Átrio | De arte se faz o sonho

Fez-se artista entre Macau e Lisboa e essa vivência marcada pelo choque cultural ajudou-o a definir a sua arte, dividida entre a pintura e a escultura. Aos 38 anos, João Magalhães tem tido oportunidade de dar a conhecer os seus trabalhos, até já representou a região na Bienal de Veneza, mas ainda persegue o sonho de ser artista a tempo inteiro

 

 

João Jorge Magalhães_GLP_08

 

Texto Sandra Lobo Pimentel | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

 

João Magalhães não é só pintor. Nem só escultor. Também não é apenas um designer, apesar de confessar que essa formação está sempre presente no seu processo criativo. É, por isso, mais vagamente, um artista, criado entre Macau e Lisboa e que aqui tem dado a conhecer os seus trabalhos.

Nasceu na capital portuguesa, no entanto, os pais vieram ao mundo bem longe, numa pequena terra a Oriente que não queriam que passasse desconhecida aos olhos dos filhos. Foi assim que veio para Macau, com quatro anos, e acredita que essa influência de viver entre o Ocidente e o Oriente, culturas tão diferentes, pode tê-lo ajudado no mundo das artes.

A mãe é jornalista, mas pintava, à semelhança de uma tia. De resto, sem qualquer traço da genética a puxá-lo para as artes, recorda-se, pequeno, do fascínio pelos desenhos animados e pelas cores, que começou cedo.

Estudou em Macau no Liceu D. Afonso Henriques e foi aí que começou a despertar para a estética do que o rodeava. Mas não sabe onde está o clique que o colocou nesse caminho. O skate era um dos passatempos da adolescência e com ele vieram as pinturas em graffiti. Pintava pouco, confessa, e talvez a veia marcadamente artística dos amigos mais próximos, que também enveredaram pela área, tenha tido mais influência no caminho escolhido do que qualquer outra coisa. E esse ambiente criativo não mais saiu da essência de João Magalhães.

Ainda esteve quase a enveredar pelos estudos em Economia, mas as Belas Artes falaram mais alto e seguiu para Lisboa. “Foi aí que começou a grande influência, não pela escola mas pelos amigos que fui conhecendo e todo o ambiente do Chiado”.

Não eram apenas o design e a ilustração que despertavam João Magalhães para esse mundo. A escultura, vídeo e pintura também marcaram posição. “O meu curso era Design de Comunicação, mais ligado à parte gráfica, mas o ambiente era forte e fui-me interessando”.

As Belas Artes em Lisboa transbordavam para lá do edifício do Largo da Academia. Começou a frequentar os cafés e a viver o ambiente de rua dos artistas, que ali mesmo davam largas ao talento. Esse modo de estar foi algo que se enraizou no processo criativo de João Magalhães.

Normalmente, é no café, numa mesa que já é um pouco sua, que dá largas à imaginação. “Ter pessoas à volta enquanto estou a desenhar foi algo a que ganhei gosto desde esses tempos em Lisboa”. Essa “confusão”, diz, é uma fonte de inspiração para representar aquilo que já imaginou e quer transformar em arte.

A criatividade é puxada pela vontade de ver o resultado final. O artista confessa essa impaciência no seu processo criativo que, normalmente, começa sempre com uma ilustração, primeiro desenhada a lápis e depois pintada a caneta. Depois de passar o desenho para o computador, imprime no tamanho que idealizou e pinta por cima. “Este é o meu processo de design para achar respostas”.

O desafio é constante e a inovação tem surgido com naturalidade. O artista experimenta agora desenhar directamente em tela. “Estou a utilizar processos diferentes porque, pelo menos para mim, tenho que estar sempre a aprender. No meu estilo, claro, mas usando técnicas diferentes.”

 

cadernos de esquiços

 

Arte ainda não é a profissão

Em 1999, ainda em Lisboa, foi responsável pelas ilustrações num filme do cineasta português Edgar Pêra. Três anos depois, regressou a Macau. Os primeiros trabalhos de João Magalhães foram todos na área da ilustração, para jornais, revistas ou livros. O prazer de dar largas à imaginação e ao gosto pelas artes também fez com que aceitasse alguns trabalhos não remunerados.

Encorajado pela namorada e amigos, juntou alguns quadros que pintara para a primeira exposição a solo, que teve lugar num bar em Macau, corria o ano de 2008. “A partir daí as pessoas começaram a conhecer o meu trabalho e foi mais fácil ser convidado para fazer exposições colectivas.”

João Magalhães continua a ter actividades paralelas à sua arte. Ser artista, apenas, é uma vontade constante, no entanto, acredita que Macau não tem ainda as condições para realizar esse desejo. “Tenho vontade de estar sempre a criar e viver só da arte. Era um sonho. Mas tenho que ser consciente e, em Macau, a nível de arte, ainda estamos a começar.”

Não considera que seja necessário o incentivo financeiro, mas sim mais projecção dos artistas locais, e lembra as oportunidades que lhe foram dadas ao longo dos anos e as dificuldades que encontrou. “Quando fui convidado para fazer uma instalação no Museu de Arte de Macau tinha uma ideia de usar metal, neste caso colheres, e quando fui às fábricas para as furar, pediam-me 12 patacas por cada uma. Eram 3000 colheres e cerca de dez mil furos. A máquina para fazer os furos custava 600 patacas. E foi assim, estive três meses a furar colheres.” O artista explica que “não é só com dinheiro que se resolvem as coisas, também temos que ser inventivos e descobrir formas de inovar”.

A instalação, denominada Tsunami, foi inspirada num tema social, a luta contra a fome, e esteve exposta no âmbito da Montra de Artes de Macau de 2014. “A arte é como se fosse um cartaz. Serve para captar a atenção, não só no aspecto visual ou gráfico, mas também para essa sensibilidade, e tentar dar uma informação.”

Em termos de estrutura foi um trabalho “complicado, mas possível”, talvez porque desejava poder usar materiais que não conhecia e que criassem o devido impacto no Museu, até pelo tema a tratar. “Queria fazer algo sensível.”

Sobre os temas que escolhe para os seus trabalhos, João Magalhães não consegue identificar algo demasiado marcante na sua arte. A não ser na pintura, na qual recorre mais frequentemente ao choque cultural, explicado pela vivência entre o Ocidente e o Oriente, que tanto o marcou. Tem apenas uma preocupação: “Não desenhar coisas tristes”.

Na pintura usa mais cores, diz até que gosta de um estilo “um pouco folclórico”, mas na escultura a arte que lhe desponta importa um tom mais escuro. Da formação em Belas Artes, na área do design, ficou-lhe o método, que, aliás, utiliza em vários aspectos da sua vida quotidiana, não só na arte. “O design está lá sempre. Sou uma pessoa muito metódica, até na cozinha. Tudo se faz segundo uma regra de cores e organização.”

Sublinha que em ambos os ramos da arte que pratica, “a criatividade é muito livre, mas o processo é muito rígido, muito metódico”. Se tivesse que dizer o que prefere, elege a pintura “porque é mais fácil poder criar”, enquanto na escultura surgem obstáculos a nível de espaço e de investimento.

 

leao danilo

 

Em busca de reconhecimento

A possibilidade de continuar a fazer o que gosta e ser reconhecido por isso, são objectivos que João Magalhães elege para o futuro. No entanto, sonha na dimensão “do possível” e acredita que “é preciso ter consciência e ver até onde pode dar”.

Hoje faz parte da organização Arte Sem Fronteiras, que para além de proporcionar a oportunidade de mostrar o trabalho em Macau, é também responsável por intercâmbios com outras regiões, nomeadamente, com Taiwan. “Tentamos também através da associação que os artistas possam expor a solo”.

João Magalhães foi um dos que teve essa oportunidade nos seis anos de actividade da associação, precisamente em Taipé. Para lá das fronteiras da região, conseguiu também levar a escultura Espelho Vivo, um trabalho realizado com Mafalda Botelho, à Bienal de Veneza, em 2011, um dos projectos seleccionados para representar Macau na mostra anual.

Esse foi, talvez, o momento alto da carreira do artista. “É bom que Macau tenha esse intercâmbio. Poder estar lá ou dizer que estive lá, mesmo que não haja muita gente a ver a obra, penso que foi o momento mais alto.”

João Magalhães continua a trabalhar para viver um momento igual a esse. “Basicamente, ter oportunidade de expor, de mostrar o meu trabalho.” E não esconde que continua a alimentar o sonho de, um dia, viver da arte. Da sua arte.

 

João Jorge Magalhães_GLP_02