austrália, há um enfoque no que as crianças querem aprender que contrasta com a tendência em Macau, onde são obrigadas a estar sentadas e a cumprir regras, e onde não há muito espaço para a criatividade. Não se dá uma atenção ao que querem, ao que sentem no que respeita ao ensino e ao que aprendem”, aponta a professora.

Os cerca de 70 alunos – quase 100 antes do impacto da pandemia – distribuem-se pelos três departamentos da escola: a creche, que funciona de manhã e em que 99 por cento dos alunos são estrangeiros; as actividades de tempos livres em horário pós-escolar, frequentados maioritariamente por estudantes das escolas internacionais, e os cursos de inglês, que decorrem ao fim-de-semana e com predominância de alunos locais. Nas manhãs, há cerca de 18 alunos, de tarde rondam os 15 e, ao fim de semana, cada turma não excede os oito.

As aulas, todas em inglês com excepção das de mandarim, são asseguradas pela equipa internacional de cinco professores de Macau, Itália, Indonésia e Filipinas –

 com qualificações em diversas áreas, como música. “Há uma consciência cada vez maior sobre estas vias que apostam na criatividade para ensinar. Quando começámos há 12 anos, era inconcebível. A ideia de aprender com prazer e alegria era impensável para os pais. Agora, há um interesse crescente que os filhos aprendam num ambiente mais relaxado e descontraído”, constata Caleigh Chegan.

“Temos alunos com limitações linguísticas e emocionais, e que conseguem expressar-se depois de algum tempo aqui e mediante o trabalho que fazemos com as artes. As vantagens na evolução dos miúdos são evidentes, especialmente nos que têm algum tipo de dificuldades e limitações.

Aerial Arts Macau

A porta envidraçada desvenda um pouco do estúdio de três andares onde têm lugar as diversas aulas do Aerial Arts Macau. O espaço arrancou com sedas, dança do varão, arco e telas, mas foi crescendo em alunos e cursos.

O estúdio, na Rua Central, nas costas do teatro D. Pedro V, já existia, mas foi recuperado em Outubro passado pela dupla Zoe Sou e Kam Tou Pang, com o intuito de garantir uma nova oferta de aulas de acrobacias aéreas – na tradução do inglês e que abrange as artes que impliquem levantar o corpo do chão. A base mantém-se, mas hoje o centro também oferece aulas de balé ou ioga. 

No início a oferta limitava-se a adultos. “Com o tempo demo-nos conta que as crianças também gostavam deste tipo de actividades e consideramos a hipótese. Vinham com os pais e brincavam enquanto esperavam. Preocupava-nos o perigo que podia representar, mas depois percebemos como era importante para eles, como se divertiam e aprendiam. Iniciámos com os tecidos verticais e o arco, e fomos alargando a oferta”, explica Kam Tou Pang.

A estas, foram acrescentadas aulas de dança do varão e balé. Todas as acrobacias vão dos 3 aos 10 anos, com excepção do Arco, que exige a idade mínima de 4 anos. A partir dos 10, passam a integrar as turmas dos adultos. Dos cerca de 140 alunos, 30 são crianças.

“É uma mistura e essa é uma das partes fantásticas disto tudo. Esta nova geração já nem dá para perceber bem. Tanto falam bem cantonês, como inglês”, realça a professora.

O inglês é a língua veicular, característica encarada como uma mais-valia em lugar de um impedimento para atrair alunos. “Os nossos instrutores falam inglês e é uma forma dos mais novos que não dominam o idioma aprenderem”, defende.

As consequências na saúde física é outro dos benefícios que Kam Tou Pang destaca. “Há muita ginástica envolvida. O facto de se moverem e erguerem o corpo, de fazerem diferentes acrobacias que treinam ossos, músculos e tendões ajuda ao desenvolvimento do corpo e à memória física, o que vai impedir lesões e outros problemas na idade adulta. É muito importante que se comece cedo porque maior e mais sólida será a memória muscular, menor é o risco de lesão e maior será a mobilidade até tarde.”

A par do corpo, a personalidade também se ressente, assegura a co-directora do estúdio. “Os resultados ao nível do comportamento são notórios: como interagem e brincam. Têm de partilhar, de aprender várias valências e isso ajuda na interacção com o outro.”

A ideia é crescer e na calha estão mais aulas para os mais novos, como as de hamac. A procura, garante, nunca foi problema, incluindo nas classes mais improváveis. “Quando criámos as aulas de dança do varão pensávamos que haveria preconceito, mas depois reparámos que não”, recorda Kam, referindo que vários miúdos mostraram curiosidade.

Entre os 10 professores do estúdio, todos são artistas profissionais e quatro estão qualificados para o ensino infantil: dois de arco, um da dança do varão e outro de tecidos verticais. “Queremos abrir mais aulas, o problema é a escassez de recursos, sobretudo nesta fase de pandemia. Há definitivamente mercado para mais.” 

Caixa:

Artes nas escolas

Em resposta à MACAU, a DSEDJ realça que a literacia artística é um factor fundamental e que é uma das prioridades da Lei de Bases do Sistema Educativo Não Superior. Para isso, explicam os serviços, as artes passaram a ser uma das áreas de aprendizagem obrigatórias, desde o ensino infantil ao secundário complementar. “No ensino infantil, a educação artística é implementada de forma temática, enquanto do ensino primário ao ensino secundário complementar, as escolas podem criar a disciplina de artes ou as disciplinas de artes visuais e de música”, podendo incluir também as disciplinas de dança e teatro”, detalha a direcção.

No ano lectivo corrente (2020/2021), as disciplinas de “Artes Visuais” e de “Música” passaram a ser obrigatórias e independentes no primeiro ano dos ensinos Secundário Geral e Secundário Complementar, obrigatoriedade que se estenderá, gradualmente, ao ano de escolaridade seguinte nos dois anos escolares subsequentes.

A DSEDJ realça que desde a reforma curricular gradual, iniciada em 2014, a aprendizagem das artes passou a ter a duração mínima total de 33.280 minutos no ensino primário; de 8240 minutos no ensino secundário geral; e de 5600 minutos no ensino secundário complementar.

A par disso, refere o organismo, o Governo integrou as “actividades extracurriculares” nos ensinos primário e secundário da educação regular com o objectivo de que os alunos desenvolvam os vários interesses, nomeadamente na área artística.

O “Plano de generalização da educação artística para alunos” tem sido outra das apostas na afirmação das artes no ensino local, garantem os serviços. Neste caso, o objectivo é que os alunos do 6.º ano do ensino primário ao 3.º ano do ensino secundário complementar tenham, anualmente, a oportunidade de visitar museus e teatros, e conhecerem obras e diferentes vertentes artísticas, da música oriental à ocidental, da dança à ópera chinesa, do teatro de marionetas ao convencional, entre outras.