Ensino do mandarim cresce a largos passos

A caminho de completar uma década de existência, o Instituto Confúcio na Universidade Eduardo Mondlane, em Moçambique, tem aumentado de forma exponencial a sua oferta formativa devido à uma forte demanda pela aprendizagem do mandarim. No ano lectivo 2020/2021, foram mais de 2200 alunos inscritos nos cursos de cultura e língua chinesa

Texto: Dalton Sitoe | Fotos: Salvador Sigaúque

Corria o ano de 2011, quando a Universidade Normal Zhejiang, na China, e a Universidade Eduardo Mondlane (UEM) firmaram um memorando para o estabelecimento do primeiro Instituto Confúcio (IC) naquele país africano. O projecto concretizou-se em 2012, quando os primeiros professores chegaram da China para iniciar a oferta de cursos de cultura e língua chinesa. Desde então, além de cursos livres de língua, a UEM passou também a oferecer uma licenciatura em Língua e Cultura Chinesa, em 2016, tendo os primeiros licenciados saído para o mercado de trabalho em 2020.

João Gomes da Silva, director executivo do Instituto Confúcio na UEM explica, à MACAU, que a principal missão do IC é difundir a língua, a cultura, a arte e a história da China, e que, para alcançar esses objectivos, a UEM tem apostado em três vertentes: cursos livres, eventos culturais e uma licenciatura. “Oferecemos cursos que são abertos para o público em geral e aos estudantes da UEM. Nesta modalidade as pessoas vêm cá e inscrevem-se, começam a aprender do nível iniciante. É quase gratuito, considerando os valores simbólicos que cobramos. Isto, porque nossa presença aqui tem apoio do Governo chinês e o objectivo é garantir que muitos tenham acesso”, explicou o director executivo da CI-UEM.

Noutra modalidade, os ministérios do Governo moçambicano e instituições do Estado solicitam cursos de mandarim feitos à medida para o seu pessoal. “Fazem esse requerimento em função do interesse de cada sector, nós preparamos os módulos e alocamos um professor que vai dar aulas na instituição, uma ou duas vezes por semana. Muitas vezes é preferível que esses cursos se realizem no local de trabalho dos beneficiários”, explica o responsável.

João Gomes da Silva aponta que há cada vez mais demanda de vários sectores em Moçambique por esses cursos de mandarim, já que as relações comerciais e culturais entre o país africano e a China têm sido mais e mais expressivas (ver caixa). Apenas no ano académico de 2020/2021, o IC na UEM teve 2229 alunos matriculados nos seus cursos de curta duração. A maior evidência do interesse dos moçambicanos pelo mandarim, segundo o dirigente, foi a introdução da licenciatura em língua e cultura chinesa, na Faculdade de Letras e Ciências Sociais da UEM. “Para além dos cursos de curta duração que promovemos para o público em geral, foi marcante a introdução do curso com o grau de licenciatura na UEM, em 2016. E em 2020, tivemos os primeiros 20 graduados”, destacou.

Investir em talentos locais

Actualmente, o curso de licenciatura em língua e cultura chinesa é assegurado por professores enviados da China, porém há um plano de “moçambicanizar” o corpo de docentes do curso. A estratégia passa por reter os melhores estudantes do curso de licenciatura e enviá-los para a China para programas de intercâmbio e formação, de forma a que prossigam os estudos de pós-graduação, para que, ao regressarem a Moçambique, possam ser integrados no corpo docente da UEM.

No grupo que graduou em 2020, foram retidos dois estudantes que desempenham actualmente o papel de assistentes estagiários e são remunerados pela China, estando em curso o processo da sua integração na UEM. Há já um professor moçambicano que está a fazer doutoramento na China, no âmbito do projecto de “moçambicanização” do quadro de docentes do curso.

Os recém-licenciados só veem benefícios no curso oferecido pela UEM. Depois de ter concluído os seus estudos em jornalismo, Argentina Macaringue decidiu, em 2017, entrar para o curso de licenciatura em língua e cultura chinesa da UEM. A ideia era aumentar a sua competitividade no mercado de trabalho e especializar-se na cobertura jornalística de temas ligados à China. O principal factor motivador foi ter visto um jornalista moçambicano a fazer uma reportagem para um canal de televisão chinês. Depois de ter estudado francês e inglês, considera que o mandarim irá abrir-lhe muitas portas. Todas as disciplinas da licenciatura estão concluídas, faltando apenas a defesa da monografia de final de curso para ter o diploma na mão.

“O grande desafio destes quatro anos está relacionado com o uso correcto dos tons. Porque quando pronunciamos de forma incorrecta, corremos riscos de dizer muitas outras coisas. Escrever os caracteres também não é uma tarefa nada fácil. Mas é interessante, porque é uma língua completamente diferente de todas que estamos familiarizados e é tudo uma questão de atenção e dedicação”, avaliou a estudante.

Actualmente, Argentina Macaringue está já a trabalhar profissionalmente com a língua. Desempenha funções de tradutora e intérprete numa empresa de exportação de marisco. O desejo de encaixar o chinês na sua formação em jornalismo e comunicação ainda está de pé.

Além da capital

Paralelamente ao trabalho que tem sido realizado em Maputo, João Gomes da Silva partilhou que o IC na UEM desenvolve actividades em outros pontos do país, como na província de Sofala, situada no centro do país, e Nampula, a norte.

“Normalmente, enviamos dois ou três professores da China para Nampula e Sofala. Em Nampula, por exemplo, estamos a fazer um trabalho muito forte com a Universidade Lúrio (Unilúrio). A nossa delegação tem promovido formações de chinês em toda a região norte. E está para abrir um curso de chinês de nível de licenciatura na Ilha de Moçambique, numa das faculdades da UniLúrio”, acrescentou.

Convidado a avaliar a adesão e o nível de evolução dos moçambicanos na aprendizagem do chinês, o director executivo do IC mostrou-se positivamente surpreendido. “É apreciável como o estudante moçambicano tem muita curiosidade e vontade de aprender a cultura e a língua chinesa. É um idioma novo em Moçambique e com um mercado atractivo. E é simplesmente fenomenal como o aluno moçambicano consegue falar chinês em poucos meses. Os docentes ficam surpreendidos com as conversas em chinês dos estudantes, que ouvimos nos corredores”, enalteceu.

Mais espaço

Dada à elevada demanda pelos cursos do IC na UEM, um novo edifício para albergar o organismo começou a ser construído em 2018, ao lado do futuro Centro Cultural Moçambique-China, uma imponente infra-estrutura que ocupa 20 mil metros quadrados. Apesar de o Centro Cultural não pertencer ao Instituto, a proximidade leva Gomes da Silva a ter boas perspectivas de exploração do espaço e das relações quando estiver pronto.

As novas instalações do IC ainda não foram oficialmente inauguradas devido às restrições da pandemia de Covid-19, mas as salas de aula e todas as actividades já foram transferidas para o edifício moderno de dois andares.

No local, funcionam duas instituições de ensino: metade do edifício pertence à Escola de Comunicação e Artes da UEM; e a outra metade pertence ao Instituto Confúcio. O estabelecimento foi construído com apoio da República Popular da China, e a parte moçambicana ficou com o dever de equipá-lo e cuidar das despesas correntes de manutenção.

Na opinião de Gomes da Silva, a mudança para as novas instalações foi ouro sobre azul. “Antes estávamos em salas pequenas e emprestadas. Estávamos a funcionar apertados, tendo em conta as necessidades que a UEM tem. Agora temos um edifício próprio, com dois andares, anfiteatro, salas de aulas e gabinetes. As possibilidades são imensas e o nosso campo de acção aumentou.”

A cooperação com o futuro Centro Cultural parece risonha, como explica o responsável. “Como Instituto Confúcio, temos convidado artistas chineses para virem fazer espectáculos em Moçambique. Promovemos também digressões com intuito de promover a cultura e a literatura da China. E temos utilizado o Centro Cultural Universitário da UEM ou o Hotel Glória. Quando o Centro Cultural sino-moçambicano estiver pronto, temos imensas possibilidades de promover acordos. Portanto, vejo-o com muito optimismo e entusiasmo.”

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Relações estáveis

As relações diplomáticas entre a República Popular da China e Moçambique foram estabelecidas em 1975. Em 2016, os dois países actualizaram as suas relações ao nível de Parceria Estratégica Global. Desde então, o relacionamento tem-se desenvolvido sem sobressaltos, com a assinatura de acordos de comércio e protecção de investimento. Em 2020, as trocas comerciais bilaterais cifraram-se em 2,57 mil milhões de dólares americanos. No universo dos países de língua portuguesa, Moçambique é o quarto parceiro comercial da China em volume de exportações e importações. A China exporta para Moçambique principalmente produtos electromecânicos, materiais de aço, e vestuário e calçado, e importa de Moçambique matérias-primas como madeira, minérios e produtos agrícolas.